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Depósitos judiciais - íntegra do Voto Divergente e do Voto Relator da sessão do CNJ

Em plenário na sessão do dia 4/11, o CNJ, decidiu que os bancos privados não poderão administrar depósitos judiciais. Esta decisão anulou os convênios realizados entre o Bradesco e os TJs do RJ e de MG. Confira os votos.

6/11/2008


Depósitos judiciais

Foi decidido na última sessão plenária do CNJ, no dia 4/11, que os depósitos judiciais não podem ser administrados por bancos privados. A decisão anulou os convênios realizados entre o Bradesco e os TJs do RJ e de MG.

Os tribunais deverão abrir novas licitações, na modalidade de concorrência, com a participação apenas de bancos oficiais. Por 9 votos a 4, o CNJ julgou procedente o pedido feito pelo BB que questionou a legalidade dos convênios realizados pelos TJs do RJ e de MG, alegando desobediência ao que estabelece o CPC, em que apenas instituições públicas podem administrar os depósitos judiciais

Hoje, Migalhas traz aos leitores a íntegra do Voto Divergente e do Voto Relator.

CLASSE : PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO

PROCESSO N.º : 2008.10.00.000211-7

REQUERENTE : BANCO DO BRASIL S.A.

INTERESSADO : BANCO BRADESCO S.A.

INTERESSADA : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

REQUERIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ASSUNTO : DESCONSTITUIÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO

RELATOR : CONSELHEIRO ALTINO PEDROZO DOS SANTOS

EMENTA: DEPÓSITOS JUDICIAIS. CONTAS. ADMINISTRAÇÃO. OBRIGATORIEDADE DE LICITAÇÃO. PREFERÊNCIA LEGAL DAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS OFICIAIS.
I - A administração de contas de depósitos judiciais constitui prestação de serviços por instituição financeira e a sua concessão pelo Poder Judiciário há de ser precedida de licitação, diante do disposto no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, e na Lei n.º 8.666/1993.
II – Nos termos do artigo 666, inciso I, do Código de Processo Civil e leis correlatas, os depósitos judiciais devem, preferencialmente, como regra, ser realizados em estabelecimento de crédito oficial, admitindo-se que o sejam em estabelecimento de crédito privado apenas na hipótese de inexistência daquele na localidade da sede do órgão do Poder Judiciário.
3 – Procedimento de Controle Administrativo de que se conhece e que se julga procedente.

I – RELATÓRIO

O Banco do Brasil S.A. requereu a instauração de procedimento de controle administrativo com pedido de concessão de liminar em face do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiros, pretendendo seja declarada a nulidade de convênio firmado com o Banco Bradesco S.A. para a administração de depósitos judiciais no âmbito daquele Estado e determinada a realização de novo certame.

Informou que, por meio do Ofício n.º PRES n.º 426/2007, de 17 de dezembro de 2006, foi convidado pelo requerido para participar de certame deflagrado pelo Processo Administrativo n.º 299.208/2007, aberto com o objetivo de “escolher a ‘proposta mais vantajosa para a execução do plano de trabalho referente ao recebimento, ao repasse, à administração e ao pagamento dos depósitos judiciais, exceto os de natureza tributária, em todos os Juízos de Direito do Tribunal’, visando à celebração de convênio posterior” (fls. 4/5 do REQ2).

Tendo o Banco Bradesco S.A. sido declarado vencedor na audiência pública realizada no dia 28 de dezembro de 2007 interpôs, em 02 de janeiro do corrente ano, recurso administrativo para o requerido postulando, com base nas disposições do parágrafo 2.º do artigo 109 da Lei n.º 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), que o convênio não fosse celebrado com o Banco Bradesco S.A. até o seu julgamento, ocorrido em 18 e 28 de janeiro, em cujas oportunidades o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro não conheceu do recurso e indeferiu o pedido de reconsideração.

