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Black Friday ou Black Fraude? Os direitos dos consumidores

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Atualizado às 07:13

Que fomos catequizados e que adoramos copiar o que vem do estrangeiro é fato conhecido. Passamos dezenas de anos fazendo isso e continuamos; somos copiadores vorazes, inclusive de leis que não nos dizem respeito - como é o caso exemplar do regime dotal do casamento, copiado da Europa e introduzido no vetusto Código Civil de 1916. Estamos a todo vapor com o halloween, que serve para empanturrar nossas crianças de açucares e gorduras. E, claro, chegamos à 4ª. edição do Black Friday.

Como se sabe, o termo foi criado pelo varejo nos Estados Unidos para nomear a ação de vendas anual, que acontece sempre na última sexta-feira de novembro após o feriado de Ação de Graças. Por lá, todo ano, o volume de vendas é muito alto, pois os descontos são realmente verdadeiros e os empresários norte-americanos querem se livrar do estoque antigo e, no lugar, colocar as novas mercadorias para as vendas do período natalino que se inicia.

Mas, como não poderia deixar de ser, até agora nosso Brazilian Black Friday tem sido mais uma espécie de Brazilian Black Fraude.

Só no ano passado foram dezenas de denúncias contra as enganações perpetradas por muitos comerciantes, que usaram uma tática antiga: aumentar o preço na véspera ou alguns dias antes e depois aplicar um desconto para chegar no mesmo preço anterior (Aliás, prática essa que é adotada também nas liquidações sazonais que por aqui se faz). Os abusos foram tamanhos que, neste ano, os Procons estão em alerta e algumas empresas passaram a fazer anúncios dizendo que elas juram que os descontos são para valer!

Aumentar preços num dia e oferecer desconto no dia seguinte (ou seguintes) para chegar no mesmo preço, falsificando, portanto, a existência de uma promoção ou liquidação é publicidade enganosa, prevista no § 1º do artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, e também caracteriza o crime de publicidade enganosa prevista no art. 67 e o crime de informação falsa ou enganosa tipificada no art. 66, ambos também do CDC.

De todo modo, como a maior parte das vendas será feita via web, aponto a seguir, para lembrar, as regras vigentes do CDC para as operações e também as do decreto presidencial que regulamentou o comércio eletrônico.

O comércio eletrônico

O decreto 7.962, de 15 de março de 2013, baixado pela presidenta da República fixou uma série de regras para o comércio eletrônico.

Direitos básicos que já estavam fixados no CDC

O art. 1º do Decreto deixa claro que são direitos dos consumidores na contratação de compras via Internet:

a) O fornecimento de informações claras a respeito do produto, do serviço e do fornecedor;

b) O atendimento facilitado ao consumidor; e

c) O respeito ao direito de arrependimento.

São determinações desnecessárias, eis que tudo isso e muito mais está estabelecido no CDC incontestavelmente. De todo modo, ajuda a fixar as determinações.

A oferta eletrônica

O art. 2º do Decreto determina que os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, as seguintes informações:

a) O nome empresarial e o número de inscrição do fornecedor no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda (CNPJ);

b) O endereço físico e eletrônico e demais informações necessárias para sua localização e contato;

c) As características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e à segurança dos consumidores;

d) A discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou seguros;

e) As condições integrais da oferta, incluídas as modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e

f) Informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta.

Garantia de atendimento facilitado ao consumidor

O Decreto determina que, para garantir o atendimento facilitado ao consumidor, o fornecedor deverá:

a) apresentar um sumário do contrato antes da contratação, com as informações necessárias ao pleno exercício do direito de escolha do consumidor, enfatizadas as cláusulas que limitem direitos.

Não nos esqueçamos da regra do § 4º do art. 54 do CDC, que determina que as cláusulas que implicarem limitação do direito do consumidor devem ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão, e que o art. 46 diz que os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

b) fornecer ferramentas eficazes ao consumidor para identificação e correção imediata de erros ocorridos nas etapas anteriores à finalização da contratação;

c) confirmar imediatamente o recebimento da aceitação da oferta;

d) disponibilizar o contrato ao consumidor em meio que permita sua conservação e reprodução, imediatamente após a contratação;

e) manter serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico, que possibilite ao consumidor a resolução de demandas referentes a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do contrato;

f) confirmar imediatamente o recebimento das demandas do consumidor pelomesmo meio empregado por ele;

g) utilizar mecanismos de segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor.

