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Os limites da coisa julgada na ação coletiva

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Atualizado às 07:51

A questão dos limites da coisa julgada na Ação Coletiva vem sendo discutida há muitos anos. No âmbito do Poder Judiciário, o entendimento era oscilante sobre o tema: ora aceitava a abrangência nacional, ora a restringia. A dúvida estabelecida a respeito da abrangência da coisa julgada na ação coletiva surgiu a partir da inusitada modificação do texto do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública (LACP - lei 7.347, de 24-7-85) que, a partir de setembro de 1997, passou a ter a seguinte redação:

"Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova"

Essa modificação legal, se aplicada, restringiria os efeitos da sentença coletiva aos limites territoriais do Tribunal que proferiu a sentença. Ou seja, uma decisão dada por um juiz no Estado de São Paulo, só valeria nesse estado. 

Em novembro de 2016 foi publicada uma decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ),  que definiu que a sentença de uma ação civil pública (ACP) tinha abrangência nacional e não podia ser limitada ao Estado onde o processo foi julgado. Essa decisão atendeu a um recurso apresentado pelo Idec em uma ação sobre financiamento habitacional, que envolvia as principais instituições financeiras do país1.

Atualmente, está em curso o julgamento do mesmo tema no Plenário do Supremo Tribunal Federal. Por enquanto, seis ministros votaram fixando o entendimento de que é inconstitucional artigo 16 da lei da ação civil pública, que limita a eficácia da sentença à competência territorial do órgão que a proferir. Já há maioria, portanto, nesse sentido.2 

Pelo que penso, a decisão do STF está indo na correta direção. Como já tive oportunidade de referir, a questão da amplitude da coisa julgada na Ação Coletiva tem relação direta com a extensão do dano: se este é nacional, a amplitude também é. Não teria nenhum sentido que, por exemplo, consumidores paulistas não sejam violados, mas se permita que o mesmo ato abusivo atinja consumidores de outros Estados-membros.3

Os que pensam diferente argumentam que seria "inadmissível que sentença com trânsito em julgado de pequena comarca do interior desse imenso Brasil possa produzir efeitos sobre todo o território nacional". Mas, a meu ver, sem qualquer razão. Todos sabem que, por exemplo, mesmo a sentença de falência de uma empresa (grande ou pequena, não importa), proferida numa pequena cidade do interior do país, faz efeito em todo o território nacional.

E mais: se uma indústria de medicamentos com sede numa pequena cidade comercializa remédio que gera a morte de pessoas, todos esperam que a sentença proferida pelo juiz naquela pequena localidade possa impedir a comercialização em todo o país. Não haveria base alguma - lógica nem jurídica - decidir-se por salvar a vida das pessoas numa cidade ou Estado e permitir-se conscientemente que pudesse ocorrer a  morte de outras nos demais lugares. Isso feriria o princípio da racionalidade e da razoabilidade do sistema jurídico constitucional e, no caso, o superprincípio da dignidade da pessoa humana.

A verdade é que, como bem decidiu o STJ e agora o STF, o art. 16 da Lei da Ação Civil Pública não tem como vingar no sistema jurídico constitucional brasileiro, uma vez que está em plena contradição com as normas e princípios do Código de Defesa do Consumidor. Aliás, ele contradiz a própria estrutura da LACP, enquanto o Código de Defesa do Consumidor é firme, claro e coerente ao dizer que os efeitos são erga omnes e, pois, estendem-se a todo o território nacional, gerando conteúdo formal adequado e condizente com os princípios e normas constitucionais e para além dos limites de competência territorial do órgão prolator da decisão.

__________

1 Para ver a decisão, clique aqui. 

2 Ver aqui. 

3 Ver, por exemplo, meu Comentários a Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: Saraiva, 8ª.edição, 2015, pág. 987 e segs.