O dia das crianças - algumas horas para pensar no futuro delas
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
Atualizado em 11 de outubro de 2011 09:52
Nos anos vinte do século passado, o deputado Federal Galdino do Valle Filho teve a ideia de homenagear as crianças, criando um dia para elas. A ideia vingou e, por intermédio do decreto 4867, de 5/11/1924, o presidente Arthur Bernardes oficializou o dia 12 de outubro como o Dia das Crianças. Todavia, a data ficou esquecida por muitos anos.
Mas, veja, meu caro leitor, que significativo: em 1960 a fábrica de brinquedos Estrela fez uma promoção conjunta com a Johnson & Johnson para lançar a "Semana do Bebê Robusto" e, com isso, aumentar suas vendas. A estratégia de marketing deu certo. Logo depois, outras empresas lançaram-se no mesmo projeto divulgando a semana da criança para aumentar suas vendas e, no ano seguinte, os fabricantes fizeram renascer a data do antigo decreto e o dia 12 de outubro passou a ser comemorado com o Dia das Crianças, isto é, o dia em que as crianças ganham presentes... E, claro, a semana em que o mercado de produtos para crianças e também adolescentes (!) fatura alto.
Vai-se, portanto, comemorando o Dia das Crianças dando a elas produtos. Certamente, neste ano não foi diferente com vendas de tudo quanto é brinquedo e muita bugiganga. Espero que coisas úteis também tenham sido oferecidas, mas não pretendo explorar esse ponto dos produtos e das vendas como manda o calendário comercial-capitalista. Quero aproveitar a data para propor uma reflexão sobre o tema de um Dia para a Criança.
Na verdade, a ONU reconhece o dia 20 de novembro como o Dia Universal (ou Mundial) das Crianças, pois foi nesse dia do ano de 1959 que foi publicada a Declaração Universal dos Direitos das Crianças. E, embora essa data seja também sempre lembrada entre nós, é o dia 12 de outubro que conta, pelo menos em termos de compras. Pensemos nisso.
Dia 12 de outubro é feriado nacional desde 1980, dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira oficial do Brasil. E, como no dia 15 de outubro se comemora o Dia do Professor (este abandonado brasileiro), acabou-se juntando uma data n'outra e nesta nossa terra de Macunaíma criou-se a Semana do Saco Cheio: foram os estudantes universitários que por volta dos anos oitenta do século passado inventaram mais uma semana para enforcar aulas. E, não é que pegou? Atualmente, essa semana fica sem aulas em muitos colégios e universidades. Já faz parte do calendário escolar.
Mais um filão para o mercado: dia de presentes, precedido de semana de compras; feriado, semana sem aulas, pacotes de viagens, hotéis, turismo, enfim. O capitalismo agradece.
Mas, retorno às crianças. Se o consumidor adulto é, como de fato é, vulnerável e hipossuficiente no mercado de consumo (como diz o CDC), a criança-consumidora é especialmente vulnerável. E, se a consumidor adulto é, geralmente, vítima do fornecedor, a criança-consumidora é não só vítima do fornecedor como também muitas vezes dos pais e demais pessoas próximas.
Os pais (e também os avós e demais parentes) poderiam - ou, melhor, deveriam - aproveitar essas ocasiões artificiais - como a do Dia das Crianças - em que o elemento externo impõe que eles façam compras e deem presentes aos filhos para refletirem sobre como querem que essas crianças não só recebam esses presentes como que valor devam dar a eles.
Claro que uma vez que se está decidido a dar o presente, o primeiro caminho é descobrir o que dar. Tem-se, portanto, que refletir sobre a qualidade do presente. Haverá coisas úteis e porcarias. Coisas indispensáveis e outras desnecessárias. O mercado, como sempre digo, saberá oferecer de tudo. O marketing sedutor e enganador, aliado ao sistema de crédito e parcelamento consegue convencer até quem não pode comprar, a adquirir produtos e se endividar (ou aumentar ainda mais seu endividamento).
