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Um caso de discriminação "invertida" do consumidor em Portugal, parecido com os daqui

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Atualizado às 08:46

Como já contei, meu amigo Outrem Ego agora reside em Portugal. E, com a vivência diária, ele tem visto alguns casos envolvendo violação ao Direito do Consumidor, parecidos com os que também se vê por aqui. Caro leitor, eis um deles:

Ele ouviu numa rádio local uma propaganda do Deutsche Bank com sede em Portugal. Ele conta: "O anúncio dizia mais ou menos isso: se você é cliente do Deutsche Bank consegue 1% de rendimento numa aplicação de noventa dias. E para quem ainda não é cliente, basta tornar-se, que o rendimento é de 1,25%".

Ele achou que tivesse ouvido errado. O cliente recebe menos do que quem não é cliente? Resolveu, então, investigar e foi ao site do banco. E o que ele encontrou confirma a publicidade. Eis alguns trechos da proposta que está no site:

"Ao lançarmos a campanha "Cash to Invest" estamos a dar oportunidade aos clientes, que transfiram "fresh Money" (novos recursos), de ganhar 1% desde que invistam a totalidade ou parte num ou mais dos produtos em campanha"." (...)

"Veja como funciona para novos clientes:

  • Para aderirem a esta campanha terão que abrir uma conta no Deutsche Bank. Todo o processo é semelhante ao dos atuais clientes, com a diferença que receberão 1,25% do valor investido. (...)

"Voe rumo a esta campanha":

  • "Montante mínimo a transferir de 25.000?;
  • Para clientes atuais oferta de 1% do valor transferido que for investido; para novos Clientes a percentagem será 1,25%;
  • Para atuais e novos clientes o prémio máximo é de 10.000?;
  • Valor creditado num período até 3 meses após adesão à campanha"1.

Bem, como disse a meu amigo, para dar uma opinião jurídica precisaria, primeiramente, investigar se, de fato, as legislações portuguesa e europeia permitem esse tipo de discriminação, que eu poderia intitular de "invertida", o que não me parece sensato. Todavia, posso comentar o assunto pensando na lógica jurídica ou na lógica (simplesmente) e, eventualmente, comparando a situação com o Direito do Consumidor brasileiro.

Pois bem. Quando se aponta uma violação ao princípio da igualdade, como regra, ela diz respeito a uma discriminação odiosa, isto é, oferecem-se mais direitos a um que a outro quando ambos estão na mesma posição legal.

Imaginemos que a pessoa seja cliente do banco há um, dois ou dez anos e que nesse tempo todo, na relação estabelecida, tenha dado algum ou muito rendimento ao agente financeiro com o pagamento de taxas, custas, juros etc. E, de repente, uma outra pessoa que jamais pisou numa agência do banco ou sequer entrou em seu site, recebe uma oferta de campanha na qual terá maiores benefícios que o cliente tradicional. Faz sentido?

Trata-se de natural inversão das relações empresa-consumidor. Eu já afirmei nesta coluna, mais de uma vez, que o sistema de fidelização é válido (desde que livremente estabelecido) exatamente porque dá privilégios aos clientes antigos e tradicionais. Não há nenhum problema e nenhuma discriminação odiosa no fato da empresa privilegiar clientes antigos e com bom histórico de relacionamento em detrimento dos novos clientes, que ainda não estreitaram as relações. Isso porque, os clientes antigos geraram bastante receita para a empresa e daí ela pode favorecê-los em promoções, campanhas etc.. Mas, o inverso não é verdadeiro.

A campanha do banco referido faz exatamente o oposto: privilegia aquele que nem ainda é cliente! É ilógico, fere o bom senso, viola o princípio da igualdade e as bases das relações entre a empresa e seus clientes.

No Brasil, com base no Código de Defesa do Consumidor, penso que na existência de uma oferta desse tipo, os clientes antigos poderiam pleitear o recebimento da taxa de 1,25% oferecida aos não-clientes.

E, claro, sei que, por aqui, existem empresas que fazem campanhas parecidas, às vezes camufladas, para atrair novos clientes, o que é naturalmente uma violação ao Direito dos Consumidores que já se relacionam com a empresa e que pode gerar demandas judiciais similares a que referi.

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1 Grupo Deutsche Bank.