Sustentou que o procedimento está maculado por vicio insanável a indicar nulidade em sua essência, porque inadequado para o fim de escolha de instituição financeira para a administração de depósitos judiciais e, também, porque não observadas as regras estabelecidas pela Constituição Federal e pela Lei n.º 8.666/1993, que impõem à Administração Pública a realização de licitação para hipóteses como a dos autos.

Apontou que o ordenamento jurídico pátrio estabelece que a administração de depósitos judiciais deve ser realizada por instituições financeiras oficiais, exceto na hipótese de inexistência na localidade da sede do órgão do Poder Judiciário, o que não é o caso dos autos. No seu modo de ver, instituições financeiras privadas, a exemplo do Banco Bradesco S.A., não poderiam ter participado do certame.

Socorreu-se, por fim, de decisão proferida pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal no julgamento da medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3.578-MC/DF, ocasião em que se determinou a suspensão da eficácia do artigo 29 da Medida Provisória n.º 2.192-70/2001, que previa a possibilidade de depósitos judiciais permanecerem em instituições financeiras oficiais submetidas à privatização, bem como de decisão deste Conselho no Procedimento de Controle Administrativo n.º 515, quando se adotou o entendimento de que os bens depositados em juízo devem permanecer preferencialmente sob a guarda de instituições financeiras oficiais.

Com base nesses argumentos, e invocando os comandos inscritos nos artigos 666, inciso I, do Código de Processo Civil, 109, parágrafo 2.º, e 116 da Lei n.º 8.666/1993, e 5.º, inciso II, e 37, caput, da Constituição Federal e a Resolução n.º 3.247/2004 do Banco Central do Brasil, formulou o seguinte pedido:

“(...)

c) ao final, seja julgado o presente procedimento de controle administrativo para declarar nulo o certame realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro por meio do Convite Ofício PRES n.º 426/2007, e para que assim seja conduzido pelo Tribunal de Justiça um novo e adequado procedimento licitatório, entre instituições financeiras oficiais, nos limites do artigo 666 do Código de Processo Civil.” (fls. 12/13 do REQ2).

Posteriormente, protocolizou petição noticiando que, em acordo formalizado anteriormente com o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por meio do Termo de Convênio n.º 3/026/2008, de 11 de janeiro de 2008, ficou pactuado que, na hipótese de qualquer óbice de natureza legal, administrativa ou judicial para o prosseguimento do convênio com o Banco Bradesco S.A., deveria ser preservado o atual sistema de gestão dos depósitos judiciais.

Aduziu, ainda, que, não obstante o termo do convênio e a ciência, por parte do requerido, da instauração do presente procedimento de controle administrativo, este lhe encaminhou o oficio n.º PRES/DEPRE 266/2008, de 12 de fevereiro de 2008, nos seguintes termos:

Tendo em vista não haver impedimento legal, administrativo ou judicial, e dando seqüência à implementação do termo de convênio firmado com o Banco Bradesco no certame que este venceu em 28.12.2007, além de não existir efeito suspensivo em qualquer medida interposta pelo Banco do Brasil DETERMINO que, em 48 horas a contar da sua intimação, seja informado o saldo das contas de depósitos judiciais ativas que atualmente estão sob a administração desse banco, por meio digital, em CD, DVD, por transmissão via FTP, em planilha eletrônica (extensão XLS – Microsoft Excel) ou arquivo de texto ascii em formato CSV padrão, tudo atualizado até 31.01.2008, constando as colunas abaixo: (...).” (fl. 3 do REQAVU10).

Pleiteou, diante desses fatos, fosse atribuído ao presente procedimento o imediato efeito suspensivo, com respaldo nos artigos 45 e 95 e seguintes do Regimento Interno, interpretados à luz do disposto no parágrafo 2º do artigo 109 da Lei n.º 8.666/1993, determinando-se, por conseguinte, a suspensão do processo de contratação do Banco Bradesco S.A. e de eventual transferência de depósitos judiciais, permanecendo como responsável pela administração de tais depósitos até o pronunciamento final deste Conselho Nacional de Justiça.

