Obesidade adulta e infantil, desinformação e Direito do Consumidor
quinta-feira, 5 de setembro de 2013
Atualizado em 4 de setembro de 2013 13:13
Estou espantado - ou melhor, continuo espantado - com o desconhecimento de muitos consumidores sobre as propriedades e funções dos produtos alimentícios, a despeito de todas as informações que são lançadas via imprensa escrita, falada, nos portais da internet, etc. Enquanto isso, as pessoas continuam engordando mal (não há qualquer problema em estar acima do peso esperado para a idade, estatura, gênero, desde que se tenha saúde) com sérios problemas para sua qualidade de vida. E, por outro lado, é também sabido que é possível alimentar-se bem e com prazer sem qualquer prejuízo à saúde.
Muito bem. Na semana passada foi publicada uma pesquisa que mostrou que, em 2012, 51% da população brasileira estava acima do peso1. Os dados apresentados demonstram que a taxa de sobrepeso vem crescendo constantemente, ano a ano. Em 2006, o percentual dos mais gordos era de 43%. Já em 2011 passou a 48,5% e chegou à maioria agora em 2012.
A pesquisa mostrou mais ou menos o óbvio: que a dieta alimentar inadequada é a causa principal do problema. Constatou-se o consumo exagerado de gorduras e refrigerantes.
Em função da publicação da pesquisa, o Ministério da Saúde anunciou que tem projetos para combater os maus hábitos, construindo polos com academias para incentivar a prática de exercícios e um programa de orientação nutricional para alunos da rede pública, além de acordos com a indústria para reduzir o teor de sódio nos alimentos. São ações bem-vindas, mas ainda é pouco. E falta conscientização dos consumidores, pois pelo que se pode constatar, nesse assunto dos maus hábitos alimentares, um dos grandes vilões é o próprio consumidor. O mercado está repleto de produtos alimentícios que "não alimentam" de verdade e engordam brutalmente, de anúncios publicitários que incitam a aquisição desses produtos e, infelizmente, milhões de consumidores estão acostumados a ingeri-los e até defendem esse tipo de consumo.
A pesquisa está centrada na população adulta, mas é sabido de todos que o problema do sobrepeso e também da obesidade começa bem mais cedo, na infância. Aliás, já mostrei aqui nesta coluna que a obesidade infantil é uma epidemia mundial2.
Há, contudo, boas notícias. Na mesma semana passada, foi aprovado no Senado Federal o projeto apresentado pelo senador Paulo Paim (406 de 2005) que proíbe a venda em escolas públicas e privadas de bebidas com baixo valor nutricional, como o refrigerante, e de alimentos com alto teor de gordura e sódio, como os salgados. O projeto segue agora para a Câmara dos deputados.
Esse tema dos alimentos de baixo teor nutritivo e repleto de ingredientes que fazem mal ao organismo, como sódio, açúcares, gorduras, conservantes, etc. deveria ser tranquilamente conhecido de todos os consumidores. Seu consumo excessivo deveria ser, realmente, evitado como algo óbvio. Mas, não é. Basta um único exemplo: o do incrível consumo de refrigerantes.
São muitas as matérias científicas e jornalísticas que mostram os malefícios da ingestão desse tipo de bebida. E pelo que se pode ver, o correto é simplesmente deixar de tomá-la, pois ela somente faz mal. Como disse o pediatra e nutrólogo Fábio Ancona Lopes "Não há uma indicação de quantidade recomendada, simplesmente, porque ela não deve fazer parte do cardápio nem da rotina das crianças. Quanto menos ingerir, melhor"3.
Um dos problemas ligados aos produtos alimentícios a serem evitados é o da publicidade. Cito também e apenas um exemplo atual: o de um anúncio coca-cola que está sendo impugnado pelo site de abaixo-assinados change.org4. Diz a petição: "Pedimos a remoção imediata da campanha publicitária 'Energia Positiva' que está sendo veiculada pela Coca-Cola no Brasil em comerciais de televisão, cinema, outdoors, pontos de venda e plataforma online. Esta campanha foi proibida por órgãos do México e do Reino Unido por ser considerada enganosa e trazer riscos à saúde. A campanha transmite informações erradas aos consumidores, pois promove o consumo maior de calorias para ser gasto com diferentes atividades físicas, e ainda não deixa claro que esse produto contém sódio e outros aditivos químicos que podem acarretar em problemas de saúde. Este tipo de publicidade contribui para agravar a epidemia atual de sobrepeso e obesidade que a população brasileira está sofrendo"5.
O outro é o do costume que já está incorporado ao cotidiano de hábitos alimentares. Se para os adultos é difícil largar o vício, para as crianças é pior ainda. Não é simples bolar estratégias para evitar esse tipo de consumo com os atrativos do mercado. Como mostrou a matéria publicada pela jornalista Sheila Fernandes, proibir a bebida talvez não seja a maneira mais eficaz de brecar o consumo exagerado. O hábito de beber refrigerante está enraizado na educação nutricional do dia a dia. A conscientização dos pais é um caminho inicial a seguir: "As crianças aprendem por imitação. Elas gravam tudo e gostam de se comportar como os pais, ou seja, se os adultos consomem muito refrigerante, é bem provável que a criança também venha a consumir, por isso a educação nutricional desde cedo é importante", afirma Maria Edna de Melo, endocrinologista e diretora da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica)6.