Como já afirmei antes, cabe aos pais e somente a eles decidir o que comprar para seus filhos. É preciso explicar aos menores a desnecessidade da aquisição da maior parte das bugigangas que são oferecidas; é salutar que se explique aos filhos o que realmente importa, o que de fato tem valor permanente. Tem-se que mostrar para as crianças, com os próprios exemplos vividos por elas, a inutilidade da maior parte dos produtos existentes.
Veja-se esse exemplo: atualmente, algumas lojas vendem sapatos com salto alto para meninas de seis, cinco anos ou menos. Algo que devia literalmente ser proibido, não só porque faz mal para o corpo (como toda mulher adulta sabe) como porque cria uma imagem adulta na criança, algo ridículo de se ver. Mas, quem compra o tal sapato? É um adulto. Aliás, existe toda uma enorme gama de produtos para meninas muito pequenas em idade, para que elas reproduzam a imagem das mulheres (suas mães ou outras mulheres) o que lhes rouba a já tão curta infância.
Bem, isso em relação à qualidade. Agora, lembro da quantidade. Quantos presentes uma criança deve ganhar de uma só vez?
Como se trata de uma data específica para a criança e essa às vezes tem muitas pessoas à volta para presenteá-la, é comum que ela acabe ganhando muitas coisas. Acontece que, é também comum que as crianças que recebam muitos brinquedos, logo se desinteressem da maior parte deles. A criança que ganha muita coisa numa só ocasião tende a desvalorizar tudo ou escolhe um e abandona o restante.
A data é boa para mostrar a desimportância de ter muitas coisas ao mesmo tempo. A criança precisa aprender a valorizar o que ganha (como o adulto aprende às duras penas).
Isso, da quantidade excessiva, repete-se no Natal e é mais comum ainda na data do aniversário. No Brasil, existe um enorme mercado dos buffets infantis. Os pais gastam uma fortuna (muitos se endividam fortemente!) para montar a festa de aniversário oferecida para muitos "amiguinhos": geralmente, os colegas de classe, mais alguns outros amigos e parentes. No dia da festa a criança aniversariante ganha trinta, quarenta presentes (literalmente). Faz algum sentido?
Se, apesar de tudo, os pais querem mesmo oferecer uma festa num buffet para muitas pessoas, existe uma boa opção, que aos poucos começa a fazer eco e tem sido implementando por alguns pais. Meu amigo Walter Ego é um dos que aderiu. Ele, por exemplo, nos três últimos aniversários de 4 a 7 anos de seu filho adotou esse modelo. Ele escolhe alguma instituição de caridade. Descobre o que eles estão precisando e junto do convite envia o pedido de presente. Diz: "Ao invés de presente, o Waltinho (filho mais novo de meu amigo) quer receber doações que depois irá entregar na...(e coloca o nome da Instituição). Ele ficará feliz com um quilo de arroz, feijão ou açúcar...".
Pois, caro leitor, meu amigo tem ficado muito feliz com o resultado. Os pais dos amiguinhos do Waltinho, sempre doaram muito mais do que ele pediu, pois certamente perceberam que vale a pena que seu filho faça a doação. Depois o W. Ego e o Waltinho levam pessoalmente todos os produtos arrecadados ao local, o que vale como uma muito boa lição (aliás, para todos os envolvidos).
Penso que W. Ego está agindo muito bem. Seu filho recebe de presente de aniversário a lição e também um ou dois presentes, o que é mais que suficiente. (Mas, W. Ego já disse que a partir do aniversário de 8 anos, a comemoração não será feita mais em buffet e sim em casa para a família e amiguinhos de verdade - isto é, cinco ou seis).
P.S.:
Como envolve crianças, eu colo abaixo um vídeo que recebi via email. Chama-se "Chicken-a-la-carte". É um documentário exibido num festival na Alemanha, que mostra uma realidade vivida neste nosso mundo globalizado capitalista, desorganizado, injusto e em que as riquezas são sempre muito mal distribuídas. Assista: é bem curtinho (clique aqui).
E, já que apresentei esse documentário, não posso deixar de indicar também o filme do cineasta brasileiro Jorge Furtado, "Ilha das Flores", um dos melhores filmes brasileiros e que nos faz pensar na condição humana neste mundo incrivelmente desumano. É filme para ver, divulgar e pensar.