A obesidade infantil é uma epidemia mundial (uma pandemia) e precisa ser combatida
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
Atualizado em 31 de outubro de 2012 15:03
É lugar comum o conselho que os pais dão a seus filhos menores: "Nunca fale com estranhos!".
Essa máxima, aliás, é universal e reconhecida como conselho necessário aos pequenos. No entanto, paradoxalmente, muitos pais deixam todos os dias que estranhos falem com seus filhos, crianças e adolescentes. Não só falem como também os assediem e tentem seduzi-los com promessas de aventuras e alegrias várias. Explico.
Os menores, todos os dias, estão sujeitos aos anúncios publicitários, especialmente da tevê, mas também de outros veículos como a internet, as revistas etc. Os responsáveis por produzirem esses anúncios, por planejarem as ofertas, por bolarem promessas atraentes, são pessoas desconhecidas. Aliás, desconhecidas também dos adultos.
Essas pessoas estranhas, com intenções mais ou menos ocultas, contam estórias e apresentam uma série de fantasias para tentar convencer os pequenos a se interessarem por seus produtos e serviços e, com isso, pressionarem os pais a adquiri-los.
Retornando ao início, pergunto: por que é que os pais não gostam que seus filhos falem com estranhos? Ora, porque desconfiam que algo ruim pode acontecer, têm medo que esse desconhecido tenha más intenções, que possa causar danos aos filhos etc. Os pais sabem que, mesmo sorrindo ou estando bem vestido, o estranho pode estar escondendo algo maléfico por detrás da aparência.
Pois bem. Muitos desses desconhecidos, que entram livremente em casa via televisão ou pelos outros meios para falar com as crianças e adolescentes, apresentam-se exatamente assim, travestidos de heróis, portando-se como amigos ou falando pela boca de personagens conhecidos e queridos. Quem são eles?
São pessoas desconhecidas, mas bem formadas: universitários, técnicos, marqueteiros, publicitários, que estudam horas a fio e que planejam o melhor modo de ataque. Da mesma maneira que um estranho numa esquina, bem vestido, sorrindo e oferecendo guloseimas, eles podem causar muitos danos aos pequenos ainda que surjam assim virtualmente.
Claro que os eventuais danos são de diversas ordens, mas hoje realço aqueles relativos à saúde dos pequenos, especialmente porque acabamos de assistir a mais um (incrível!) dia do Haloween no Brasil. São as "bruxas e bruxos" do marketing, que sempre aproveitam alguma coisa para faturar e, no caso, uma gorda receita, vendendo bugigangas, doces e mais porcarias para nossas crianças.
Eu já tive oportunidade de, nesta coluna, falar de um filme dirigido por Estela Renner intitulado "Criança a alma do negócio", no qual ela mostra como a publicidade dirigida aos pequenos pode ser maléfica. Pois agora, a mesma diretora acaba de lançar um novo documentário cuidando de um grave problema que atinge crianças e adolescentes no mundo inteiro: o da obesidade infantil.
O documentário é uma contundente denúncia contra a indústria de alimentos e suas táticas para viciar e manipular os consumidores, com foco na "nutrição" das crianças e adolescentes. Ele foi apresentado na 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e entra em cartaz em novembro próximo, com pré-estreia no dia 12.
A obesidade é uma pandemia. Atinge crianças e adolescentes em todas as partes do mundo. É responsável por várias doenças e muitas mortes. A apresentação das cenas mostra uma série de problemas criados pelo mercado e, certamente, os pais de pequenos devem assistir a esse documentário. Dentre as diversas questões de que o filme trata, como essa dos estranhos que conversam com as crianças, refiro, na sequência, mais três para nossa reflexão. Um dos especialistas ouvidos, o Chef Jamie Oliver, lembra que, quando ele era criança a ida ao McDonald's era uma espécie de festa; uma atração especial. Um momento único. A comida não era boa, mas não afetava o organismo porque não fazia parte do cotidiano alimentar.