Examinando o pedido de concessão de liminar proferi a seguinte decisão, in verbis:

Conforme assinalou o requerente, o Plenário deste Conselho, na 54ª Sessão Ordinária, realizada no dia 18 de dezembro de 2007, ao julgar o Procedimento de Controle Administrativo n.º 515, acompanhou, à unanimidade, o voto do eminente relator, Conselheiro Técio Lins e Silva, no sentido que “se respeite a opção adotada pelo legislador pátrio no que concerne à ordem de primazia na escolha das instituições bancárias responsáveis pelos depósitos judiciais”, determinando “ao Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso a adoção das providências necessárias para que o seu ‘Sistema Financeiro de ‘CONTA ÚNICA DE DEPÓSITO SOB AVISO À DISPOSIÇÃO DA JUSTIÇA’ se adeqüe ao disposto no art. 666 do Código de Processo Civil, passando, dessa forma, a ser executado em parceria com a instituição financeira de natureza pública ‘que melhor lhe aprouver, desde que desta escolha não resulte prejuízos para o depositante, para o depositário ou para o erário’.” [destaques no voto original]
Da mesma forma, o Plenário do Conselho, na 56ª Sessão Ordinária realizada no dia 12, próximo passado, ratificou, à unanimidade, decisão liminar por mim proferida no Procedimento de Controle Administrativo nº 2008.10.00.002488, fundada no precedente revelado no citado Procedimento de Controle Administrativo n.º 515, para o efeito de suspender a execução do convênio firmado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais com o Banco Bradesco S.A, bem como a transferência para este dos depósitos judiciais sob a responsabilidade do requerente, mantendo-o como responsável pelo recebimento e administração de tais depósitos, até o pronunciamento final deste Conselho Nacional de Justiça.
Ante o exposto, atendidos os limites da cognição sumária própria da espécie ora examinada, e com apoio no artigo 45, inciso XI, do Regimento Interno, concedo a liminar pleiteada para: a) suspender o processo de contratação do Banco Bradesco S.A., bem como a ordem constante do Ofício n.º PRES/DEPRE n.º 266, de 12.02.2008, e, b) determinar que o requerente permaneça responsável pelo recebimento e administração de tais depósitos, até o pronunciamento final deste Conselho Nacional de Justiça. (DEC 15).

Dessa decisão, o Banco Bradesco S.A. e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro interpuseram recursos administrativos, cujo julgamento ficou prejudicado em decorrência de o Plenário ter referendado a decisão acima transcrita na 57.ª Sessão Ordinária, de 27 de fevereiro do corrente ano.

O excelentíssimo Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em suas informações, a par de confirmar os fatos narrados pelo requerente, esclareceu que o procedimento adotado, conquanto prescinda de licitação, por se tratar de convênio, observou as regras da Lei n.º 8.666/1993.

Alegou que o pacto a ser firmado com a instituição financeira vencedora, no caso em questão, e a exemplo do que ocorre com o Banco do Brasil S.A., que até o momento administra os depósitos judiciais, não se trata de contrato – hipótese em que há o pagamento de remuneração pelo serviço prestado –, mas de convênio, porque o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro não arcará com nenhuma despesa ao conceder a administração dos depósitos, bem como porque a instituição financeira responsável por esses depósitos terá qualidade de auxiliar do juízo, segundo preconiza o artigo 139 do Código de Processo Civil.

Argumentou que a alegação de que estabelecimentos de crédito privados não podem participar do processo seletivo não procede porque a nova redação do caput do artigo 666 do Código de Processo Civil, conferida pela Lei n.º 11.382/2006, autoriza a conclusão de que a regra apenas faculta o depósito de bens penhorados em instituição oficial, “permitindo-se inferir que a decisão sobre quem ficará na posse do bem penhorado fica adstrita ao prudente arbítrio do Poder Judiciário” (fl. 11 do REQAVU29).