E ainda outro problema é o da influência do meio circundante: amigos, escolas, festas etc.. Nas festas infantis, há uma enorme oferta de produtos da pior qualidade nutricional, como frituras, salgadinhos, doces, bolos, balas, refrigerantes e sucos adoçados etc.. É como se os pais entregassem seus filhos para experiências nutricionais sinistras. Os amigos, por sua vez, podem ajudar no exemplo de má nutrição, na medida em que os pais não têm como controlar os demais pais. Por isso é que a proibição de vendas de guloseimas e demais porcarias na cantinas das escolas está por demais atrasada. Alguns Estados brasileiros têm legislação sobre o assunto, mas há que se implantar a medida urgentemente em todo o país.
Uma outra boa notícia: algumas escolas já adotam a oferta de produtos de alto valor nutritivo e baixam regras para evitar que seus alunos ingiram porcarias. Proíbem, por exemplo, que os pais enviem para o lanche doces, salgadinhos, refrigerantes etc. No entanto, você leitor, sabe o que muitas vezes acontece nessas escolas? Os pais reclamam! Isso, os pais podem ser um entrave para que os filhos se alimentem bem. Eu li, recentemente, na internet o relato de uma mãe protestando contra uma escola, porque esta estava proibindo que ela - mãe - mandasse guloseimas açucaradas e gorduras vazias na lancheira de seu filho. Ela, que se dizia indignada, afirmou: "Quem manda no lanche do meu filho, sou eu". E justificou sua opinião com o argumento de que se tratava de um direito individual e que a proibição seria invasão de privacidade. Certamente, ela se esqueceu de que uma escola não é um lugar privado, mas público e que seu filho tem, diariamente, relação com seus demais colegas e amigos de sala e de toda a escola. Fiquei a pensar, o que ela diria - se não gostasse que se filho ingerisse porcarias - se o filho chegasse em casa com a boca repleta de chicletes que havia ganho dos amiguinhos ou se negasse a jantar porque estava empanturrado dos salgadinhos e refrigerantes que havia recebido de seu melhor amigo. Lembre-se que, como eu disse, se a escola é pública, o ambiente do lanche é o local de maior contato e divisão entre os alunos. É lá que eles conversam, fofocam, disputam, trocam, ficam à vontade, enfim, se divertem.
A proibição de venda de porcarias em cantinas é algo a favor da saúde das crianças e adolescentes. Serviria de exemplo, as educaria e também educaria e ajudaria aos pais, que ainda estão perdidos nesse assunto.
Sei que há atualmente um problema invertido: o daqueles pais conscientes em relação à questão alimentar e dos menores submetidos a dietas corretas por decisão dos pais ou intervenção médica. Como mostrei no meu artigo anterior sobre o assunto, o depoimento da Endocrinologista Pediátrica Dra. Soraya Cristina Sant'Ana, me parece suficiente para esclarecer alguns dos pontos principais da questão.
Diz ela: "Minhas crianças vivem esta batalha diariamente, pois muitas realizam consultas periódicas por obesidade, diabetes, colesterol ou triglicérides elevados. E não há nada mais frustrante do que nos depararmos com piora da obesidade e dos exames, após o empenho de toda família pela melhora da saúde da criança; e depois de uma conversa minuciosa, descobrirmos que apesar de todo esforço da família, a criança não melhorou porque continuou comendo guloseimas, escondido na escola. Ou então ouvir o choro de um garoto de 9 anos que chega a ser torturado com as guloseimas que seus amigos compram na cantina, ele conta que os outros meninos sabem que ele não pode comer guloseimas, então, de propósito eles compram e ficam passando os doces em seu nariz, para provocá-lo.
Então, eu sei sim o quanto esta batalha contra a má alimentação é árdua e só está começando. E que, se não houver o apoio das escolas, dificilmente atingiremos o sucesso!".
Os produtores irão colaborar? De livre e espontânea vontade, duvido muito. Há que se legislar para se restringir a venda de alguns produtos em certos pontos (como as cantinas em escolas), fiscalizar e controlar as informações que são oferecidas, assim como o mecanismo do marketing e da publicidade. Naturalmente, cabe aos consumidores adultos adotar um hábito alimentar mais saudável para si e para seus filhos menores.
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1Publicado, por exemplo, e por todos em www.g1.globo.com/bem-estar de 27/8/2013.
2Em novembro de 2012.
3Extraído da reportagem de Sheila Fernandes, de 12/8/2013).
4Do anúncio consta uma garrafa de Coca-Cola com o sinal de igual ao lado escrito a seguir: "123 calorias de energia positiva".
5In
6Extraído da matéria citada.