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A vedação da dupla capitulação para a condenação em processo disciplinar na OAB

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Atualizado às 07:01

O drama do sistema OAB para manutenção da qualidade dos julgados disciplinares é de todos conhecido, especialmente no desproporcional duelo entre a multiplicação descontrolada no número de advogados e a falta de recursos disponibilizada aos Tribunais de Ética e Disciplina espalhados pelo Brasil. Literalmente, uma disputa entre Davi e Golias, todavia, nesse caso, Davi não tem a iluminação divina.

Nunca é demais lembrar que os Membros dos Tribunais de Ética e Disciplina são bravos e valorosos advogados e advogadas que optam por trabalhar de forma graciosa para o sistema OAB, sem qualquer incentivo, remuneração e, às vezes, até mesmo reconhecimento.

Exatamente por essa situação, muitas vezes falta ao intérprete da lei em sua nobre e difícil missão de bem aplicar o direito administrativo repressivo a necessária capacitação técnica para cargo de tamanha responsabilidade, o que acarreta algumas distorções em julgamentos, aprimorados, posteriormente, pela via recursal acessada apenas por experientes advogados de defesa especializados no processo disciplinar na OAB. São raros.

Isso posto, é bastante comum condenações tratadas pela jurisprudência como dupla capitulação, que ocorrem quando apenas uma conduta no mundo dos fatos é duplamente punida pelos Tribunais de Ética e Disciplina, que capitulam o ato em duas ou mais hipóteses do CED ou do EAOAB.

Essa interpretação não é válida, por configurar o bis in idem, conforme julgados abaixo:

Recurso ao Conselho Federal. Preliminares. Mérito. Locupletamento, facilitação do exercício profissional a pessoa não inscrita nos quadros da OAB, captação de causas e conduta incompatível com a advocacia. Fatos não negados pelo advogado. Alegação de nulidades processuais ocorridas no curso da instrução, somente arguidas após a condenação pelo Tribunal de Ética e Disciplina. Vedação à utilização dos meios processuais como instrumentos difusores de estratégias, de modo a arguir nulidades processuais somente no momento em que for oportuno à parte. Ausência de qualquer prejuízo à defesa. Pleno exercício do contraditório e ciência dos fatos objeto de apuração, tanto que o advogado informou que houve posterior acordo judicial entre as partes. Dupla capitulação pelos mesmos fatos. Vedação ao bis in idem. Afastamento da condenação por conduta incompatível com o exercício da advocacia, tipificada no artigo 34, XXV, do EAOAB. Consequente redução da pena de suspensão de 12 (doze) para 10 (dez) meses. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Terceira Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por maioria, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto divergente do Conselheiro Federal Silvio Pessoa de Carvalho Júnior (PE). Brasília, 8 de maio de 2017. (RECURSO N. 49.0000.2016.005131-9/SCA-TTU, EMENTA N. 095/2017/SCA-TTU. Relator: Conselheiro Federal José Agenor Dourado (MA). Relator para o acórdão: Conselheiro Federal Silvio Pessoa de Carvalho Júnior (PE). DOU, S.1, 11.05.2017, p.171) 

Capitulação do mesmo fato como dupla infração disciplinar. Arbitrária subsunção punitiva. Desrespeito ao princípio do bis in idem. Impossibilidade. Se a conduta do recorrente vem tipificada como hipótese de angariação de clientela, não se pode identificar tal conduta, concomitantemente, como incompatível com a advocacia, sob pena de arbitrária subsunção punitiva e inaceitável bis in idem. Recurso admitido e provido em parte para restringir a condenação apenas à infração disciplinar prevista no inc. IV, do art. 34, do EAOAB, com aplicação da pena de suspensão de trinta (30) dias, tendo em vista condenação anterior pelo mesmo fato, de acordo com o disposto no art. 37, II do Estatuto. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os Senhores Conselheiros integrantes da 1ª Turma da Segunda Câmara do CFOAB, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator. Brasília, 06 de dezembro de 2010. Gilberto Piselo do Nascimento, Presidente da 1ª Turma da Segunda Câmara. Carmelino de Arruda Rezende, Relator. (RECURSO 2009.08.07008-05/SCA. EMENTA 282/2010/SCA-PTU. Rel.: Conselheiro Federal Carmelino de Arruda Rezende (MS). DJ. 23/12/2010, p. 11) 

Nesses casos, umas das possíveis soluções é a aplicação do princípio da especialidade, via de interpretação gramatical à norma legal, ou seja, compara-se a conduta do mundo real às hipóteses legais cujo enquadramento seja possível, classificando a infração disciplinar na redação normativa que encontrar a mais perfeita tipicidade administrativa, descartando-se a outra.

Também é bastante comum que a dupla condenação advenha da realização de infração ética ou disciplinar que tenha sido um meio para levar o infrator ao cometimento de outra, mais grave.

Exemplo ipsis litteris do que aqui se trata foi objeto de escrito anterior (clique aqui para ler), onde se demonstrou que até mesmo infrações disciplinares mais brandas, como a captação de clientela dos incisos III e IV do artigo 34 da Lei Federal 8.906-94, podem, na verdade, estar a esconder conduta muito mais grave, como a conduta incompatível com a advocacia prevista no inciso XXV, sujeita à suspensão disciplinar e muitas vezes até à suspensão preventiva prevista no artigo 70, §3º do EAOAB.

Em casos análogos, é comum aos Tribunais de Ética a condenação por todos os incisos, ou seja, no caso acima, pelo III, IV e XXV do artigo 34.

Não é essa a solução correta em face do princípio da consunção, também chamado de absorção ou lex consumens derogat legi consumptaetem, que se verifica quando o cometimento de um crime, ou, em caso, de uma infração disciplinar, é estritamente funcional1 para o advogado cometer outra, mais grave, hipótese na qual a última absorve a mais branda.

Analogamente ao direito penal, são as hipóteses dos chamados crimes progressivos, como ensina o mestre Nelson Hungria "Crime progressivo: ocorre quando, da conduta inicial que realiza um tipo de crime, o agente passa a ulterior atividade, realizando outro tipo de crime, de que aquele é etapa necessária ou elemento constitutivo (reconhecida a unidade jurídica, segundo a regra do ubi major, minor cessai). Distingue-se do crime continuado poque o crime anterior (menos grave) insere-se na própria estrutura do crime subsequente (mais grave)"2.

Desta forma, cabe sempre à defesa, e posteriormente ao Julgador, perquirir se há intersecção nas condutas em julgamento, de forma a evitar o bis in idem.

*Fale com o advogado e envie suas dúvidas e temas que gostaria de ver por aqui. (Clique aqui)

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1 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Manuale di diritto penale. 3. ed. Milano: Giuffrè, 2009.

HUNGRIA, Nélson e Heleno Cláudio Fragoso. Comentários ao Código Penal, Volume I, Tomo II. Arts. 11 ao 27. 5ª Ed. Rio de Janeiro, Forense, 1978. p. 47.