Informou, por derradeiro, que a diferença entre as propostas oferecidas pelo Banco Bradesco S.A., vencedor do processo seletivo, e o Banco do Brasil S.A., atual administrador dos depósitos judiciais, é de tal monta que a prevalecer a deste haveria enorme prejuízo para o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que superaria R$ 247.000.000,00 (duzentos e quarenta e sete milhões de Reais).

Por essas razões, postula seja julgado improcedente o pedido formulado pelo Banco do Brasil S.A.

Publicado edital para a manifestação de interessados, a Caixa Econômica Federal apresentou petição defendendo a tese de que o procedimento adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro fere o disposto nos artigos 164, parágrafo 3.º, da Constituição Federal, 666, inciso I, do Código de Processo Civil e 43 da Lei Complementar n.º 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), uma vez que depósitos judiciais não podem ser realizados em instituições bancárias privadas.

Finalizou pugnando pela declaração de nulidade parcial do procedimento em questão para que sejam excluídas as instituições privadas da seleção e adjudicado o objeto do certame a ela, Caixa Econômica Federal, que apresentou a melhor proposta em relação ao requerente.

O Banco Bradesco S.A., por sua vez, também como interessado, asseverou, em resumo, que, com exceção das hipóteses previstas no artigo 164, parágrafo 3.º, da Constituição Federal e na Lei n.º 9.703/1998, que disciplina o depósito de valores referentes a tributos federais, não há nenhuma outra regra constitucional ou legal que confira a estabelecimentos de créditos oficiais o privilégio exclusivo de firmar convênios com Tribunais para a administração de depósitos judiciais. Tratando-se de recursos privados, é livre a escolha da instituição financeira que irá administrá-los, em respeito à liberdade econômica e à igualdade de tratamento preconizadas na Constituição Federal.

Seguindo em seu raciocínio, alegou que a tarefa de administração de depósitos judiciais não configura prestação de serviços por parte da instituição financeira em relação ao Tribunal, de modo que o pacto a ser firmado com o órgão do Poder Judiciário prescinde de licitação, sendo correto o procedimento adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que, utilizando-se de convênio, adjudicou-lhe o objeto do processo seletivo.

É, em síntese, o relatório.

II – FUNDAMENTOS DO VOTO

ADMISSIBILIDADE

Atendidos os requisitos previstos no artigo 95 e seguintes do Regimento Interno, conheço do pedido.

MÉRITO

Não se inserindo entre as atividades do Poder Judiciário a administração de depósitos judiciais – captação, atualização, remuneração e liberação –, tal tarefa é atribuída a um terceiro que realize esse serviço, hipótese em que se enquadram instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

A atividade realizada por essas instituições, consistente na administração de contas de depósitos judiciais, configura-se como típica prestação de serviço uma vez que se trata de trabalho especializado desenvolvido por terceiro para a satisfação de uma necessidade de interesse do Poder Judiciário. Esse serviço é prestado diretamente ao órgão do Poder Judiciário, e não a um particular, porque compete àquele, na condição de guardião, decidir sobre a destinação dos valores depositados. Portanto, é equivocado afirmar que o serviço envolve diretamente as partes do processo judicial, porque estas não podem dispor livremente dos valores depositados.

Tratando-se, pois, de prestação de serviços, a concessão da administração de depósitos judiciais deve ser precedida de licitação, diante do que imperativamente dispõe o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, e nos termos da Lei n.º 8.666/1993, que regulamenta a matéria. Com efeito, a administração pública tem o dever de obediência ao princípio da legalidade (CF, art. 37, caput) e, ademais, tal procedimento visa a “garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”, conforme preconiza o artigo 3.º da Lei n.º 8.666/1993.

A propósito, o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, tem a seguinte redação:

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

O artigo 2.º da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, por sua vez, encontra-se assim redigido:

Art. 2º. As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.

Nem se alegue que a concessão da administração de depósitos judiciais prescinde de licitação porque o artigo 6.º da Lei n.º 8.666/1993 não prevê tal tarefa como serviço, para os efeitos dessa lei, porque o rol apresentado nesse dispositivo legal é meramente exemplificativo. Logo, configurando-se a administração de depósitos judiciais típica prestação de serviços a autorização para tanto deve ser precedida de licitação.

