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Como proteger a criança-consumidora?

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Atualizado em 15 de julho de 2015 09:07

Nesta semana em que se comemoram os 25 anos da edição do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, este poderoso rotativo Migalhas publicou matérias que envolvem o Estatuto, e dentre elas, um apanhado das várias opiniões que envolvem a questão da publicidade voltada às crianças. É desse tema que trato mais uma vez.

Os adultos, em matéria de consumo, estão praticamente perdidos nesta sociedade capitalista que tudo produz - e qualquer coisa produz... - e que tudo vende, amparada, sustentada e auxiliada pelo marketing moderno com suas técnicas de controle. Para o adulto, o horizonte possível de liberdade desse enredo que o faz consumir, consumir e consumir seria o da tomada de consciência de que existem outros caminhos para viver a vida, buscar a paz e ser feliz. Ele poderia - e pode - procurar um outro tipo de consumo, mais sustentável e racional. Mas, os adultos, ao que tudo indica, ainda ficarão muito tempo no modelo atual de consumo.

Mas, claro, o adulto já foi criança. E uma das discussões mais aguerridas em matéria de oferta de produtos e serviços é a que envolve o público consumidor jovem. Parece não haver nenhuma chance de acordo (consenso jamais...) em torno da ideia da proteção dos menores na relação com o mercado. Como, de fato, os pequenos são hipervulneráveis, exigindo maior proteção legal que os adultos, ficou assente entre os consumeristas que existe latentemente uma espécie de ofensa para quase tudo aquilo que o marketing apresenta a esse específico público.

Esse é um dos temas que sempre me preocupou; já escrevi bastante sobre ele e confesso: não consegui ainda formar uma opinião definitiva. Sou obrigado a dizer que se, de um lado, é evidente que os pequenos devem receber maior proteção legal (algo com o que todos concordam: aqui há consenso!), de outro, percebo que grande parte do problema não está nos fornecedores-anunciantes, mas nos pais e responsáveis pelos pequenos consumidores.

Por exemplo, muito se fala que a publicidade influencia o desejo e interesse das crianças que, desprotegidas, passam a querer coisas que não precisariam possuir ou, então, a consumir alimentos que não são nutritivos, etc., o que de fato ocorre. Mas, pergunto: não se dá exatamente o mesmo com os adultos? Estes não compram produtos e mais produtos dos quais não precisam? Muitos deles, homens e mulheres, não são colecionadores de sapatos, canetas, gravatas, bolsas, camisas, ternos, etc.? Muitos não se endividam para adquirir produtos supérfluos? Uma enormidade de consumidores adultos não se empanturra de porcarias, doces, frituras, guloseimas de todo tipo? Muitos não se embebedam a torto e a direito?

O drama, pois, é enorme. E a solução? Parece que ninguém diria que a solução é a proibição de fazer a oferta dos produtos e dos serviços. Uma saída parcial tem sido limitar a publicidade. Por exemplo, de cigarros e derivados e de bebidas com alto teor alcóolico. Mas não é que os adultos continuam fumando e bebendo muito...

Não há, ao que parece, uma solução fácil e eu, particularmente, penso que, talvez, se deva mudar o foco. O fornecedor-anunciante, na medida em que fabrica produtos e presta serviços que estão dentro da lei, tem o direito de oferecê-los à venda visando cobrir seus custos (pagando os empregados, as taxas e impostos, os demais fornecedores da cadeia produtiva, etc.) e auferindo lucros. Para tanto, o sistema permite que ele faça publicidade. E, na medida em que esta, está de acordo com os requisitos legais e não ultrapasse os limites legalmente impostos (no Código de Defesa do Consumidor, por exemplo), não vejo como se possa impugná-la.

