Mentiras no mercado de consumo: afinal, quem é que mente?
quinta-feira, 15 de dezembro de 2022
Atualizado às 09:34
Desde sempre a mentira esteve presente nas relações de consumo. E pergunto: "afinal quem é que mente? As empresas mentem para seus clientes?"
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) tipificou o crime de informação ou afirmação enganosa em relação aos produtos e serviços, mesmo por omissão:
"Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:
Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.
§ 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.
§ 2º Se o crime é culposo;
Pena Detenção de um a seis meses ou multa".
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, essa regra é bastante didática. Isto é, apesar de pretender punir os enganadores, para os fornecedores que souberem aprender com ela (e, também, com as outras normas contidas no CDC), certamente se beneficiarão no trato com seus clientes e no incremento da clientela.
Lembro que a harmonização é um princípio fundamental do CDC, que pretendeu que as relações jurídicas de consumo fossem equilibradas e pudessem beneficiar a todos os envolvidos. Infelizmente, uma boa parte dos fornecedores não tem como base o comportamento ético esperado pela lei (embora, eu reconheça que haja avanços pela atitude de alguns mais inteligentes e menos gananciosos).
O fato é que existem "empresas mentirosas". Mas, lembro que, tecnicamente, a pessoa jurídica não mente nem pode mentir, pois é uma mera ficção (como, do mesmo modo, não pode sofrer dano moral, embora possa sofrer dano à imagem).
Quando se fala que uma empresa mentiu, enganou, ludibriou um consumidor, evidentemente, está se querendo dizer que alguém nela o fez: foi o presidente e/ou os diretores e/ou os gerentes e/ou os demais empregados subalternos. Nos cargos de direção da alta cúpula, normalmente, existe uma espécie de amálgama entre as pessoas físicas que ocupam essa posição e a pessoa jurídica; uma fusão, uma espécie de mistura que gera uma imagem de que a pessoa humana falando como a própria pessoa jurídica, fala em nome dela, como se ela existisse realmente.
Descendo do nível da alta direção para baixo na pirâmide burocrática, os empregados são intitulados de "colaboradores" e deles se espera que "vistam a camisa" da empresa. Nenhum problema quanto a isso, desde que as ações implementadas sejam legais, o que não é o caso em exame. A mentira e a enganação são sempre perpetradas por dirigentes e colaboradores.
Eis a ironia: todos eles são consumidores e nenhum deles - nem mesmo os dirigentes do primeiro nível hierárquico - estão livres de ser, por sua vez, enganados no mercado por outras empresas. É o fenômeno tipicamente capitalista de controle e implantação antiética de modelos de prestação de serviços trabalhistas, que impõem que um trabalhador engane outro. Na realidade dos fatos, isso gera uma espécie de batalha de um consumidor contra outro: o consumidor é enganado por um representante de um fornecedor que é, por sua vez, também um consumidor.
Insisto num ponto: não há motivo algum para que as empresas não sejam transparentes na oferta e venda de seus produtos e serviços. Elas não deixarão de faturar, de auferir altas receitas e obter lucros por causa disso. Bem ao contrário: uma empresa moderna e que cumpre sua função social, respeitando a lei, seus clientes e seus empregados só tem a ganhar com esse procedimento ético e legal.