De outra parte, é descabido o argumento de que o ajuste entre o órgão do Poder Judiciário e a instituição financeira para a administração dos depósitos judiciais tem a característica de convênio e que, portanto, não necessitaria de observância aos artigos 37, inciso XXI, e 2.º da Lei n.º 8.666/1993. Para a doutrina, convênio é uma espécie do gênero contrato – entre órgãos ou entidades da administração pública ou entre estas e um particular –, em que as partes têm interesses e finalidades comuns, ao passo que no contrato stricto sensu os interesses são opostos.

Penso que o interesse do Poder Judiciário é diverso do interesse daquele que administra os depósitos judiciais. O órgão do Poder Judiciário, na condição de integrante da administração pública, persegue sempre o interesse público, que, por meio dos depósitos judiciais, se materializa na busca da “efetivação da tutela jurisdicional, a fim de que o processo realize a função social de proporcionar, tanto quanto possível, tudo o que a parte espera conseguir pela realização do direito” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual. 2.ª ed., São Paulo: Saraiva. p. 21). A seu turno, a instituição financeira busca, ainda que empresa pública ou sociedade de economia mista, como parte integrante do mercado econômico, a obtenção do lucro que ocorre com a aplicação ou o empréstimo dos valores depositados.

Sendo assim, o simples fato de o ajuste ocorrer entre órgão do Poder Judiciário e instituição financeira autoriza a conclusão de que se trata efetivamente de contrato em sentido estrito, devendo, por essa razão, observância à regra do inciso XXI do artigo 37 da Constituição da República e à Lei n.º 8.666/1993, que impõem a licitação como meio para a sua efetivação.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello “só podem ser firmados convênios com entidades privadas se estas forem pessoas sem fins lucrativos. Com efeito, se a contraparte tivesse objetivos lucrativos, sua presença na relação jurídica não teria as mesmas finalidades do sujeito público. Pelo contrário, seriam conhecidos objetos contrapostos, pois, independentemente da caracterização de seus fins sociais, seu objeto no vínculo seria a obtenção de um pagamento.(Curso de Direito Administrativo, 23.ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 645).

Também não é outro o entendimento de Jessé Torres Pereira Júnior quando, em comentário ao artigo 116 da Lei n.º 8.666/1993, pondera que No mais das vezes, propõe-se no convênio que um ente público repasse recursos financeiros para que outro ente, entidade vinculada ou empresa privada realize projeto de interesse público de competência comum ou concorrente, a nenhum deles movendo o fim lucro, figura de todo estranha ao convênio.” (Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. 7.ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 1.015).

Ainda que o órgão do Poder Judiciário não efetue qualquer pagamento à instituição pela administração dos depósitos judiciais, esse aspecto, por si só, não descaracteriza a natureza de contrato da relação estabelecida porque estão presentes todos os demais elementos do mencionado pacto – formalidade, bilateralidade, comutatividade e realização intuitu personae -. A presença da onerosidade não constitui regra para a caracterização dos contratos em geral, haja vista, por exemplo, o contrato de concessão de serviço público – típico contrato administrativo. Nessa espécie de contrato, assim como no do caso em exame, a administração pública não realiza nenhum pagamento para a prestação do serviço de seu interesse, porque a remuneração do prestador é paga diretamente por terceiro; todavia, trata-se, inquestionavelmente, de contrato em sentido estrito.

Conquanto a Lei n.º 8.666/1993 não preveja expressamente a hipótese de licitação para a concessão da administração de depósitos judiciais, não pode o órgão do Poder Judiciário esquivar-se da aplicação dessa lei e, principalmente, da Constituição Federal com base em tal argumento, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.

Poder-se-ia aventar, ainda, a hipótese de dispensada de licitação com amparo no artigo 24, inciso VIII, da Lei de Licitações e Contatos Administrativos, de seguinte teor:

Art. 24. É dispensável a licitação:

(...)

