Planos Econômicos
Advogado responde agravo interposto pelos bancos contra a decisão que negou liminar na ADPF 165 (Planos Econômicos)
Em resposta ao agravo dos bancos, o advogado Luiz Baptista Pereira de Almeida Filho, do escritório Do Val, Pereira de Almeida, Sitzer e Gregolin Advogados, elaborou um trabalho intitulado "Memorial. Amicus Curiae – A bem da verdade".
-
Confira abaixo o memorial na íntegra.
__________
MED. CAUT. EM ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 165-0 D.F.
Relator: MININISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
Argüente: Confederação Nacional do Sistema Financeiro - CONSIFMEMORIAL
Amicus Curiae- A bem da verdade.
(resposta ao agravo regimental dos bancos)“This is the excellent foppery of the world, that, when we are sick in fortune — often the surfeits of our own behavior — we make guilty of our own disasters, the sun, the moon, and the stars.” (King Lear, William Shakespeare.)
ADPF nº 165/09
1.- Se cabe ao Ministro Relator conceder a liminar, a recíproca é verdadeira. Cabe-lhe negar sua concessão. “O uso do cachimbo deixa a boca torta”, dispõe o provérbio. Cacoete ou não, talvez porque os bancos filiados à agravante estejam acostumados a impor sua vontade, subordinam a competência do Ministro Relator ao despacho favorável. Favorável pode, desfavorável não pode. É a hermenêutica da conveniência. Sem embargo de que tal unilateralidade repugna ao direito, agora, com a interposição do Agravo Regimental, o plenário do STF examinará a matéria.
2.- A trocar em miúdos, a pretensão da agravante é compelir o Supremo Tribunal Federal para ratificar a aplicação retroativa das normas relativas aos planos econômicos denominados “bresser”, “verão” e “collor1”. Cada um desses planos, coincidentemente, foi implantado mediante normas publicadas nos dias quinze (15) do respectivo mês em que baixados, excetuado o plano “bresser” surgido num dia 16. Todavia, esses planos foram aplicados com efeitos pretéritos, em relação à quinzena anterior à sua vigência.
3.- Em síntese, a agravante exige a imediata concessão liminar pelo STF, para suspensão de todos os processos em curso nas instâncias inferiores, cujo desfecho seja desfavorável aos bancos filiados. Em outras palavras, a agravante reclama que o Pleno do STF, liminarmente, sacramente a aplicação retroativa das normas que consubstanciam referidos “planos”.
4.- Ora, isso desconsidera que, açodado endosso à retroativa aplicabilidade das normas desses “planos”, abrupte, estará alterando a jurisprudência dominante, cristalizada ao longo dos últimos quinze (15) anos, nos diversos tribunais brasileiros, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça. Agravante, via oblíqua, pretende um alvará para desobrigá-la do pagamento da diferença de correção monetária que foi subtraída dos depositantes em decorrência da aplicação retroativa dos ditos “planos”. Isso de todos os depositantes que postulam judicialmente o ressarcimento das lesões sofridas.
5.- É pacífico em doutrina, inclusive na iterativa jurisprudência do STF, que a correção monetária é mera atualização do valor da moeda. A correção monetária mantém o valor da moeda sem representar nenhum ganho patrimonial para os depositantes das contas de poupança. Assim, a correção monetária apenas recompõe o valor da moeda, corroída pela inflação. Ao contrário, ainda que parcialmente, subtrair qualquer percentual do índice de correção monetária resulta em desfalque patrimonial para os depositantes de poupança. Desfalque patrimonial importa em violação ao direito de propriedade, portanto, infração ao inciso XXII do art. 5º da Constituição Federal. Esse desfalque patrimonial do depositante tem por contrapartida o correspondente enriquecimento ilícito do banco depositário.
6.- Além da violação ao direito de propriedade dos depositantes de poupança que ingressaram em juízo, a obediência à postulação da agravante tornará o STF cúmplice de aplicação retroativa de norma jurídica. Ora, a aplicação retroativa das normas objetos desses “planos” econômicos configura outra infração constitucional, ou seja, ao inciso XXXIV do aludido art. 5º. Com efeito, in casu, essa aplicação retroativa, a um só tempo, viola o direito adquirido dos depositantes, bem como conspurca o ato jurídico perfeito.
7.- Portanto, resulta claro que (i) prestigiar jurisprudência dominante nos tribunais há mais de quinze anos; (ii) preservar o direito de propriedade dos poupadores contra desfalque patrimonial; e (iii) não pactuar com a aplicação retroativa da norma jurídica; são razões suficientes para desaconselhar a concessão da medida liminar.
8.- Com efeito, para responder favoravelmente à pretensão da agravante, o STF precisa fazer tabula rasa da jurisprudência dominante, compactuar com aplicação retroativa da lei e violação do patrimônio dos depositantes que postulam em juízo. Logo, a pretensão da agravante padece de requisito fundamental para obter a liminar: o fumus boni iuris. A ausência desse requisito impossibilita sua concessão.
9.- Por outro lado, não há nenhuma situação de instabilidade jurídica. Como já dito, ao longo de mais de quinze anos firmou-se um entendimento contrário aos bancos que, quando do advento desses “planos” econômicos, foram beneficiários pela aplicação retroativa do critério de cálculo da correção monetária. Veja-se como ocorreu a aplicação retroativa resultante desses “planos”.
