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Filho do pintor Candido Portinari ganha ação no STJ em primeiro caso de direito de sequência no Brasil

Foi julgado ontem, 2/4, pelo STJ o primeiro caso de direito de sequência no Brasil. A ação, patrocinada pela advogada Maria Edina de O. Carvalho Portinari (Portinari, Tiedemann Barreto & Advogados Associados), foi proposta por João Candido Portinari, filho do pintor Candido Portinari, contra o BB, para cobrança do direito de sequência das obras de seu pai que haviam sido adquiridas pela instituição financeira como doação em pagamento, e em seguida leiloadas por um valor superior.

3/4/2009


Direito de sequência

Filho do pintor Candido Portinari ganha ação no STJ em primeiro caso de direito de sequência no Brasil

Foi julgado ontem, 2/4, pelo STJ, o primeiro caso de direito de sequência no Brasil. A ação, patrocinada pela advogada Maria Edina de O. Carvalho Portinari (Portinari, Tiedemann Barreto & Advogados Associados), foi proposta por João Candido Portinari, filho do pintor Candido Portinari, contra o BB, para cobrança do direito de sequência das obras de seu pai que haviam sido adquiridas pela instituição financeira como pagamento de um empréstimo, e em seguida leiloadas por um valor superior.

O STJ firmou a tese de que o direito de sequência perdura mesmo que a obra tenha sido alienada pela primeira vez após a morte do criador. O entendimento das instâncias inferiores era que a participação existiria aos sucessores apenas quando a venda fosse feita pelo autor. O julgamento envolveu 22 desenhos do artista Candido Portinari vendidos em leilão pelo BB.

A tese foi definida em julgamento pela Quarta Turma. O recurso julgado questionava a decisão do TJ/RJ que negou ao filho do pintor Portinari, João Cândido Portinari, o direito à participação na venda dos desenhos. As obras foram concedidas ao BB para pagamento de um empréstimo no valor de R$ 45 mil. As peças estavam avaliadas em quase R$ 74 mil e foram vendidas por R$ 163,8 mil.

O herdeiro exigiu a porcentagem de 20% sobre o aumento do preço obtido com a venda das obras, conforme estipula a lei 5.988/73, bem como indenização por danos morais e materiais. Mas, segundo o TJ/RJ, o direito de sequência só ocorreria quando parte do criador das obras. "O direito de participação somente tem lugar quando a primeira cessão da obra é efetuada pelo autor e, neste caso, seu exercício se transmite aos herdeiros, que terão o direito de exercê-los em todas as alienações posteriores, enquanto a obra não cair no domínio público. O direito perece, no entanto, se o autor não alienou o original em vida, não se aplicando às alienações posteriores feitas pelos sucessores", decidiu o Tribunal.

O direito de sequência surgiu no final do século XIX na Europa, segundo o relator, Luís Felipe Salomão, com o objetivo de restabelecer o equilíbrio econômico entre os autores e os intermediários que se beneficiavam com as sucessivas vendas dos originais. Foi introduzido no país pela lei 5.988/73, mas existe desde a Convenção de Berna, de 1922. O ministro esclareceu que esse direito não pode se limitar às operações de venda de que a obra for objeto da primeira cessão efetuada pelo autor do original. O artigo 14 define que, em caso de morte, os herdeiros também gozam desse direito.

Para a Quarta Turma, não há obstáculo para que seja reconhecida a participação de 20 % sobre o aumento do preço obtido com a venda, ainda que os desenhos tenham sido alienados pela primeira vez após a morte de Candido Portinari. No entanto não foi concedido ao herdeiro o pedido de indenização por dano moral e material, decorrente de informações incorretas repassadas pelo banco e publicadas em jornal, pois isso envolveria avaliação de matéria probatória, vedado pela Súmula 7 do próprio STJ.

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Candido Portinari


(Autoretrato)

Vim da terra vermelha e do cafezal.
As almas penadas, os brejos e as matas virgens
Acompanham-me como o espantalho,
Que é o meu auto-retrato.
Todas as coisas frágeis e pobres
Se parecem comigo
”.

Portinari nasceu em 30 de dezembro de 1903 numa fazenda de café do interior do Estado de São Paulo. Viveu sua infância na pequena Brodowski, pouco mais do que uma parada para o trem carregar o café, e assim descrita pelo pintor:

"…pequenininha, duzentas casas brancas de um andar, no alto de um morro espiando para todos os lugares… lugar arenoso no meio da terra roxa cafeeira. Imenso céu azul circula o areal. Milhares de brancas nuvens viajam".

Segundo de doze irmãos, Portinari era filho de Dominga e Baptista, italianos que, crianças ainda, emigraram com suas famílias para o Brasil, para trabalhar na lavoura do café. Além de plantar o café, plantaram também o grande pintor brasileiro. Portinari criou-se como outras crianças da roça, ouvindo histórias de lobisomem e almas do outro mundo, saci-pererê e mula-sem-cabeça, de príncipes e princesas, montando cavalo a pêlo, colhendo manga e admirando as meninas do povoado, onde a garotada brincava de carniça e de pegar, acompanhava o circo, as procissões e a banda de música, empinava pipa e jogava futebol.