Depois de muito refletir, de estudar uma série de campanhas publicitárias, de examinar a relação entres centenas de ofertas e os respectivos produtos e serviços e depois de, também, examinar detidamente o comportamento de centenas de consumidores (adultos) em relação a essas ofertas e ao direito que eles (consumidores) têm de comprar os produtos e serviços ou rejeitá-los, vejo que a responsabilidade é mesmo do consumidor adulto. Tirando os casos de compras compulsórias tais como de medicamentos, de aquisição de serviços obrigatórios como de médicos, hospitais e tudo o que é ligado à aquisição obrigatória, nos demais que envolvem o campo da liberdade sou obrigado a afirmar que o consumidor maior de idade compra porque quer.

É possível objetar-se que há consumidores "alienados" que não sabem por que compram. Pode ser, mas daí o buraco é mais embaixo. Envolve educação e esclarecimento e uma avaliação psicológica e antropológica profunda da população em seus vários extratos sociais.

O fato é este então: é o adulto que decide comprar para si e para seus filhos (ou para as crianças que estão sob sua responsabilidade momentânea: netos, sobrinhos, filhos de amigos, de vizinhos, etc.).

Ora, grande parte dos adultos está inserida nesse processo coletivo de consumo independentemente de ter sido uma criança consumista. Já escrevi aqui mesmo nesta coluna que alguns pais procuram propiciar aos filhos o que nunca tiveram - o que não é raro, porque a maior parte dos produtos e serviços existentes atualmente não existiam na infância dos pais e com a produção em massa muitos deles tornaram-se acessíveis e não eram outrora. São adultos que, apesar de não terem tido uma infância de alto consumo, agora não só estão inseridos no sistema consumista como inserem os próprios filhos. Aliás, isso talvez até se justifique, pois alguns passaram necessidade e vontade na infância e agora querem compensar. (É de notar que muitos produtos tornaram-se mais acessíveis). E há pais que se endividam para comprar produtos para os filhos, muitos deles desnecessários.

Esse é, então, o ponto: qual a culpa do fornecedor em relação à atitude dos adultos em relação ao seu próprio consumo e ao dos pequenos?

Penso que devemos ter muita calma na resposta.

No Brasil, fruto de uma mentalidade autoritária (antiga e enraizada) vivemos num largo horizonte de protecionismos vários. No que respeita ao consumidor - que é o que interessa aqui - eu também já tive oportunidade de demonstrar que nem sempre ele deseja a proteção. E digo mais: o consumidor adulto toma decisões a compra produtos e serviços sabendo muito bem o que faz ou simplesmente exercendo seu direito ao desejo. Se ele quer se endividar para fazer uma viagem à Europa, como impedir? Se ele gasta tudo o que tem para ir a estádios de futebol, depois de adquirir ingressos e camisetas caras, o que se pode fazer? Como culpar o banco por cobrar altas taxas de juros (como de fato são) se elas estão claramente estampadas nos contratos e o consumidor as conhece antecipadamente, mas mesmo assim efetua o negócio apenas e tão somente para trocar um automóvel seminovo e em bom funcionamento por um zero quilometro apenas por uma questão de status?

Não se pode culpar o mercado por tudo. É incumbência do adulto conseguir fazer a leitura de tudo o que lhe é dirigido, para descobrir o que realmente ele precisa e pode adquirir. E quanto às crianças?

Penso que cabe aos pais e somente a eles decidir o que comprar para seus filhos; é salutar que se explique aos filhos o que realmente importa, o que de fato tem valor permanente. Tem-se que mostrar para as crianças, com os próprios exemplos vividos por elas, a inutilidade de vários produtos. Evidentemente, cabe aos pais dizer não. A criança pode até se frustrar, mas será por algo válido, uma boa experiência que ela levará consigo, pois na vida adulta ela perceberá que a frustração é um elemento comum no jogo social.

Cabe a eles, desde logo, ensinar aos filhos como se deve decidir para comprar produtos e serviços. Qual deve ser a função do produto, seja ele um brinquedo ou uma roupa. Que se deve comprá-los sem exagero; que devemos entrar numa nova era, a do consumo sustentável, consciente. As crianças, se pudessem, agradeceriam as lições.