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Efeitos da suspensão do advogado e a prática de crime - Parte I

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Atualizado em 28 de agosto de 2024 13:39

Os muitos anos de prática junto ao Tribunal de Ética e Disciplina ensinam que ainda há uma parcela de advogados que acredita em uma OAB conivente a condutas antiéticas, que seja classista e omissa para proteger infratores, o que é o maior dos enganos.

A OAB sempre foi rigorosa na aplicação do Direito e na manutenção dos elevados valores que norteiam a advocacia, todavia, nos últimos anos, talvez na última década, esse rigor vem aumentando exponencialmente.

Não há razões claras para esse movimento, pode ser, por exemplo, que seja um fenômeno ligado à absoluta e completa distorção do Brasil em relação ao número de advogados por habitante, pois tem-se um advogado para cada grupo de 146 pessoas, somando cerca de 1.300.000 advogados.1 Comparativamente, em 2024 estima-se que a China tenha 1,4 bilhão de pessoas, com cerca de 200.000 advogados. É um fato que esse crescimento causou distorções severas na qualidade da atuação do advogado, o que, incondicionalmente, afeta a população atendida, especialmente em face do valor dos bens jurídicos vinculados ao exercício da profissão, como o patrimônio, a liberdade, a família e outros. Assim, uma possível motivação para esse recrudescimento seja a necessidade da OAB, como nunca foi tão importante, exercer seu papel constitucional previsto no art. 133 da Carta Maior2, o que contemplaria também punir de forma mais rigorosa advogados transgressores das normas regentes da carreira. O que é certo é que os Tribunais de Ética e Disciplina nunca estiveram tão preparados e trabalharam tanto.

Ainda sobre esse ponto, não é sem razão que em 29/10/19 o Conselho Federal fez editar a portaria 1.473/19 para criar a Coordenação Nacional de Fiscalização da Atividade Profissional da Advocacia, ligada à Corregedoria da OAB. Esse novo órgão da OAB gerenciou em todas as Seccionais a criação de Comissões de Fiscalização, cuja missão é diariamente fiscalizar não só a advocacia no mundo dos fatos (delegacias do trabalho, postos no INSS e análogos), mas também a atividade do advogado on line, seja nas redes sociais, em sites institucionais, na criação das chamadas landing pages, assim como, claro, na fase de execução das sanções disciplinares, especialmente a atividade de advogados suspensos.

Pois bem, as sanções disciplinares de suspensão são bastante comuns nos Tribunais de Ética e Disciplina, porque podem ser imputadas em todas as faltas disciplinares, à exceção daquelas punidas com exclusão. Primeiramente, serão cabíveis naquelas previstas no art. 37, inciso I3, todavia, em caso de prévia condenação por falta disciplinar punida com censura, poderá também ser aplicada a suspensão em face da reincidência prevista no inciso II4 do mesmo artigo.

Neste ponto, importante destacar que a reincidência só poderá ser considerada a partir do trânsito em julgado do processo anterior, face à presunção de inocência, e desde que o enquadramento legal tenha sido por infração disciplinar (EAOAB) e não por infração ética (CED). Já diferenciamos os tipos de infrações em escrito anterior.5 Nesse sentido também entendem Beatriz Gaguer e Rafael Júnior Soares.6

Os efeitos da suspensão não despem o profissional de sua condição de advogado, mas suspendem todos os seus direitos referentes ao exercício da advocacia, inclusive e especialmente suas prerrogativas, ou seja, não fica apenas impedido de advogar, mas efetivamente deixa de gozar dos direitos inerentes à profissão, como por exemplo ter a presença de alguém da OAB em caso de sua prisão em flagrante7, conforme incisos IV do art. 7º do EAOAB. Essa é a posição pacífica do Conselho Federal:

VIOLAÇÃO DE PRERROGATIVAS. ADVOGADO SUSPENSO. Os direitos e prerrogativas conferidas aos advogados pressupõem o exercício da profissão, o que não se coaduna com a aplicação de sanção disciplinar, já que, estando suspenso, o advogado está impedido de exercer a profissão, sob pena de incidir em infração (art. 34, I, EAOAB). (RECURSO 49.0000.2015.007964-5/PCA. Ementa 021/2016/PCA. Relator: Conselheiro Federal André Francelino de Moura (TO). DOU, S.1, 04.03.2016, p. 271)

Consulta. Advogado suspenso ou licenciado de seu exercício profissional. Cabimento de assistência em situação de violação às prerrogativas. Consulta. A defesa quanto à violação das prerrogativas profissionais praticada antes da aplicação da penalidade de suspensão ou da determinação do licenciamento, pode ser objeto de defesa e atuação dos órgãos da OAB, sobretudo quando transcenderem o interesse subjetivo do advogado. Aquelas garantias que são ínsitas ao exercício profissional não devem ser objeto de atuação dos órgãos da OAB na hipótese de terem sido violadas durante o prazo da pena aplicada, em razão da suspensão ou diante do licenciamento, por força do parágrafo único do art. 4º e do §1º, art. 37, do Estatuto da Advocacia e da OAB. Consulta respondida. (CONSULTA 49.0000.2020.001819-0/OEP. Ementa 007/2021/OEP. Fábio Jeremias de Souza, Relator. DEOAB, a. 3, 550, 03.03.2021, p. 3).

Conforme o art. 37, §1º do EAOAB8, a suspensão poderá ser aplicada por no mínimo trinta dias até o máximo de doze meses, entretanto, na hipótese de condenação pelo inciso XXI9 do art. 34, a suspensão irá perdurar até que o advogado satisfaça a dívida na forma do §2º.10

Embora o preceito secundário da norma punitiva estabeleça que o pagamento deve ser acrescido de correção monetária, o Conselho Federal já decidiu que também são cabíveis os juros de mora.11

Como se vê, são funestos os efeitos à carreira do advogado a sanção de suspensão aplicada pelos Tribunais de Ética e Disciplina, todavia, nada obstante, vê-se como prática rotineira que o advogado suspenso ignore essa condição e continue, despreocupadamente, a exercer a profissão, peticionando em processos, realizando reuniões, assinando contratos, audiências etc.

Falaremos mais em nosso próximo encontro.

__________

1 Disponível aqui.

2 Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei;

3 I - infrações definidas nos incisos XVII a XXV e XXX do caput do art. 34 desta Lei;

4 II - reincidência em infração disciplinar.

5 Disponível aqui.

6 WINTER, Marilena Indira, Luiz Fernando Casagrande Pereira, Marion Bach. Organizador: Ricardo Miner Narravo. Comentários às Normas da Advocacia: Constituição Federal, Estatuto da Advocacia e OAB: Vol. I. Londrina, PR: Troth, 2023. P. 631;

7 IV - ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB;

8 § 1º A suspensão acarreta ao infrator a interdição do exercício profissional, em todo o território nacional, pelo prazo de trinta dias a doze meses, de acordo com os critérios de individualização previstos neste capítulo.

9 XXI - recusar-se, injustificadamente, a prestar contas ao cliente de quantias recebidas dele ou de terceiros por conta dele;

10 § 2º Nas hipóteses dos incisos XXI e XXIII do art. 34, a suspensão perdura até que satisfaça integralmente a dívida, inclusive com correção monetária.

11 Disponível aqui.