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O anonimato para as denúncias aos tribunais de ética e disciplina e o dever de atuação de ofício

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Atualizado em 2 de outubro de 2024 12:09

O anonimado não é bem recebido no ordenamento jurídico brasileiro, conforme faz constar o art. 5º, inciso IV da CF/881.

No sistema OAB não é diferente, pois há expressa previsão legal no código de ética e disciplina que declara não se considerar fonte idônea aquela que consistir em denúncia anônima:

Art. 55. O processo disciplinar instaura-se de ofício ou mediante representação do interessado.

§ 1º A instauração, de ofício, do processo disciplinar dar-se-á em função do conhecimento do fato, quando obtido por meio de fonte idônea ou em virtude de comunicação da autoridade competente.

§ 2º Não se considera fonte idônea a que consistir em denúncia anônima.

Em recente decisão o CFOAB ratificou a dimensão da expressão "fonte idônea" que consta do §2º acima transcrito, declarando que o processo com fundamento em denúncia anônima violaria o direito de defesa, fulminando, assim, a pretensão punitiva administrativa a gerar o arquivamento.

Recurso ao Conselho Federal da OAB. Denúncia anônima. Vedação. Recurso provido. 1) A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso IV, assegura a todos a livre manifestação do pensamento, vedando o anonimato. Referida norma constitucional encontrava-se reproduzida no art. 51 do Código de Ética e Disciplina da OAB anterior, e, atualmente, está regulada pelo artigo 55, § 2º, do Código de Ética e Disciplina da OAB, a qual dispõe que não se constitui em prova idônea aquela que tiver por origem exclusivamente a denúncia anônima. 2) No caso dos autos, o processo disciplinar foi instaurado de ofício, com base em cópias de páginas de site de internet, sem informações a respeito de eventuais diligências realizadas e da origem dos documentos, constituindo-se situação de instauração de processo disciplinar em decorrência de denúncia anônima, restando prejudicado o exercício do contraditório e da ampla defesa. 3) Recurso provido, para determinar o arquivamento do processo disciplinar. (Recurso n. 49.0000.2023.005172-8/SCA-PTU. EMENTA N. 195/2024/SCA-PTU. Relator: Conselheiro Federal Ricardo Souza Pereira (MS). DEOAB, a. 6, n. 1444, 23.09.2024, p. 26).

No mesmo sentido:

Recurso ao Conselho Federal da OAB. Artigo 75, caput, do Estatuto da Advocacia e da OAB. Acórdão unânime do Conselho Seccional da OAB/Minas Gerais. Revisão de processo disciplinar. Art. 73, § 5º, EAOAB c/c art. 68 CED. Denúncia anônima. Vedação. Recurso provido. 1) A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso IV, assegura a todos a livre manifestação do pensamento, vedando o anonimato. Referida norma constitucional encontrava-se reproduzida no artigo 51 do Código de Ética e Disciplina da OAB anterior, e, atualmente, está regulada pelo artigo 55, § 2º, do Código de Ética e Disciplina da OAB, a qual dispõe que não se constitui em prova idônea aquela que tiver por origem exclusivamente a denúncia anônima. 2) No caso dos autos, o processo disciplinar foi instaurado de ofício, por Presidente de Subseção da OAB, ao fundamento de que recebeu diversas denúncias de outros advogados imputando aos advogados ora recorrentes a prática de diversos atos de angariação de causas por meio de publicidade irregular e, embora tenha declinado o Presidente da Subseção que houve a apuração, não constam dos autos documentos ou elementos relativos às diligências eventualmente instauradas, apenas a relação de processos judiciais patrocinados pelos advogados, retirada do site do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, bem como um panfleto apócrifo, sem identificação ou menção aos advogados, não permitindo concluir que fora por eles confeccionado, circunstâncias que ensejariam, na origem, a não instauração de processo disciplinar. 3) Recurso provido, para deferir a revisão do processo disciplinar n. 9117/2014 e ali julgar improcedente a representação, determinando-se o arquivamento dos autos. (Recurso n. 49.0000.2021.010050-1/SCA-STU. EMENTA N. 026/2023/SCA-STU. Relator: Conselheiro Federal Luiz Augusto Reis de Azevedo Coutinho (BA). DEOAB, a. 5, n. 1074, 03.04.2023, p. 18).

De outro lado, a jurisprudência também se coloca favorável ao papel dos tribunais de ética ao atuarem de ofício, com impulsionamento próprio, na forma do quanto prescrevem os art. 70, §1º e 72 do EAOAB:

Art. 70. O poder de punir disciplinarmente os inscritos na OAB compete exclusivamente ao Conselho Seccional em cuja base territorial tenha ocorrido a infração, salvo se a falta for cometida perante o Conselho Federal.

