Migalhas Quentes

Proposta para a construção de uma justiça constitucional democrática

O querido migalheiro Alfredo Attié, Doutor em Filosofia da USP e magistrado em São Paulo, elaborou um interessante projeto da cidadania para a invenção e a construção democráticas da justiça constitucional, para pensar, realizar, difundir e fiscalizar a Jurisdição Constitucional.

26/1/2009


Democracia


Proposta para a construção de uma justiça constitucional democrática

O querido migalheiro Alfredo Attié, Doutor em Filosofia da USP e magistrado em São Paulo, elaborou um interessante projeto da cidadania para a invenção e a construção democráticas da justiça constitucional, para pensar, realizar, difundir e fiscalizar a Jurisdição Constitucional.

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Cidadania e justiça constitucional democrática 1/8

Pensar, realizar, difundir e fiscalizar
a Jurisdição Constitucional
projeto da cidadania para
a invenção e a construção democráticas
da justiça constitucional

“Nós, o povo...” 1
“... os governos são constituídos para assegurar
direitos inalienáveis, como a vida, a liberdade e a
busca da felicidade, e detêm poderes legítimos
apenas pelo consentimento do povo” 2

Jurisdição Constitucional (JC)

Constituição

Se o povo possui - de fato e não apenas de direito - uma Constituição significa que, em determinado momento de sua história, tomou a decisão de assumir a responsabilidade de decidir e controlar seu próprio destino.
A Constituição, assim, descreverá a organização política

desejada pelo povo, chamado constituinte, dispondo de determinadas formas ou categorias, instituições ou órgãos, funções ou poderes, atividades ou atos.

Em outras palavras, o povo atribuirá a pessoas, no exercício de cargos, poderes para realizar atos. Essa atribuição é uma delegação, que estabelece um liame de representação e autoridade, limitado por um rol de direitos-deveres, chamados de garantias fundamentais.

Linguagem

A Constituição é, então, o instrumento que veicula a decisão do povo de dispor de sua capacidade política.

É um documento escrito em linguagem diversa da linguagem jurídica, estrita, técnica. Uma linguagem o quanto possível mais próxima da compreensão e da dimensão do povo que a redige, por meio de representantes que elege.

Para manejar as atribuições que recebem, por tempo limitado (república), do povo, os poderes constituídos e as pessoas que os exercem (de modo temporário e com necessária alternância) passam a interpretar e a aplicar a Constituição.

Interpretação

A interpretação e aplicação da Constituição têm uma característica importante: se há conflitos no interior do povo que delega os poderes - o que é absolutamente natural e mesmo desejável, em uma sociedade democrática, de intensa diversidade – espera-se que tais conflitos se perpetuem e se renovem na atividade de interpretar e aplicar a Constituição.

Conflitos

A Constituição é interpretada e aplicada cotidianamente, mesmo que as pessoas, em geral, não se dêem conta disso. De fato, o que fazemos ou deixamos de fazer, no dia-a-dia, depende integralmente da ordem jurídica, inaugurada pela Constituição, que nos concede espaços de atuação e nos impede o acesso a outros espaços. A isto chamamos nossos direitos, como por exemplo, a liberdade e a propriedade.

O modo de solucionar os conflitos na interpretação e aplicação da Constituição é a jurisdição constitucional.

Jurisdição

Jurisdição é a capacidade de dizer o direito, a partir de um processo determinado por regras, cujos princípios são decorrentes do regime da democracia: isonomia (igualdade de poderes) e isegoria (igual direito de usar a palavra).

Princípios

Há isonomia, quando todos têm acesso igual não apenas ao processo adequado e célere, mas a uma decisão efetiva do conflito, tomada segundo a ordem jurídica democrática (o chamado Estado Democrático de Direito).

Há isegoria, quando todos têm o direito de expressar seus direitos, suas opiniões e aspirações, podendo utilizar de todos os meios lícitos para concretizá-los.

A Constituição e a ordem jurídica que dela decorre, muito embora imparciais por definição, não são estáticas, mas dinâmicas.