VIII – para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado.

Entretanto, essa hipótese é reservada à contratação entre órgãos ou entidades da administração pública que detenham personalidade jurídica de direito público, às quais pode ser concedido o privilégio de contratação direta, com dispensa de licitação. Considerando-se que as instituições bancárias, mesmo as integrantes da administração pública indireta, como as empresas públicas e as sociedades de economia mista, têm personalidade jurídica de direito privado, a elas não poderia ser concedido o benefício da dispensa do procedimento licitatório, por vedação legal. É esse o entendimento de Marçal Justen Filho sobre o tema, que peço vênia para transcrever:

Tem de reputar-se que a regra do inc. VIII apenas pode referir-se a contratações entre a Administração direta e entidades a ela vinculadas, prestadoras de serviço público (o que abrange tanto as prestadoras de serviço público propriamente ditas como as que dão suporte à Administração Pública).

A regra não dá guarida a contratações da Administração Pública com entidades administrativas que desempenhem atividade econômica em sentido estrito. Se o inc. VIII pretendesse autorizar a contratação direta no âmbito de atividades econômicas, estaria caracterizada inconstitucionalidade. É que as entidades exercentes de atividade econômica estão subordinadas ao disposto no art. 173, § 1º, da CF/88. Daí decorre a submissão ao mesmo regime reservado para os particulares. Não é permitido qualquer privilégio nas contratações dessas entidades. Logo, não poderiam ter a garantia de contratar direta e preferencialmente com as pessoas de direito público. Isso seria assegurar-lhes regime incompatível com o princípio da isonomia.” (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 8.ª ed. São Paulo: Dialética, 2000, p. 249).

Sendo necessária, portanto, a realização de licitação para a situação descrita nos autos, porque não se enquadra nas hipóteses de dispensa ou inexigibilidade desse procedimento (artigos 17, 24 e 25 da Lei n.º 8.666/1993), cabe perscrutar qual seria a modalidade a ser escolhida para a sua consecução.

O Relatório de Economia Bancária e Crédito de 2006, publicado pelo Banco Central do Brasil em seu site informa que o spread bancário geral, que corresponde à diferença entre o custo de captação de recursos e o ganho em função do empréstimo desses recursos, ou seja, a remuneração auferida pela instituição bancária pela administração do dinheiro, embora em pequeno decréscimo desde o ano 2004, alcançou 27,2 % no ano de 2006 ((Disponível em <_https3a_ spread="" www.bcb.gov.br="">. Acessado em 6 maio 2008 - fl. 8 do relatório).

Por sua vez, matéria publicada na Folha Online, em 29 de abril do corrente ano, menciona que o spread bancário calculado até aquela data chegou a 25,1 % ao ano. (Cucolo, Eduardo. Juros e spread bancário voltam a cair em abril, diz Banco Central. Disponível em <_https3a_ ult91u396822.shtml="" dinheiro="" folha="" www1.folha.uol.com.br="">. Acessado em 6 de maio de 2008).

O spread bancário, no caso em questão, é a remuneração a ser auferida pela instituição financeira pela administração dos depósitos judiciais.

Assim sendo, considerando que, no caso, o percentual mencionado irá incidir sobre o montante atualizado dos depósitos judiciais do Estado do Rio de Janeiro, que de acordo com as informações do Tribunal de Justiça daquele Estado (fl. 22 do REQAVU33), é de R$ 5.300.000.000,00 (cinco bilhões e trezentos milhões de reais) até o presente momento, a estimativa é de que a remuneração da instituição bancária que administrará os depósitos ultrapasse R$ 1.300.000.000,00 (um bilhão e quatrocentos milhões de reais) durante o período do contrato a ser firmado (24 meses).

Portanto, não só pelo fato de se tratar de prestação de serviços, mas levando em conta também a dimensão dos valores que estão em jogo, concluo que a modalidade de licitação a ser empregada é a concorrência, por força do que dispõe o artigo 23, inciso II, alínea “c”, da Lei n.º 8.666/1993.