Observador, o menino Candinho impressionava-se com os pés dos lavradores das fazendas de café:

"Pés disformes. Pés que podem contar uma história. Pés semelhantes aos mapas, com montes e vales, vincos como rios. Quantas vezes, nas festas e bailes, no terreiro, que era oitenta centímetros mais alto do que o chão, os pés ficavam expostos e era divertimento de muitos apagar a brasa do cigarro nas brechas dos calcanhares sem que a pessoa sentisse" - ele relembra num relato autobiográfico escrito poucos anos antes de sua morte.

Relembra também os devaneios de menino criado no campo:

"Eram belas as manhãs frias na época da apanha do café e delicioso o canto dos carros de boi transportando as sacas da colheita. Quantas vezes adormecíamos sobre as sacas. A luz do sol parecia mais forte. Era somente para nós. Ia pela estrada afora o carro vagaroso, cantando. Dormíamos cheios de felicidades. Sonhávamos sempre, dormindo ou não. Nossa imaginação esvoaçava pelo firmamento (...). À noite, deitávamos na grama ao redor da igreja e de barriga para cima ficávamos vendo as estrelas e sonhando; um perguntava ao outro o que desejava ser - as respostas eram ambiciosas: um desejava ser rei, outro general, aquele dono de circo".

Para o menino Candinho, a profissão chegou quase como brincadeira. Primeiro, foi um leão que desenhou na aula. O desenho foi comentado por professores e alunos. Não o deixaram mais em paz: teve que desenhar a capa das provas a serem expostas no final do ano. Tempos depois, vieram de Ribeirão Preto uns pintores para trabalhar na igreja. O menino Portinari os ajudou, enchendo o fundo do altar de estrelas. O que mais gostava era de misturar as tintas. Quando se apresentou a ocasião de partir para o Rio de Janeiro, já estava decidido a pintar. Tinha pouco mais de 15 anos e passou noites sem dormir, ainda indeciso:

"Pena de deixar meus pais e meus irmãos..." Sente saudades antecipadas: "O sol, a lua, as estrelas, as águas do rio, o vento, tudo ficaria lá e eu entraria no escuro".

Daí para a Escola de Belas Artes foi quase um pulo. Depois veio o prêmio de viagem ao exterior, do Salão Nacional de Belas Artes, em 1929, para Paris. Mas lá Portinari pensa em sua terra e sente saudades. Vem-lhe à lembrança Palaninho, um dos mais humildes habitantes de Brodowski:

"(…) bigode empoeirado e ralo e com algumas falhas; e só tem um dente. Usa umas calças brancas feitas de saco de farinha de trigo (…) ainda se nota o carimbo da marca da farinha. Embaixo ele amarra as calças com palha de milho para não apanhar lama - não usa botina nos dias de semana (…). Usa paletó escuro listrado, com uma golinha muito pequena e quatro botões: - três pretos e um branco".

O jovem pintor se espanta:

"Vim conhecer aqui em Paris o Palaninho, depois de ter visto tantos museus e tantos castelos e tanta gente civilizada. Aí no Brasil eu nunca pensei no Palaninho (...). Eu uso sapatos de verniz, calça larga e colarinho baixo e discuto Wilde, mas no fundo ando vestido como o Palaninho e não compreendo Wilde.".

Palaninho foi o começo de uma revelação:

"Daqui fiquei vendo melhor a minha terra - fiquei vendo Brodowski como ela é. Aqui não tenho vontade de fazer nada. Vou pintar o Palaninho, vou pintar aquela gente com aquela roupa e aquela cor ".

Promessa cumprida até o último suspiro, como atesta Jorge Amado:

"Candido Portinari nos engrandeceu com sua obra de pintor. Foi um dos homens mais importantes do nosso tempo, pois de suas mãos nasceram a cor e a poesia, o drama e a esperança de nossa gente. Com seus pincéis, ele tocou fundo em nossa realidade. A terra e o povo brasileiros - camponeses, retirantes, crianças, santos e artistas de circo, os animais e a paisagem - são a matéria com que trabalhou e construiu sua obra imorredoura".

Suas obras

Mais de 95% da obra do maior pintor brasileiro contemporâneo está hoje inacessível ao público, guardada em coleções particulares.

Em quase 5 mil obras, de pequenos esboços a gigantescos murais, Portinari legou ao nosso imaginário uma ampla síntese crítica de todos os aspectos da vida brasileira. Sua obra foi celebrada pelos mais notáveis nomes de sua geração, no Brasil e no exterior, como o exemplificam os testemunhos a seguir :

“Nenhum outro pintor pintou mais um país do que Portinari pintou o seu”, Israel Pedrosa, 1983, em depoimento ao Projeto Portinari.