10.- Exemplo. Se índice de correção monetária em dado período foi 10; daí, mediante a aplicação retroativa de um índice inferior, por hipótese 8, o que significou? Simples. Nesse caso, o depositante da poupança foi desfalcado em 20% e, em contrapartida o banco obteve um ganho extra de 20%. No sistema bancário aquilo subtraído de um lado é acrescido no outro. Logo, o que se subtrai do depositante acresce ao depositário.
11.- É preciso ter em mira as duas distintas perspectivas. O depositante apurou prejuízo que se projetou no tempo. Contudo, da outra perspectiva, o banco depositário aplicou o dinheiro do poupador. Aplicou-o naquele mesmo período, dessa aplicação obteve lucro. Aliás, muitas vezes aplicou o dinheiro da poupança em títulos do próprio governo federal que rendem muito mais que a poupança, sem custo e sem risco.
12.- Enfim, a custo zero e risco zero, o banco obteve um lucro maior do que a remuneração da poupança. Depois, ao final ainda foi beneficiado com mais outro ganho extra, os tais 20% subtraídos da correção monetária do depositante (conforme exemplo figurado). Registre-se que o depositante da poupança não tem acesso à aplicação em títulos federais.
13.- Os fatos, que se verificaram de maneira semelhante ao acima descrito, revelam que o ressarcimento ao depositante da poupança, pelo banco depositário, não representará nenhum enriquecimento sem causa, antes, equivalerá a repetição de indébito. Nessas condições, é óbvio que não há periculum in mora para os bancos filiados à agravante. Ao contrário, o deferimento da liminar prestigiaria a procrastinação de pagamento pelo devedor relapso.
14.- Presunção à parte, os bancos e seus titulares não constituem uma casta social superior que pairam acima da ordem jurídica, agraciados com privilégios e prerrogativas cuja observância e reservas sujeitam a todos, inclusive o STF. Por isso, alusão aos seus lucros não é defesa nem impertinente2. Afinal, esses lucros também significaram contrapartida de desfalque patrimonial do depositante de conta de poupança. E mais, cabe aqui repelir alegação falsa, utilizada como argumento de terror.
15º)- De fato, alegar que o sistema bancário perderá a “quantia estimada, mediante um cálculo perfunctório, em R$ 170 BILHÕES”3, é falso como a virtude de Messalina ou da Dama de Escarlate. Aliás, em matéria de cupidez a pecúnia, os bancos têm muitas afinidades com essas senhoras de muito bem fazer a quem lhos pagar. É teratológico que a agravante se valha desse tipo terrorismo. Alegações falsas e levianas formuladas perante a Suprema Corte. É inaceitável desrespeito ao Poder Judiciário.
16.- Aliás, de onde forjaram esse número? Terrorismo! Registre-se que ressarcimento mais expressivo é relativo ao “plano verão”. Ora, se todos os poupadores lesados por esse plano tivessem recorrido ao Poder Judiciário, o que não ocorreu, o valor envolvido seria inferior a R$ 29 bilhões4. Sabe-se que os poupadores que postulam em juízo representam menos de 10% do total. Portanto, o montante a ser restituído pelos bancos por conta desse plano sequer alcançará a cifra de R$3 bilhões.
17.- Por último, a quantia a ser eventualmente restituída pelos bancos foi objeto de provisão. Isso está confessado pelos próprios bancos nos respectivos sítios eletrônicos. O que significa essa provisão? Significa que, contabilmente e para efeito fiscal, os bancos já lançaram as indenizações como se fossem prejuízos. São ligeiros. Anteciparam-se na dedução das “supostas perdas” em detrimento do lucro tributável. Em síntese, os bancos ganharão em qualquer hipótese: sucesso ou insucesso desta ADPF nº 165/2009. Em caso de insucesso já foram beneficiados com a redução do lucro tributável pela dedutibilidade das provisões. Todavia, se obtiverem êxito, os bancos ‘constrangidos’ serão obrigados a ajustarem a maior seu lucro tributável e, então, pagar um pouco mais de imposto de renda. Enfim, as duas hipóteses contemplam ganho financeiro.
SP 28.III.2009
LUIZ BAPTISTA PEREIRA de ALMEIDA Filho
OAB (SP) nº 41.295
______________
1 O “plano Collor” a rigor não deve representar nenhum ônus para os bancos. Editado em 15/03/1990, mas seus efeitos não implicam na aplicação retroativa da lei, contra os depositantes de poupança. O eventual desfalque patrimonial sofrido pelos depositantes ocorreu somente a partir de 1º de abril de 1990, quando o saldo das contas foi transferido para o Banco Central. Ora, a partir desta data, a legitimidade passiva é daquela autarquia federal, consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Aliás, essa jurisprudência surgiu depois de um “congresso” organizado por um dos signatários da petição inicial desta ADPF nº 165/09, em conjunto com o irmão de um então ministro do STJ, sob o patrocínio dos bancos, em de Angra dos Reis (RJ), no início dos anos 90.
2 Diferentemente do que sugere a agravante com sua vã ironia, na verdade tosco chiste, nos países civilizados do hemisfério norte, por exemplo, sob o regime do Common Law, o patrimônio do defendant é levado em conta para fixação da fiança, bem como na fixação do punitive damage. Aliás, considerando-se os ilustres signatários da inicial, no mínimo é suspeito, eles afirmarem algo que conflita com o seu notório saber.
3 Cf. item 24 da petição de Agravo Regimental.
4 Esse número tem sido mencionado pela imprensa e, ao que tudo indica, com base em informações oficiosas vazadas por bancários do sistema financeiro brasileiro/agravante. Cf. tb.“Os novos sofistas e o STF”, in Folha de S. Paulo, 17.III.2009, pág. 3.
_______________
_______________