Anoto que o fornecedor tem cinco dias para encaminhar resposta ao consumidor sobre as demandas referentes a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do contrato

  • Desistência do negócio: prazo de 7 dias

O CDC estabeleceu o direito de desistência a favor do consumidor. A intenção da lei é proteger o consumidor nesse tipo de transação para evitar compras por impulso ou efetuadas sob forte influência da publicidade ou do pessoal do telemarketing sem que o produto esteja sendo visto de perto ou o serviço possa ser testado. E, claro, no presente caso dessa suposta excelente promoção, pela pressão que a mídia e a publicidade exercem.

Esse prazo garantido pela lei é de sete dias e chama-se prazo de reflexão.

Se nesses sete dias o consumidor se arrepender da compra, pode desistir pura e simplesmente. O arrependimento não precisa ser justificado. Não é preciso dar qualquer satisfação do porquê da desistência. Basta desistir.

A contagem do prazo dos sete dias inicia-se quando do recebimento do produto.

Existem fornecedores que oferecem prazos maiores de arrependimento: dez, quinze e até trinta dias. Nesses casos, o prazo de reflexão fica automaticamente ampliado de sete para dez, quinze, trinta etc., conforme for a oferta.

E, visando dar eficácia ao contido no art. 49, o decreto 7.962 referido trouxe para o sistema uma série de outras determinações específicas. Numa delas (art. 5º "caput"), reforça que o fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor. E n'outra (§ 1º do mesmo art. 5º) disciplina aquilo que já estava inserido como garantia no CDC: que o consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados.

Uma boa novidade trazida pelo Decreto é a determinação de que o fornecedor envie ao consumidor a confirmação do recebimento da desistência imediatamente após a manifestação do arrependimento (§ 4º, art. 5º).

  • Forma de pagamento não interfere no prazo

A forma de pagamento não tem nenhuma implicação com o direito de arrependimento. Não importa como o pagamento do preço será feito:

à vista ou parcelado com cartão de crédito;

a prazo através de boletos ou avisos bancários;

através de cheque contra a entrega da mercadoria;

no caixa do posto dos correios;

após a prestação de serviço ou mensalmente, trimensalmente etc.

Em todos esses casos ou em qualquer outro, a desistência se operará da mesma maneira.

  • Devolução do que foi pago

Feita a desistência, qualquer importância que eventualmente já tenha sido paga (entrada, adiantamento, desconto do cheque, pagamento com cartão etc.) deve ser devolvida em valores atualizados. Se, por exemplo, foi feita a autorização para débitos parcelados no cartão de crédito e apenas o primeiro (do ato da compra) tenha sido lançado, este tem que ser devolvido em dinheiro ou lançado como crédito no cartão e os demais têm que ser cancelados pela vendedora junto à administradora do cartão de crédito.

Realço que sou daqueles que sempre defendeu essa posição, que inclusive acabou sendo adotada em decisões judiciais. E o Decreto 7.962 citado pôs uma pá de cal numa eventual discussão que pudesse existir. Diz a norma que o exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor (§ 2º do art. 5º).

E mais: que o exercício desse direito deve ser comunicado imediatamente pelo fornecedor à administradora do cartão de crédito, banco ou instituição financeira, para que:

a) a transação não seja lançada na fatura ou conta do consumidor; ou

b) que seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura ou conta já tenha sido realizado (§ 3º e incisos I e II do mesmo art. 5º).

Consumismo

Só para terminar, quando surgem essas mega promoções, gosto sempre de citar a história de meu amigo Outrem Ego. Certo dia, sua esposa chegou em casa e anunciou que fizera uma economia de R$ 1.000,00 em compras. Ela fora numa liquidação com descontos de 50% nos preços e comprou produtos que antes teriam custado R$ 2.000,00. Ao ver os produtos meu amigo disse: "Na verdade, você não economizou um mil reais; você gastou um mil reais! Nós não precisávamos de nada do que foi comprado".

É isso. Descontos são bons... Se precisamos do produto!