Ainda a ladainha da obrigatoriedade do voto: até quando?
quinta-feira, 29 de setembro de 2016
Atualizado em 28 de setembro de 2016 09:22
Há muito tempo que, nas sociedades democráticas, os candidatos e partidos adotaram os modelos capitalistas de comunicação, fazendo ofertas e publicidades muito parecidas com as dos empresários. Aliás, os publicitários do setor cuidam e apresentam seus clientes, os candidatos, como típicos produtos. Alguns chegam a "elaborar" esse produto do início ao fim com formato próprio e, inclusive, embalagem adequada, com composição de "ingredientes", isto é, com apresentação do conteúdo e finalidade de função.
Há de tudo. Por exemplo, vários candidatos são repaginados, atualizados e apresentados com atualizados cortes de cabelo, roupas modernas, inéditas formas de apresentação e novas falas envolvendo novas promessas.
Pena que ainda não tenhamos, como faz o Código de Defesa do Consumidor, um sistema legal que proíba a oferta e a publicidade enganosa ou abusiva.
"Faz parte do jogo", dirão alguns; "é assim mesmo a democracia", dirão outros. E, pelo que penso, esses dois grupos e todos os demais têm razão. Essa é a democracia que conhecemos. É época de eleições? Vamos ao show business, então. É época do espetáculo!
Isso é tão verdadeiro que, daqui a pouco, (daqui a pouco mesmo, pois estou escrevendo este artigo às 19h do dia 26 de setembro), na maior democracia do mundo, será feito o primeiro debate entre os dois principais candidatos à presidência dos Estados Unidos da América: Hillary Clinton e Donald Trump.
Caro leitor, não é um pouco assustador que uma figura como Trump, com propostas esquisitas, possa ser candidato com chances de assumir o comando da maior potência econômica e bélica do planeta?
Como diria meu amigo Outrem Ego, "a eleição para presidente dos Estados Unidos é tão importante que deveria haver um modo de todos os habitantes da terra votarem"!
Pois bem. Sei que eleições são importantes para o sistema democrático. Isso é o óbvio ululante. Mas, como as experiências nos vários países demonstram, os cidadãos não precisam necessariamente votar para viver numa sociedade democrática. Há outros meios de usufruir do regime democrático e também de colaborar com a sociedade ou de pressionar os governantes direta e indiretamente sem ter que ir às urnas. Falo, naturalmente, do atrasado modelo de obrigatoriedade do voto (E já que citei os EUA, consigno que não é porque o voto é facultativo por lá que surgem candidatos esquisitos e estranhos como o citado empresário. Ele estaria por lá ainda que o voto fosse obrigatório).
E dentre as várias desvantagens que a obrigatoriedade trás, uma delas é a de gerar a ilusão de que basta ir às urnas a cada dois ou quatro anos para que tudo possa caminhar positivamente no país. Isso está longe de ser verdade.
Penso que, ao contrário do que dizem, o voto obrigatório é contrário à natural liberdade que se espera numa democracia e transforma o direito da cidadania num dever que aprisiona. Numa democracia, o voto há de ser um direito sagrado exercido de forma livre pelo cidadão.
A obrigatoriedade transforma o voto num cabresto, permitindo as compras, as trocas e todas as demais artimanhas para a aquisição do voto. Adicionalmente, esse sistema enfraquece a democracia porque o eleitor, sem alternativa, é obrigado a escolher alguém nas listas apresentadas pelos partidos, que detêm o monopólio das indicações dos candidatos. Milhões de eleitores, então, votam sem grande ou nenhum interesse.
Para se ter uma ideia, uma pesquisa divulgada na revista científica "Pesquisa FAPESP" (Estudos Eleitorais Brasileiros, 2014) mostra que, em 2002, cerca de dois meses após as eleições, mais de 26% dos eleitores não se lembravam mais em quem haviam votado nos cargos de deputado estadual/Federal; em 2006, este número pulou para mais de 43%; em 2010, ficou superior a 33%; e, em 2014, voltou para a casa dos mais de 40%1.
Esses dados comprovam que milhões de brasileiros vão às urnas para se livrar da obrigação de votar e para não perder vários direitos retirados de quem não vota, como, por exemplo, tirar passaporte.
Por isso, sou daqueles que acreditam que o voto facultativo tem tudo de positivo relacionado à democracia e à participação popular na política, pois, com ele, o eleitor vota se quiser e se encontrar algum candidato que, de fato, possa representar seus pensamentos, seus desejos, assim como do grupo social a que pertença. Além disso, essa liberdade de escolha permite e incentiva a participação das pessoas nas atividades políticas dos partidos, visando à nomeação de candidatos verdadeiramente representativos de seus interesses. Há, é verdade, outros aspectos, tais como o da introdução ou não do voto distrital, a do candidato avulso (sem partido) etc. Mas, o fim do voto obrigatório parece-me um bom começo.
Adicionalmente, com o voto facultativo, talvez, tivéssemos uma mudança na qualidade de nossos candidatos e também no modo de sua apresentação. O leitor já deve ter se deparado com as situações esdrúxulas existentes, mas de todo modo, deixo aqui uma indicação: (este é apenas um vídeo; há vários no youtube e em todas as eleições).
Que tal nos alinharmos com os países mais desenvolvidos? Veja esses dados que já aqui reproduzi antes: De todos os países do mundo, apenas 28 ainda adotam esse modelo, sendo 12 na América Latina e 7 na América do Sul2. E dentre os 15 que detêm as maiores economias, somente o Brasil ainda contempla o voto como dever3.
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1 Fonte: Estadão.
2 Fonte: Milton Ribeiro.
3 Fonte: Folha de S. Paulo.