O recall no Código de Defesa do Consumidor
quinta-feira, 28 de março de 2019
Atualizado em 27 de março de 2019 15:05
O § 1º do art. 10 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) cuida do chamado recall, nesses termos:
"Art. 10. (...)
§ 1° O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários".
O recall começou a funcionar, de fato, no Brasil, especialmente após a edição da lei 8.078/90.
Por meio desse instrumento, a norma protecionista pretende que o fornecedor impeça ou procure impedir, ainda que tardiamente, que o consumidor sofra algum dano ou perda em função de vício que o produto ou o serviço tenha apresentado após sua comercialização.
Essa regra legal tem um alvo evidente. Trata-se das produções em série. Após gerar determinado produto, por exemplo, um automóvel, o fabricante constata que um componente apresenta vício capaz de comprometer a segurança do veículo. Esse componente, digamos, um amortecedor, que é o mesmo modelo instalado em toda uma série de 1.000 automóveis que saiu da montadora, apresentou problema de funcionamento, e, por ter origem no mesmo lote advindo do seu fabricante (isto é, do fabricante do amortecedor), tem grande probabilidade de repetir o problema nos automóveis já colocados no mercado. Então, esses veículos vendidos devem ser "chamados de volta" (recall) para ser consertados.
Modos de efetuar o "recall"
Para efetivar o recall, o fornecedor deve utilizar-se de todos os meios de comunicação disponíveis e, claro, com despesas correndo por sua conta. É o que dispõe o § 2º do mesmo art. 10:
"§ 2° Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço".
Correto. Mas não basta. É preciso fazer uma interpretação extensiva do texto para cumprir seu objetivo.
Assim, utilizando-se o mesmo exemplo acima, dos amortecedores, se os veículos são zero-quilômetro, as concessionárias que os venderam têm registro, nas notas fiscais, dos endereços dos compradores. Nada mais natural, portanto, que as montadoras chamem os consumidores por correspondência, telegrama, telefonema, mensageiros etc. Além disso, o recall deve ser anunciado via rede social e ser inserido no site do fornecedor.
Então, deve-se entender que o sentido desejado no § 2º é o de amplamente obrigar o fornecedor a encontrar o consumidor que adquiriu seu produto ou serviço criado para que o vício seja sanado.
E se o consumidor não for encontrado?
A questão que se coloca é a seguinte. Se a função do recall é permitir que o vício do produto ou do serviço seja sanado, e, para tanto, o consumidor é chamado, pergunta-se: o fornecedor continua responsável por eventuais acidentes de consumo causados pelo vício não sanado, pelo fato de o consumidor não ter atendido ao chamado?
A resposta é sim. Como a responsabilidade do fornecedor é objetiva, não se tem que arguir de sua atitude correta ou não em fazer o recall. Havendo dano, o fornecedor responde pela incidência das regras instituídas nos artigos 12 a 14 do CDC. E, como está lá estabelecido, não há, no caso, excludente da responsabilização. A que mais se aproxima é a da demonstração da culpa exclusiva do consumidor (artigos 12, § 3º, III, e 14, § 3º, II). Todavia, como é o fornecedor que assume riscos e não o consumidor, havendo dano nessa hipótese, o que se verifica é a culpa concorrente do consumidor.