O consumidor está cada vez mais empregado do fornecedor
quinta-feira, 24 de setembro de 2020
Atualizado às 07:21
O consumidor está cada vez mais "empregado" do fornecedor. Volto, pois, ao tema.
A ideia do consumidor ser transformado em empregado do fornecedor não é nova. É conhecida de todos nos serviços self service em restaurantes, passando pelos postos de combustíveis nos Estados Unidos da América do Norte e também na Europa, indo desembocar, no final do século XX, nos atendimentos self service feitos pelo consumidor via internet dos serviços bancários e se expandiu por toda a rede de vendas online.
O modo de transferir atividade fim para o consumidor, que é quem paga para recebê-la, às vezes, de fato, traz vantagens: quando, por exemplo, ele faz transferências bancárias sem sair de casa ou quando escolhe aquilo que quer comer nos restaurantes olhando e examinando os pratos oferecidos. Mas, nem sempre significa bom serviço. Veja-se o caso dos postos de combustíveis self service, existentes no exterior. É exemplo de serviço de péssima qualidade com, inclusive, riscos para a saúde e a segurança do consumidor (Por sorte, no Brasil ainda não foi implantado).
Essa "técnica" é, naturalmente, uma maneira que o fornecedor tem de diminuir custos, usando mão de obra terceirizada gratuita do próprio consumidor. E ela não para de se expandir, piorando os serviços: já havia chegado nos check-ins dos aeroportos americanos e nessa área já desembarcou por aqui.
Na pandemia, expandiu-se bastante, tanto pela via do telefone/iphone como pelos aplicativos. Os aplicativos e os "robôs" passaram a substituir os(as) atendentes reais, fazendo com que o serviço de atendimento piorasse muito. Há fornecedores que disponibilizam como forma de atendimento e/ou reclamação apenas o site, dificultando os esclarecimentos de que o consumidor necessita.
Tudo é feito para diminuir os custos e, neste período crítico, esse elemento foi realçado. Infelizmente, economia por métodos de relacionamento nem sempre significa melhora da qualidade dos produtos e serviços, nem barateamento dos preços.
O mesmo ocorre com a suposta redução de custos na implantação do sistema self service: o consumidor é transformado em empregado sem nada receber em troca, nem qualidade dos serviços, nem diminuição de preço. Aliás, ao contrário, muitas vezes ele paga para fazer o serviço do fornecedor, pois imprime os comprovantes em sua casa com seu papel e sua tinta ou paga um preço maior por ter feito o pedido online como acontece, por exemplo, às vezes, com os ingressos para o cinema.
Mas, como já mostrei antes em outros artigos, o mercado é mesmo muito bom em "criar modas" e ditar comportamentos e o consumidor, embalado por elas vai se adaptando e se acostumando. Ele se vira sozinho mexendo nas araras das lojas de roupas para encontrar o traje que tem interesse; depois se arranja para experimentar o que encontrou sozinho, em frente ao espelho; quebra a cabeça para decifrar as informações dos sites das companhias aéreas para conseguir emitir um ticket de viagem ou se atormenta tentando obter uma passagem via milhagem etc.
Em algumas lanchonetes e praças de alimentação podem ser lidos avisos do tipo "Limpe a mesa para o próximo cliente". Muitos consumidores, por cortesia e educação, fazem a limpeza. Mas, nem sempre há local para se colocar os recipientes, o que impede que se faça a arrumação. Em outras ocasiões, como nem sempre o consumidor cumpre a determinação, não é incomum encontrar-se mesas sujas, repletas de pratos, talheres, copos e restos de comida pela falta de empregados em número suficiente para manter o lugar limpo. O fornecedor esquece que não basta dar uma ordem ao consumidor; é necessário ter pessoal próprio para efetuar a limpeza caso o consumidor não o faça. Tiro no pé, pois.
Gosto sempre de lembrar que todo empregado é consumidor e que, muitas vezes, o empregado, após violar um cliente a mando do patrão, acaba sendo violado como consumidor, enganado pelo empregado de outro patrão. Trata-se, afinal, da sociedade capitalista como a conhecemos. Nesse modelo do self service, talvez pudessem os empregados se preocupar com seus empregos, porque quando o sistema dá certo, certamente, há enxugamento de postos de trabalho.
Sei que nesse assunto não há saída, pois o sistema self service veio para ficar, dando mais lucros via redução de custos e tirando emprego dos trabalhadores, mas em alguns setores, como postos de combustíveis e aeroportos, eles bem que poderiam não existir.