Um outro ponto crucial apresentado por Estela Renner no problema da obesidade e má alimentação nutricional diz respeito ao preço das porcarias. Elas são muito baratas! Por exemplo, um pacote de bolacha recheada, que muito engorda e pouco alimenta, custa menos que uma fruta ou duas. Ademais, com a quantidade de açúcares, sais e conservantes que os produtos têm em sua composição, o consumidor acaba perdendo o paladar e não consegue dar importância às frutas e legumes, naturalmente de sabores mais delicados.
E uma especialista ouvida no documentário chamou a atenção para algo que passa despercebido: muitas das coisas que se aprendem na escola, diz ela, não são utilizadas pelas crianças todo dia. Porém, elas se alimentam todos os dias (ou pelo menos deveriam) e, por isso, seria preciso apresentar a elas uma educação alimentar, para que elas aprendessem o que faz bem e o que não faz. Mas, não é o que se vê. Ao contrário, as cantinas das escolas estão repletas de guloseimas recheadas de gorduras vazias e excesso de açúcar, frituras e outras porcarias repletas de calorias e de baixo valor nutritivo.
Aliás, já passou da hora de se legislar nacionalmente para regular a venda de produtos nessas cantinas. O Estado de Mato Grosso, por exemplo, tem uma boa lei desde 13/07/07 (Lei Estadual nº 8.681), cujo artigo 2º tem a seguinte redação:
"Art. 2º É vedada a comercialização, nas cantinas das unidades escolares que atendam a educação infantil e básica, dos seguintes alimentos:
I - bebidas alcoólicas;
II - refrigerantes;
III - balas, pirulitos, gomas de mascar e afins;
IV - alimentos industrializados com teores elevados de gorduras saturadas, gorduras trans e sal;
V - salgados fritos;
VI - alimentos que contenham nutrientes comprovadamente prejudiciais à saúde, nos termos do regulamento.
Parágrafo único. As cantinas deverão fornecer ou colocar à disposição dos alunos, no mínimo, dois tipos de frutas sazonais."
No Estado de São Paulo, a Assembleia Legislativa chegou a aprovar no ano de 2009, por unanimidade, projeto de lei semelhante, mas o mesmo foi vetado pelo então Governador José Serra.
Esse tipo de lei sempre gera a grita de fabricantes e comerciantes, alguns dizendo que seria hipocrisia vetar a venda nos estabelecimentos escolares, enquanto os mesmos produtos continuam sendo vendidos livremente no mercado. Para quem não percebe o sofisma da argumentação, transcrevo o depoimento da endocrinologista pediátrica Dra. Soraya Cristina Sant'Ana, que me parece suficiente para esclarecer alguns dos pontos principais da questão.
Diz ela: "Minhas crianças vivem esta batalha diariamente, pois muitas realizam consultas periódicas por obesidade, diabetes, colesterol ou triglicérides elevados. E não há nada mais frustrante do que nos depararmos com piora da obesidade e dos exames, após o empenho de toda família pela melhora da saúde da criança; e depois de uma conversa minuciosa, descobrirmos que apesar de todo esforço da família, a criança não melhorou porque continuou comendo guloseimas escondido na escola. Ou então ouvir o choro de um garoto de 9 anos que chega a ser torturado com as guloseimas que seus amigos compram na cantina, ele conta que os outros meninos sabem que ele não pode comer guloseimas, então, de propósito eles compram e ficam passando os doces em seu nariz, para provocá-lo.
Então, eu sei sim o quanto esta batalha contra a má alimentação é árdua e só está começando. E que, se não houver o apoio das escolas, dificilmente atingiremos o sucesso!!" ("in": https://drasorayasantana.site.med.br/index.asp?PageName=Lei-20das-20cantinas-20das-20escolas)
Para terminar, anoto que, atualmente, inclusive, algumas escolas oferecem gratuitamente balas, pirulitos e até sorvetes para seus alunos. Um verdadeiro absurdo feito para viciar. Cabe aos pais ficar atentos e reclamar.
As crianças e adolescentes, vítimas desse processo industrial pernicioso, se pudessem e soubessem, agradeceriam.