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Foi comemorado ontem o centenário de nascimento do mestre Norberto Bobbio

Comemorou-se ontem o centenário de nascimento do mestre Norberto Bobbio. Para homenageá-lo, o advogado José Estevam de Almeida Prado enviou à Redação de Migalhas um artigo que foi publicado na Revista IL PONTE fundada por Pietro Calamandrei e da qual Bobbio foi assíduo colaborador por mais de 50 anos.

19/10/2009


Homenagem

Foi comemorado ontem, 18/10, o centenário de nascimento do mestre Norberto Bobbio

Comemorou-se ontem o centenário de nascimento do mestre Norberto Bobbio. Para homenageá-lo, o advogado José Estevam de Almeida Prado enviou à Redação de Migalhas um artigo que foi publicado na Revista IL PONTE, fundada por Pietro Calamandrei e da qual Bobbio foi assíduo colaborador por mais de 50 anos.

O artigo original tem o título de "Cinquant'anni e non bastano".

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CINQÜENTA ANOS E NÃO BASTAM1

«Il Ponte» a. L, n.1, janeiro 1994

Norberto Bobbio

Caro diretor,

São passados cinqüenta anos da circulação do primeiro número da “Il Ponte”. Um tempo astronômico para a duração média das nossas revistas na atualidade. E o homem com enxada em mangas de camisa está sempre ali, sobre um pontilhão, que é uma tábua colocada provisoriamente entre duas arcadas semi-destruídas. Havia desenhado o próprio Calamandrei para representar a vontade de restabelecer uma linha continua entre o passado e o futuro sobre a poço (voragine) cavado pelo fascismo. Escrevia: “e se a nossa obra, pela sua modéstia, será mais do que tudo de quem trabalha para reconstruir o arco simples de um pontilhão sobre uma torrente, mais do que a que alça de arcadas majestosas de uma ponte monumental sobre um grande rio, não porque será menos cara a nossa tarefa, ela servirá para reabrir um caminho que permita a passagem de qualquer homem para o futuro”.

Mas como? O homem está ainda no mesmo ponto daquela naquela tábua instável (traballante), não passou ainda ao outro lado, a ponte ainda não foi reconstruída e o frágil peso da madeira que havia substituído não foi ainda substituído, as duas arcadas ainda estão em ruínas?

O que aconteceu em todos esses anos está prestes a ser contado pelos historiadores, sobretudo por quem, como eu, esse meio século de eventos tenha vivido com maior ou menor participação segundo as diversas épocas e situações, do princípio ao fim, em primeira pessoa. Estamos muito próximos dos acontecimentos para dar um juízo crível. Estamos contudo com o estado de ânimo de quem pouco a pouco se dá conta de que é chegada a hora de recomeçar. É terminado um ciclo histórico durado meio século, exatamente como havia durado meio século o período transcorrido entre a Unidade e o surgimento do fascismo.

Recomeçar, sim, mas da onde? Então, quando este segundo ciclo havia iniciado após a catástrofe da segunda guerra mundial, aquele passante sabia de onde tinha partido e onde pretendia chegar, ou ao menos cria saber aquele que o havia feito desenhar e os amigos que havia chamado em torno de si para dar vida à revista. Na outra margem, a ser alcançada fatigosamente, havia um mundo de paz, não obstante os vestígios da guerra, onde se esperava que encontraríamos mais liberdade e talvez ainda mais justiça para todos aqueles que durante a sua mísera vida foram obrigados a levantar os olhos para ver de frente os potentes e a abaixá-los quando os potentes se dignavam a olhá-los.

Agora o sabemos um pouco menos. Estamos sempre sobre a mesma ponte, tornada, talvez, com o passar do tempo mais insegura. Não apenas não sabemos se chegaremos de verdade a passar a outra parte. Mas não sabemos tampouco que coisa encontraremos no momento que consigamos atravessá-la.

Sem metáfora, a república, a “nossa república”, terminou mal, mesmo que não na violência da oposta facção, como com freqüência se temia. Terminou na desonra, não frente ao Tribunal da História, como terminam as grandes épocas para o bem ou para o mal, mas, caso sem precedente, creio, frente a um tribunal de homens, em carne e osso, onde juízes e advogados se esgrimam sobre a aplicação deste ou daquele artigo do código penal. Terminou pior do que mesmo os mais severos denegridores jamais previram. E no entanto havia começado com “grandes esperanças”. No momento em que parece que uma segunda república esteja por começar, não muitas são as esperanças que sentimos pairar em nosso entorno. Serpenteiam, antes, temores. Mesmo que infundados.

Não tenho dificuldade em admitir que desde o início a república não havia correspondido as nossas grandiosas expectativas. Não havia passado muito tempo e já Calamandrei havia cunhado a palavra “desistência”. O amigo seu Jemolo, ambicionado colaborador da revista, havia reprovado De Gasperi de “ter apagado a chama ardente”. Mas devemos reconhecer que o nosso país não havia tido longos períodos de paz, em liberdade e em bem-estar. Se degeneração houve, até a situação atual de insuportabilidade, esta ocorreu com movimento sempre mais acelerado nos últimos anos: motus in fine velocior. Entre o ponto de partida, com todos os seus limites, e o ponto em que chegamos, ao menos no que toca a qualidade da classe dirigente, a diferença é bastante visível. Penso em Parri, Einaudi, De Gasperi, Nenni, Togliati, La Malfa, para nomear apenas alguns. Não me parece que entre os entrados em cena hoje para carregar, como se diz com outra imagem, o país de um regime ao outro, nem entre os supérstites dos velhos partidos que procuram se renovar nem entre os novos que estão surgindo, exista algum que possa sustentar o confronto com aqueles que acabamos de citar, com uma certa ênfase celebrativa, os pais da república.

Mas, se chegamos aonde chegamos, tendo dado os primeiros passos guiados por uma classe dirigente digna deste nome, pergunto-me com uma certa apreensão aonde iremos terminar começando o novo caminho de muito mais em baixo. Não da terra, mas exatamente do subsolo, parece-me ter saído o encantador plebeu, acompanhado dos grandes demagogos e dos grandes agitadores em nome, ouçam!, da liberal democracia. A única esperança que resta é que mais em baixo não se possa chegar, e que, uma vez tocado o fundo, e ainda não o tocamos, seja possível sair percorrendo no curso da segunda república o caminho inverso da primeira.

Não me aventuro em previsões. Na minha longa vida assisti a três grandes rupturas: quando era rapaz, ao fim da era giolittiana e do início do fascismo; em idade adulta, à queda do fascismo e à instauração de um governo democrático; agora, entrado na velhice, na idade em que cada dia que passa sempre se tem a impressão de ser dos sobrevividos, ao fim ingloriosa também da primeira república. Prefiro não fazer previsões, mesmo porque não me interesso em conhecer antecipadamente que coisa sucederá para continuar a bater-se pelos velhos, e não envelhecidos, ideais.

Entanto continuaremos a permanecer sobre aquele pontilhão, do qual não nos deixamos abater em todos esses anos, mesmo que não estejamos mais do lado vencedor. E o não saber com segurança que coisa estará do lado de lá, como ao contrário sabíamos então, não é uma boa razão para renunciar a buscar ainda uma vez atingir a margem.

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1 Publicado in Cinquant’anni e non bastano, Ed. Il Ponte, 2005.

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