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A educação escolar como produto de consumo

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Atualizado às 07:56

Um amigo meu, fez uma observação interessante. Disse que, quando estava cursando a graduação numa faculdade privada, viu, mais de uma vez, seus colegas se comportarem como consumidores estranhos: se o professor ou a professora faltava, eles comemoravam ao invés de reclamarem. Eles pagavam por um serviço que não estavam recebendo e ainda assim não se incomodavam.

No artigo de hoje, cuido de alguns pontos da prestação privada do serviço escolar que envolve pais, mães, filhos e filhas.  Focarei meu artigo no ensino básico (infantil, fundamental e médio).

Como se sabe, o ensino escolar particular é típico produto de consumo, isto é, trata-se de prestação de serviços regulada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Se perguntarmos para os pais por que eles colocam seus filhos em escolas particulares (a maior parte delas bastante caras) a resposta natural estará ligada à qualidade do ensino. "A escola pública não é boa", dirão. Muitos pais, inclusive, sacrificam-se para conseguir pagar as mensalidades.

Na verdade, com o incremento  cada vez maior do capitalismo de produtos e serviços essenciais que foram saindo das mãos do Estado e passando para a iniciativa privada, e com a queda da qualidade de ensino nas escolas públicas (refiro especialmente o Brasil, embora o mesmo fenômeno possa ser verificado em outros lugares), o que assistimos nos últimos trinta, quarenta anos, foi a transferência de vagas da escola pública para a privada e o incremento das escolas privadas, muitas delas, atualmente, empresas enormes e altamente lucrativas.

Muitas delas adotaram o regime integral, oferecendo refeições e vários cursos extras como atividades para preencherem o espaço de tempo dos alunos, o que se coaduna com a falta de tempo dos pais, que trabalham o dia inteiro, de modo que se acabou fazendo um encaixe de interesses: os pais trabalham enquanto os filhos estudam, fazem esportes ou atividades artísticas, lúdicas etc.

Coloco, então, uma questão básica em relação à lei: o que a escola particular oferece? Qual é sua oferta? Não responderei pensando na questão do marketing (muito bem desenhado por muitas delas). Respondo com o aspecto  lógico: a escola presta serviços essenciais de educação. Os pais, quando colocam seus filhos na escola particular, esperam que eles aprendam o conteúdo indicado e necessário. Não é isso? Espera-se que sim. É a obrigação essencial da escola. É para isso que ela existe e, como recebem boas remunerações para tanto, essa é sua contraprestação jurídica principal.

Mais eis que, com o passar do tempo, algumas situações esquisitas em termos de cumprimento da oferta têm ocorrido. Por exemplo, em algumas escolas quando os alunos são matriculados ou no início do ano letivo, a Secretaria fornece o nome e telefone de professores que dão aulas particulares. Isso! A escola, desde logo, está dizendo: "Eu ensino, mas não tanto assim. Por isso, segue uma relação para que sua filha ou seu filho receba um reforço no aprendizado".

Vejamos, agora, outro aspecto: o da lição de casa. Nas escolas que oferecem serviços de ensino de tempo integral, se a aluna ou o aluno permanece nas instalações da escola o dia inteiro, tem sentido que ela ou ele chegue em casa e ainda tenha que fazer lição? Ou passe os feriados e fins de semana fazendo lição? Será que a infância e adolescência não tem mais espaço para a convivência com os pais, amigos e demais familiares? Em atividades de lazer e mesmo culturais, mas fora do âmbito do conteúdo das disciplinas escolares?  Essa convivência tão importante na formação dos jovens foi abandonada? 

Então, para que serve passar o dia na escola? Para que as mensalidades sejam mais caras? Seria um caso de vício na prestação do serviço?

Pensemos na relação jurídica da prestação dos serviços de ensino. O fornecedor, uma escola, ou seja,  uma empresa, se oferece para ensinar aos alunos certos conteúdos ditados pelos órgãos governamentais e/ou decididos por ela e com métodos também criados e decididos por ela (escola). Para tanto, ela cobra certo valor mensal (a maioria das mensalidades tem preços bastante elevados). Estabelecida a relação jurídica de consumo, pelo contrato escolar, cabe aos pais pagar as mensalidades e ao prestador do serviço cumprir sua parte: ensinar. 

Quero consignar que, evidentemente, não estou me referindo à aluna ou ao aluno que tenha algum tipo de dificuldade própria de aprendizado. Faço uma abordagem relativamente ao grande número de alunos que não apresentam nenhum tipo de problema para estudar e incorporar conhecimento. 

Por fim, anoto que, algumas vezes, a situação beira ao absurdo quando, por exemplo, grande parte dos alunos de uma determinada sala não consegue aprender. Para mim, como professor, quando numa sala 50% ou mais dos estudantes fica de recuperação, a falha é claramente do professor e da escola e não dos alunos! É esse o ponto: a escola, na hipótese,  não cumpriu a oferta; não cumpriu com seu dever de ensinar.