O caráter principiológico do Código de Defesa do Consumidor
quinta-feira, 28 de setembro de 2023
Atualizado às 08:23
O Código de Defesa do Consumidor (CDC-lei 8078/90) já é uma lei bastante conhecida, mas ainda assim, de vez em quando, surgem dúvidas na intepretação de suas normas, princípios e conceitos. Para facilitar o entendimento das hipóteses envolvendo o CDC é importante levar em consideração uma questão preliminar, que deve nortear o trabalho de todos aqueles que pretendem compreendê-lo: é preciso que se estabeleça claramente o fato de que ele tem vida própria, tendo sido criado como subsistema autônomo e vigente dentro do sistema constitucional brasileiro.
E os vários princípios constitucionais que o embasam são elementos vitais ao entendimento de seus ditames.
Não será possível interpretar adequadamente a legislação consumerista se não se tiver em mente esse fato de que ela comporta um subsistema no ordenamento jurídico, que prevalece sobre as demais - exceto, claro, o próprio sistema da Constituição Federal -, sendo aplicável às outras normas de forma supletiva e complementar.
Além disso, a edição do CDC inaugurou um novo modelo jurídico dentro do Sistema Constitucional Brasileiro.
Em primeiro lugar, a lei 8.078/90 é Código por determinação constitucional (conforme art. 48 do ADCT/CF), o que mostra, desde logo, o primeiro elemento de ligação entre ele e a Carta Magna.
Ademais, o CDC é uma lei principiológica, modelo até então inexistente no Sistema Jurídico Nacional. Como lei principiológica entende-se aquela que ingressa no sistema jurídico, fazendo, digamos assim, um corte horizontal, indo, no caso do CDC, atingir toda e qualquer relação jurídica que possa ser caracterizada como de consumo e que esteja também regrada por outra norma jurídica infraconstitucional. Assim, por exemplo, um contrato de seguro de automóvel continua regulado pelo Código Civil e pelas demais normas editadas pelos órgãos governamentais que regulamentem o setor (Susep, Instituto de Resseguros etc.), porém estão tangenciados por todos os princípios e regras da lei 8.078/90, de tal modo que, naquilo que com eles colidirem, perdem eficácia por tornarem-se nulos de pleno direito.
E mais e principalmente: o caráter principiológico específico do CDC é apenas e tão somente um momento de concretização dos princípios e garantias constitucionais vigentes desde 5 de outubro de 1988 como cláusulas pétreas, não podendo, pois, ser alterados.
Com efeito, o que a lei consumerista faz é tornar explícitos, para as relações de consumo, os comandos constitucionais. Dentre estes destacam-se os Princípios Fundamentais da República, que norteiam todo o regime constitucional e os direitos e garantias fundamentais.
Assim, à frente de todos está o superprincípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), como especial luz a imantar todos os demais princípios e normas constitucionais e apresentando-se a estes como limite intransponível e, claro, a toda e qualquer norma de hierarquia inferior.
A seguir, no texto constitucional estão os demais princípios e garantias fundamentais que são reconhecidos no CDC e que aqui relembramos: o princípio da igualdade (CF, art. 5º, caput e inciso I); a garantia da imagem, da honra, da privacidade, da intimidade, da propriedade e da indenização por violação a tais direitos de modo material e também por dano moral (CF, art. 5º, V, c/c, os incisos X e XXII); ligado à dignidade e demais garantias está o piso vital mínimo insculpido como o direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à previdência social, à maternidade etc. (CF, art. 6º); e unidos a todos esses direitos está o da prestação de serviços públicos essenciais com eficiência, publicidade, impessoalidade e moralidade (CF, art. 37, caput).
Não se pode olvidar que é também cláusula pétrea como dever absoluto para o Estado a defesa do consumidor (CF, art. 5º, XXXII).
Resta ainda lembrar que a Constituição Federal estabelece que o regime econômico brasileiro é capitalista, mas limitado (CF, art. 1º, IV, c/c arts. 170 e s.): são fundamentos da república os valores sociais do trabalho e os valores sociais da livre iniciativa (CF, art. 1º, IV), e a defesa do consumidor é princípio fundamental da ordem econômica (CF, art. 170, V).
Ora, o CDC nada mais fez do que concretizar numa norma infraconstitucional esses princípios e garantias constitucionais. Assim está previsto expressamente no seu art. 1º.
O respeito à dignidade, à saúde, à segurança, à proteção dos interesses econômicos, e à melhoria de qualidade de vida está também expressamente previsto no seu art. 4º, caput.
A característica de vulnerabilidade do consumidor prevista no inciso I do art. 4º decorre diretamente da aplicação do princípio da igualdade do texto magno.
O CDC é categórico no que respeita à prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais (art. 6º, VI), e o acesso à justiça e aos órgãos administrativos com vistas à prevenção e reparação de danos é também outra regra manifesta (art. 6º, VII). A adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral é, da mesma forma, norma clara na lei (art. 6º, X) etc.
Logo, fica patente o caráter principiológico da lei 8.078/90.