A continuidade infracional no processo disciplinar da OAB
quinta-feira, 18 de maio de 2023
Atualizado às 08:17
O sistema punitivo do processo disciplinar da OAB está previsto entre os artigos 35 e 42 da lei Federal 8.906/94. Tem início com a previsão das sanções disciplinares existentes para, a partir desse ponto, estabelecer a forma como deverão ser impostas.
É lá que o legislador ordinário estabelece quando será cabível cada sanção.
A sanção de censura será cabível para as infrações definidas nos incisos I a XVI e no XXIX, assim como para violações ao Código de Ética e Disciplina. Outrossim, essa sanção poderá ser convertida em advertência de ofício reservado.
A suspensão terá lugar para as infrações previstas nos incisos XVII a XXV, assim como para a reincidência em infração disciplinar.
A mais severa das punições, a exclusão caberá quando existirem três suspensões ou para as infrações dos incisos XXVI a XXVIII.
Também nesses artigos situam-se as causas administrativas atenuantes e as agravantes.
Não é só, as regras adjetivas e materiais também estabelecem regras sobre a aplicação da multa, do pedido de reabilitação, do impedimento do exercício profissional e outros.
Outras normas do sistema OAB estabelecem regras adjetivas para o processo, como ocorre com o Código de Ética e Disciplina, com o Regulamento Geral e com os Regimentos Internos de cada Seccional.
Não há, contudo, nada sobre a unificação de processos, sobre eventual concurso material, formal ou sobre a continuidade infracional, todos institutos aplicáveis ao processo disciplinar pelo quanto estabelece o artigo 68 do EAOAB1.
É muito comum na atividade judicante dos Tribunais de Ética e Disciplina o recebimento de representações sequenciais por atos idênticos e/ou análogos, realizados dentro do mesmo contexto fático e espaço de tempo.
Tratar-se-á agora da continuidade delitiva infracional, ou seja, hipóteses em que o advogado comete, por mais de uma vez o mesmo ato, podendo ser os demais considerados uma extensão do primeiro.
Exemplo bastante contemporâneo desse fenômeno deu-se em tempos de COVID-19 no Distrito Federal. A Seccional da OAB/DF celebrou com a SESIPE - Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal acordo de colaboração nominado de parlatório virtual, uma importantíssima ferramenta que passou a permitir que o advogado atendesse seu cliente virtualmente, por uma ligação de vídeo, realizada do interior de seu escritório e/ou de qualquer lugar onde quisesse levar seu computador ou seu celular.
O ato de entrevista entre advogado e cliente, por óbvio, é personalíssimo, sigiloso e reservado, ou seja, naquele ato, só podem estar o advogado e seu cliente, preso.
Ocorre que muitos advogados, por ocasião da aplicação da nova ferramenta, passaram a colocar parentes dos presos em frente à tela no momento das entrevistas, de forma a lhes permitir um mínimo contato com o encarcerado.
Embora fosse ato humanitário, essa conduta violou grosseiramente a portaria que criou o parlatório virtual e o Código de Ética e Disciplina, passando a ser entendida como infração ética, até porque, para ofertar o "benefício" aos parentes, os advogados envolvidos cobravam valores da família, ou seja, estavam a praticar atos de mercancia sobre algo proibido.
Tais fatos deram início à remessa ao TED OAB/DF de dezenas de representações disciplinares.
Pois bem, em um dos casos levados à apreciação do Tribunal, o advogado permitiu que três diferentes pessoas conversassem com o preso na mesma entrevista. Esse fato gerou representação disciplinar enviada pela SESIPE capaz de bem demonstrar a aplicação do instituto ora em comento.
Não há qualquer dúvida da presença de três infrações ético-disciplinares praticadas pelo advogado, uma para cada pessoa que permitiu tivesse contato com o preso, todavia, a discussão é se as sanções disciplinares deveriam ser somadas para aplicação de uma pena mais dura, como ocorre com o concurso material do artigo 69 do Código Penal2.
A resposta é negativa, pois a correta interpretação do direito repressivo no caso concreto desafia o reconhecimento da continuação infracional, pela aplicação analógica do artigo 71 do Código Penal, que trata do crime continuado:
Crime continuado
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.
A grande diferença é que em vez de ter as sanções disciplinares somadas, o representado/condenado as terá reconhecidas, todavia, na fase da dosimetria, o aplicador do direito aplicará apenas uma delas, com o acréscimo de um sexo a dois terços.
Vale atentar que a tese da continuidade delitiva deve sempre que possível encampar as defesas disciplinares quando a representação envolve mais de uma infração disciplinar, todavia, é raríssimo vislumbrar a construção dessa tese em qualquer manifestação, ficando, assim, o representado sempre à mercê do reconhecimento de ofício pelo Tribunal.
*Se tiver dúvidas sobre o processo disciplinar na OAB ou quiser sugerir algum tema fale direto com o advogado.
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1 Art. 68. Salvo disposição em contrário, aplicam-se subsidiariamente ao processo disciplinar as regras da legislação processual penal comum e, aos demais processos, as regras gerais do procedimento administrativo comum e da legislação processual civil, nessa ordem.
2 Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.