Seu dinamismo decorre do fato de o povo admitir que a democracia seja seu regime de convivência.

Democracia

A democracia é uma construção constante, um evolver permanente de aspirações, desejos, reivindicações. A democracia não é apenas o regime que guarnece direitos e garantias existentes, reconhecidos e mantidos por deveres.

Direitos Reconhecidos e Imaginados

A democracia é, por excelência, o regime da invenção de direitos. A democracia abriga direitos que ainda não existem, mas que são diariamente imaginados e buscados por todos, sobretudo por aqueles que não estão e não se sentem ainda plenamente acolhidos na ordem jurídica vigente. Direitos e garantias reconhecidos e imaginados são defendidos pela Constituição.

Direitos de todos os povos

Direitos não apenas do povo que tomou para si a responsabilidade de decidir seu destino próprio. Direitos e garantias de todos os povos, que se comunicam de modo pacífico e entrecruzam seus destinos, por meio de pactos internacionais, por meio de instituições internacionais que buscam garantir tais pactos.

Justiça, Constituição e Destino Comum dos Cidadãos

Pois bem, a jurisdição pode dizer respeito indiretamente à Constituição: decisão de conflitos individuais, intersubjetivos, que requerem uma decisão de atribuir bens materiais e morais. Esta jurisdição está apenas em aparência desligada da Constituição, pois é, na verdade, a Constituição que lhe dá vida e fundamentação.

A jurisdição, então, por definição, diz respeito diretamente à Constituição, muito embora haja especialmente casos nos quais o que está em jogo são conflitos trans-individuais, coletivos, sociais, de ordem pública, cuja decisão demanda uma reflexão séria sobre o destino comum dos cidadãos.

Quando isto ocorre – e isto se dá todos os dias e a todo instante, sobretudo num País de carências e desigualdades – estamos diante da típica jurisdição constitucional.

A Jurisdição Constitucional (JC) é o modo de resolver conflitos que transcendem os interesses individuais, demandando a interpretação direta e a aplicação de normas constitucionais.

Importância da JC

A jurisdição constitucional é um dos modos, talvez o mais importante, de dar vida à Constituição. Fazer da Constituição não apenas um documento da história, mas um projeto, no reconhecimento de direitos e na criação de novos direitos e dos deveres que lhes são correlatos.

Tornar efetiva a Constituição

A Constituição, com efeito, só tem vida e só permanece se constantemente transforma-se, reconfigura-se para admitir novos direitos, novas interpretações criativas, sempre no sentido de ampliar os direitos e resguardar seu reconhecimento e sua efetivação.

Se a Constituição decorre da decisão do povo, também sua transformação constante deve resultar da atuação do povo, exigência de sua legitimidade.

Ora, a Jurisdição Constitucional é exercida por vários órgãos, especialmente pelos juízes e tribunais, sobretudo pelo Tribunal Constitucional, quando o país possui um.

Legitimidade do poder judicial

A Jurisdição Constitucional exercida por tais órgãos necessita ser legítima: decorrer da manifestação de vontade do povo, ser exercida em seu nome, com sua participação e controle.

A democracia foi com felicidade definida como o governo do povo, pelo povo e para o povo. Em nosso País, declaramos a mesma coisa, afirmando que todo poder emana do povo e em seu nome é exercido, indiretamente, por meio de representantes eleitos, ou diretamente, pelo próprio povo.

O estado do problema

Em razão do recente foco da sociedade e da mídia na atividade de juízes, tribunais e notadamente sobre a atividade do Supremo Tribunal Federal (STF);

Pensar

Em razão dos recentes debates a propósito das decisões do STF, das opiniões e das atividades de seus membros;

Em razão das recentes discussões entre os Poderes (Judiciário, Legislativo e Executivo) e entre órgãos desses Poderes, interna (STF e Justiça Federal e Ministério Público) e externamente (STF e Polícia Federal e Agência Brasileira de Inteligência);

Difundir

É oportuno perguntar a propósito de nossa Jurisdição Constitucional:

- Temos uma Jurisdição Constitucional digna desse nome, à altura de sua missão?