§ 1º Cabe ao Tribunal de Ética e Disciplina, do Conselho Seccional competente, julgar os processos disciplinares, instruídos pelas Subseções ou por relatores do próprio conselho.

 Art. 72. O processo disciplinar instaura-se de ofício ou mediante representação de qualquer autoridade ou pessoa interessada.

Confira-se a posição do Conselho Federal:

Recurso ao Conselho Federal da OAB. Artigo 75, caput, do Estatuto da Advocacia e da OAB. Acórdão unânime do Conselho Seccional da OAB/São Paulo. Composição de órgão julgador recursal. Participação de Conselheiros Seccionais suplentes. Possibilidade. Inexistência de nulidade. Diferentemente deste Conselho Federal da OAB, no âmbito dos Conselhos Seccionais da OAB os Conselheiros Seccionais suplentes, ao tomarem posse, são detentores dos mandatos de Conselheiros Seccionais nas mesmas condições que os titulares. O tema de relevância citado pelos advogados, no julgamento realizado pela Segunda Câmara do Conselho Federal da OAB, não tem a ver com a vedação à convocação de conselheiros suplentes para composição de órgãos julgadores, mas sim que sejam valorados apenas os votos proferidos em processo de exclusão e desfavoráveis ao advogado, circunstância diversa do presente caso. Arguição de nulidade sob a alegação de tratar-se de denúncia anônima. Inexistência. Processo disciplinar instaurado de ofício, devidamente instruído pelo Presidente do TED com página de site comprovando a publicidade irregular. Violação ética de conhecimento público e poder-dever da OAB de apurar a conduta de seus inscritos. Teor das publicações veiculadas que não foram contestadas. Angariação de causas (Art. 34, IV, EAOAB), por meio da rede social facebook. Infração disciplinar configurada. Inobstante qualquer regulamentação específica, o Código de Ética e Disciplina da OAB já assevera que a publicidade profissional do advogado tem caráter meramente informativo e deve primar pela discrição e sobriedade, não podendo configurar captação de clientela ou mercantilização da profissão (art. 39, CED), o que restou constatado nos autos. Recurso não provido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Primeira Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em rejeitar a preliminar arguida e no mérito negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, com os acréscimos do Conselheiro Stalyn Paniago Pereira (MT). Brasília, 27 de fevereiro de 2024. Rafael Braude Canterji , Presidente em exercício. Lara Diaz Leal Gimenes, Relatora ad hoc. (Recurso n. 25.0000.2022.000587-7/SCA-PTU EMENTA N. 027/2024/SCA-PTU. Relator: Conselheiro Federal Márcio Brotto de Barros (ES). DEOAB, a. 6, n. 1315, 20.03.2024, p. 7).

Exsurge, portanto, a óbvia dúvida: quais os limites para atuação de ofício e em que situações estar-se-ia diante de denúncias anônimas, e, portanto, inválidas.

A solução é simples.

Os Tribunais de Ética e Disciplina de todo o país recebem diariamente centenas de denúncias de violações ético disciplinares e têm, como dever, apurar seu conteúdo.

Pois bem, para alguns casos, não há se falar em anonimato, como em representações realizadas por autoridades, representações formalizadas por uma parte etc.

O problema reside sempre nos casos em que o tribunal toma conhecimento de alguma irregularidade e instaura o procedimento preliminar sem a devida investigação, sem os cabíveis registros, configurando, assim, de fato, violações à necessária transparência do processo. É o caso, com recorrência, da publicidade irregular realiza em redes sociais e sites patrocinados, como o google ads.

Nesses casos, a depender da construção do processo, haverá a violação do direito de defesa por via indireta, porque, em verdade, viola-se o contraditório, pois à defesa, em regra, deve-se facultar conhecer seu acusador, até porque muitas vezes a identidade daquele que acusa pode ser fato gerador de teses resistivas.

Isso posto e em resumo, cabe aos tribunais de ética e disciplina, nos processos instaurados de ofício, provocar, antes, a Comissão de Fiscalização da Atividade da Advocacia de suas Seccionais (quando houver) ou setores do próprio tribunal para que registrem as máculas disciplinares de forma correta, assumindo, assim, a legitimidade processual para a representação e afastando o quanto eventualmente tenha sido informado por fonte anônima.

Em outras palavras, a fonte anônima é reconhecida como apta para levar os fatos ao conhecimento do tribunal, todavia, tudo o que informar deverá ser desprezado, utilizado apenas e tão somente como guia para busca, identificação e registro pelo órgão do TED, que, a partir do que apurar, poderá dar início a procedimento de ofício.

*Fale com o advogado e envie suas dúvidas e temas que gostaria de ver por aqui (Clique aqui) ou pelo Instagram @antonioalbertocerqueira

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1 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;