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Efeitos da suspensão do advogado e a prática de crime - Parte II

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Atualizado às 07:14

Após os parâmetros traçados na primeira parte deste escrito, que trouxeram não só visão geral sobre o tema, mas os efeitos da sanção disciplinar de suspensão da carreira do advogado, passa-se agora às consequências daquele profissional que, suspenso pela OAB, continua a advogar, ignorando a sanção que lhe foi imposta.

De início, cumpre declarar que há nova infração disciplinar cometida, haja vista a gravidade do fato, ou seja, após a OAB impor seu poder disciplinar por falta tão grave a ponto de decretar a suspensão, essa sanção é ignorada e o profissional continua a praticar atos privativos à advocacia, à revelia do comando de seu órgão de classe.

No ponto, a jurisprudência do Conselho Federal se formou de forma extremamente branda para tal prática, haja vista que pacificamente entende violado o inciso I do art. 34 da lei federal 8.906/94, ou seja, a mais branda de todas as infrações disciplinares.

Art. 34. Constitui infração disciplinar:

I - exercer a profissão, quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos, proibidos ou impedidos;

O precedente abaixo, de recente data, bem reflete a posição do CFOAB sobre a matéria:

Recurso ao Conselho Federal da OAB. Artigo 75, caput, do Estatuto da Advocacia e da OAB. Decisão definitiva e unânime de Conselho Seccional da OAB. Prescrição. Inocorrência. Exercer a advocacia enquanto suspenso do exercício profissional (art. 34, I, EAOAB). Infração disciplinar configurada. 1) No caso dos autos, não se constata a prescrição arguida pelo advogado, face à ausência de transcurso de lapso temporal superior a 05 (cinco) anos de tramitação do processo disciplinar entre as causas interruptivas do curso da prescrição quinquenal, ou a paralisação do processo disciplinar por mais de 3 anos, pendente de despacho ou julgamento, razão pela qual deve ser rejeitada. 2) Advogado que promove atos privativos da advocacia durante o período em que se encontrava suspenso. 3) Recurso improvido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Segunda Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da OAB, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Brasília, 23 de maio de 2023. Emerson Luis Delgado Gomes, Presidente e Relator. (Recurso n. 25.0000.2022.000126-7/SCA-STU. EMENTA N. 056/2023/SCA-STU. Relator: Conselheiro Federal Emerson Luis Delgado Gomes (RR). DEOAB, a. 5, n. 1116, 05.06.2023, p. 9).

O entendimento coloca-se em posição diametralmente oposta à hermenêutica jurídica, no que toca às interpretações lógica1 e teleológica. A primeira, deseja entender o alcance na norma segundo sua lógica e a segunda sua finalidade social.

É um grande contrassenso punir o advogado que, uma vez suspenso, continua a advogar em desprezo à ordem emanada por seu órgão de classe com uma mácula disciplinar mais amena do que a sanção original. Trata-se de um grave antagonismo que leva a uma quimera jurídica, porque basta que o advogado suspenso deixe de se preocupar com a sanção de suspensão que lhe foi imposta e continue normalmente a exercer sua profissão, pois será punido apenas com a pena de censura. Não faz sentido.

Não se olvida, claro, à redação do art. 37, inciso II do EAOB, que permite a aplicação da suspensão em caso de reincidência em infração disciplinar, todavia, nesse caso, a aplicação da sanção mais severa dependerá de interpretação jurídica do aplicador do direito, que nem sempre é utilizada.

Art. 37. A suspensão é aplicável nos casos de:    

II - reincidência em infração disciplinar.

A título de exemplo, vale a analogia com o Código de Trânsito Brasileiro, cujo art. 263 prevê a cassação da CNH do condutor que dirige seu veículo estando suspensa seu autorização para condução de veículo automotor:

Art. 263. A cassação do documento de habilitação dar-se-á:

I - quando, suspenso o direito de dirigir, o infrator conduzir qualquer veículo;

O mesmo código torna crime tal desobediência:

Art. 307. Violar a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor imposta com fundamento neste Código:

Penas - detenção, de seis meses a um ano e multa, com nova imposição adicional de idêntico prazo de suspensão ou de proibição.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o condenado que deixa de entregar, no prazo estabelecido no § 1º do art. 293, a Permissão para Dirigir ou a Carteira de Habilitação.

Em ambos os casos, como resta claro, há uma valorização das ordens emanadas pelo órgão, de forma a valorizar o órgão, seu poder disciplinar e sua missão institucional, o que é logicamente correto.

É certo que o exegeta se apegará ao princípio da legalidade e à reserva legal para afirmar um aprisionamento interpretativo ao inciso I em comento, todavia, data venia, não é o caso.

Parece mais adequado entender que o impedimento citado pelo inciso I não seria o cumprimento de sanção disciplinar de suspensão, mas aquele previsto no art. 30 da lei 8.906/942, ou seja, o impedimento profissional não comunicado à OAB decorrente do exercício de outra profissão, como a de servidor público.

Ter-se-ia, assim, para os casos de advogados que uma vez suspensos venham a desprezar a sanção disciplinar aplicada pela OAB, a capitulação em artigos previstos para condutas mais graves, sem que isso viesse a ser considerado marginalização da lei para satisfação do caso concreto.3

E isso porque, tipos administrativos com a conduta incompatível do inciso XXV; o de tornar-se inidôneo para o exercício da advocacia do inciso XXVII; ou até a prática de crime infamante do inciso XXVIII, são abertos, exatamente para que em caso de violações gravíssimas à grandeza da advocacia, possa o intérprete aplicar o direito com a correta interpretação da norma. Para além, como se verá à frente, tal prática pode configurar diferentes tipos de crimes.

*Fale com o advogado e envie suas dúvidas e temas que gostaria de ver por aqui. (Clique aqui) ou pelo Instagram @antonioalbertocerqueira

__________

1 FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1980, p. 77-79.

2 Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia: I - os servidores da administração direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora; II - os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis, contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público. Parágrafo único. Não se incluem nas hipóteses do inciso I os docentes dos cursos jurídicos.

3 FRANÇA, R. Limongi. Hermenêutica Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1997, p.14-15