“Considero Portinari como o maior pintor brasileiro de todos os tempos (…) Creio que nossa arte moderna poderá figurar no quadro da cultura universal ao menos com dois espíritos geniais: Villa-Lobos na música e Portinari na pintura”, Alceu Amoroso Lima.

“Portinari não é só o maior pintor brasileiro de todos os tempos: é o exemplo único em todas as nossas artes da força do povo dominada pela disciplina do artista completo pela ciência e pelo instinto infalível do belo. Diante destes choros, destes cavalos-marinhos, que falam ao mais profundo de minh'alma de brasileiro, me sinto em estado de absoluta inibição crítica. Tudo que posso fazer é admirar”, Manuel Bandeira.

“Considero Portinari um dos maiores pintores do nosso tempo. Sua força é enorme. Na manhã em que vi o conjunto de suas telas, experimentei tal emoção que fiquei possuido de uma verdadeira fadiga nervosa. Nessa tarde não pude trabalhar, achava-me realmente cansado”, René Huyghe, conservador-chefe do Museu do Louvre.

“Nestes dias de desorientação, de funambulismos e de anemia, o exemplo da arte poderosa de Candido Portinari, tão rica de significado, de matéria e de sólida técnica, chega a nós como um bom vento vivificante, a demonstrar-nos que a grande veia latina não se exauriu, mas, ao contrário, enriquecida de novos temas, continua viva, também pelo mérito de um filho de emigrantes que ainda acredita que a pintura seja um ofício sério, árduo e útil aos homens”, Giuseppe E. Luraghi, crítico de arte, escritor e poeta italiano .

O interesse de Portinari como pintor e como itinerário de acesso ao Brasil de sua época não se limita ao legado pictórico. Ele representou, também, um importante pólo de captação e irradiação das principais preocupações estéticas, artísticas, culturais, sociais e políticas de sua geração, como observou o historiador da arte Clarival do Prado Valladares:

“Portinari participou da elite intelectual brasileira, ao lado dos mais consagrados poetas, escritores, arquitetos, educadores, jornalistas e políticos, no período exato em que todos eles provocavam uma notável mudança na atitude estética e na cultura dos grandes centros brasileiros. (…) De nenhum outro artista ou sábio, pintor ou escritor, recebemos um legado de transcendência lírica de nossa história comparável ao dele. E se somarmos os seus grandes murais - A Descoberta da Terra, A Catequese, Os Bandeirantes e a Descoberta do Ouro, em 1941 para a Biblioteca do Congresso de Washington, a várias outras obras como, por exemplo, a Primeira Missa (1943), o estudo para o painel Padre Anchieta (1953-1961), Chegada de D. João VI (1952), Navio Negreiro (1950), Tiradentes (1949), O Descobrimento do Brasil (1954) e mais ainda, aos temas do políptico do Ministério da Educação e Saúde (1936-1944) denominado, na época, Trabalho na Terra Brasileira ou Evolução Econômica, ao famoso Café (1935) e à série Retirantes (1945), então estaremos em face de um acervo de pintura histórica-social de determinado povo e região que se poderá reconhecer como dos mais notáveis da história da pintura”.

E ninguém melhor do que outro de nossos artistas maiores, o poeta Carlos Drummond de Andrade, para avaliar o papel que Portinari desempenhou nessa geração, como observou em carta ao pintor por ocasião do sucesso de sua exposição em Paris, em 1946:

“Foi em você que conseguimos a nossa expressão mais universal, e não apenas pela ressonância, mas pela natureza mesma do seu gênio criador, que, ainda que permanecesse ignorado ou negado, nos salvaria para o futuro”.

Desde 1935, quando recebeu o prêmio Carnegie, nos EUA, Portinari foi o pintor brasileiro a alcançar maior projeção internacional. Seguiram-se os três grandes painéis para a Feira Mundial de Nova York (1939) e a primeira exposição individual no MoMA (1940) dessa cidade, os quatro painéis para a Biblioteca do Congresso (1942), em Washington, a publicação, pela Universidade de Chicago, do primeiro livro sobre sua obra (1941), o impacto da exposição na Galerie Charpentier, em Paris (1946), a exposição itinerante em Israel e, finalmente, os monumentais painéis Guerra e Paz para a sede da ONU, em Nova York (1956).

Em 6 de fevereiro de 1962 morreu Portinari, intoxicado pelas tintas.

“O menino Candido Portinari saiu de minha terra com papel e cores em punho para a imensa aventura de pintar uma pátria. Pintá-la, não: criá-la de uma realidade ignorada, mostrá-la aos quatro cantos do mundo, contorcida, ofegante, opressa, inaugural, como a dizer-lhe:"Somos assim". … Um dia, seremos apenas os farrapos de narrativa de nossa existência. E mãos ávidas, mãos sábias do futuro virão recompor o que fomos, virão surpreender-se de nós. E do pó que seremos, retirarão o que beberam aqueles olhos e o que se escapou por aqueles dedos. E saberão que neste lugar existimos, porque ele inventou a nossa eternidade…”, Guilherme Figueiredo.

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