- Temos uma Corte Constitucional?

- Temos magistrados (ministros, desembargadores, juízes) e tribunais plenamente cônscios de seu dever de realizar a ordem democrática?

- Podemos afirmar que tudo aquilo que se disse aqui e se

reafirma dia após dia, na vivência da democracia, cumpre-se na

Jurisdição Constitucional?

- Podemos afirmar que haja, de fato e de direito, efetiva participação e controle populares na constituição e no exercício da Jurisdição Constitucional?

- É a Jurisdição Constitucional, em nosso País, democrática?

- Faz-se a interpretação e a aplicação da Constituição de modo a permitir a compreensão do povo que a constitui e que se lhe sujeita?

- Ou será que, ao contrário, comprometendo os direitos e

garantias democráticos, nossa Jurisdição Constitucional tornou-se assunto de especialistas, o exercício de poucos, e um modo de manter a ordem jurídica afastada de seu povo constituinte, como maneira de o status quo manter-se, não ser devidamente questionado, posto em xeque?

- Podemos dizer que a Jurisdição Constitucional realiza-se por meio de decisões claras, em linguagem que permita a compreensão de seu significado, alcance e finalidade pela população?

- Em que aspectos nossa Jurisdição Constitucional necessita de aperfeiçoamento?

Fiscalizar

- Em que aspectos nossa Jurisdição Constitucional necessita de mudança?

- É possível e desejável solucionar os problemas de nossa Justiça Constitucional?

- Podemos construir uma Justiça Constitucional apta à consecução da democracia que desejamos?

- Podemos construir uma Justiça Constitucional que garanta direitos, reconhecidos e imaginados, num processo de aperfeiçoamento constante de nossa democracia?

Proposta

A presente proposta, dirigida à sociedade e aos poderes constituídos, visa a discutir a constituição e o exercício da Jurisdição Constitucional, permitir a participação do povo e o controle democrático sobre a Jurisdição Constitucional, permitindo, a partir de um acompanhamento sério e democrático, sua crítica e aperfeiçoamento, quiçá sua transformação, para refletir e fazer vivificar e enriquecer a própria democracia, garantindo o modo que escolhemos, a cada dia, para conviver.

Podemos acreditar em nossa capacidade de aperfeiçoamento e mudança constantes.

1. Constituir um grupo de trabalho para pensar e propor mecanismos de acompanhamento, controle e participação popular na Jurisdição Constitucional;

2. Pensar e propor institutos, a partir da interpretação das categorias constitucionais, para possibilitar o exercício da cidadania, na participação e controle da Jurisdição Constitucional;

3. Organizar um simpósio para obter a contribuição da sociedade civil, também de juristas, para o fortalecimento da participação e controle pela cidadania da Jurisdição Constitucional e proporcionar o debate democrático;

4. Realizar projeto de um grupo trans-disciplinar permanente de pesquisas, para o acompanhamento permanente do exercício da Jurisdição Constitucional, sua fiscalização e a formulação de propostas de aperfeiçoamento, mudança e debates;

5. Realizar encontros periódicos para a discussão dos trabalhos desenvolvidos, avaliação e encaminhamento de propostas;

6. Editar revista anual e boletim mensal para veicular notícias, críticas, propostas e debates sobre Jurisdição Constitucional, inclusive com a comparação séria com a experiência internacional;

7. Criar um espaço virtual para a recepção de propostas, críticas e manifestação permanente da sociedade civil;

8. Realizar a democracia por meio da construção e do aperfeiçoamento da legitimidade da Jurisdição Constitucional;

9. Construir um espaço de formação da cidadania e de excelência no conhecimento e na invenção de meios de aprimoramento da convivência democrática, pelo livre exercício do saber e da crítica.

1111 “We, the people”

2222 “… unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness. — That to secure these rights, Governments are instituted among Men, deriving their just powers from the consent of the governed”

Alfredo Attié Jr
Doutor em Filosofia da USP e magistrado em São Paulo

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