Ainda que assim não fosse, em decorrência de a lei não prever expressamente a hipótese em exame deve ser utilizada a concorrência, porque essa modalidade de licitação emprega-se em qualquer caso, de acordo com o que dispõe o artigo 23, parágrafo 4.º, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Decorre, daí, a exigência de publicação de edital com antecedência mínima de trinta dias para ciência de eventuais interessados, nos termos do artigo 21, parágrafo 2º, inciso II, alínea “a”, da Lei n.º 8.666/1993.

No caso em exame, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, além formular convite por simples ofício o fez com antecedência de cinco dias, que é o prazo previsto para essa modalidade (art. 21 e § 2.º, inc. IV, da Lei n.º 8.666/1993), que não se aplica em nenhuma modalidade de licitação.

No que diz respeito à participação de instituições financeiras privadas no certame, julgo indispensável analisar o disposto no artigo 666, caput, com a alteração conferida pela Lei n.º 11.382, de 6 de dezembro de 2006, e inciso I, do Código de Processo Civil. Esses dispositivos legais têm a seguinte redação:

Art. 666. Os bens penhorados serão preferencialmente depositados:
I - no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, ou em um banco, de que o Estado-Membro da União possua mais de metade do capital social integralizado; ou, em falta de tais estabelecimentos de crédito, ou agências suas no lugar, em qualquer estabelecimento de crédito, designado pelo juiz, as quantias em dinheiro, as pedras e os metais preciosos, bem como os papéis de crédito;”

A intenção do legislador quando da criação dessas regras foi a de determinar que os bens penhorados, entre os quais se incluem modalidades de depósitos judiciais (v.g. penhora em dinheiro realizada por meio do sistema Bacen-Jud), sejam preferencialmente depositados em estabelecimento de crédito oficial, ou seja, aquele em que a administração pública tem participação no capital social. Apenas na hipótese não haver tal instituição na localidade de sede do órgão do Poder Judiciário é que o Juiz poderá autorizar o depósito em estabelecimento de crédito particular. Em resumo, a regra é a de que os depósitos sejam realizados em instituições financeiras oficiais, sendo exceção a escolha do Juiz por qualquer outro estabelecimento de crédito, e, ainda assim, apenas na falta daquelas.
Não foi por outro motivo que o Senado Federal rejeitou a proposta de Emenda n.º 6 ao Projeto de Lei da Câmara n.º 51/2006, que propunha a alteração do inciso I do artigo 666 do Código de Processo Civil para permitir que os bens penhorados fossem depositados em qualquer instituição financeira, pública ou privada, integrante do Sistema Financeiro Nacional. O referido projeto gerou a Lei n.º 11.382/2006 que, em razão do não-acolhimento da proposta, apenas modificou o caput do artigo 666. A justificativa de não-acolhimento da proposta de Emenda n.º 6 está assim fundamentada:

Acontece que o depositário, nesses casos, exerce inegavelmente uma função pública, uma vez que substitui o próprio Estado, ao qual caberia, em tese, a guarda de bens penhorados. Por essa razão, somos da opinião de que, nesse particular, deve ser mantido o texto vigente do Código de Processo Civil, que dá primazia aos bancos oficiais para, só na falta desses, ser realizado o depósito em outro estabelecimento de crédito escolhido pelo juiz.” (Diário do Senado Federal de 29 de novembro de 2006, p. 35.939).

Demais disso, a intenção do legislador, não apenas em relação aos bens penhorados, mas também no que concerne a todos os recursos da administração pública ou que estejam em seu poder, entre os quais se enquadram os depósitos judiciais, é a de centralização em estabelecimentos de crédito oficiais. Reforça essa tese o disposto nos seguintes preceitos legais:

a) artigo 164, parágrafo 3.º, da Constituição Federal:

As disponibilidades de caixa da União serão depositadas no banco central; as dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas, em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei.”;

b) artigo 475-Q, parágrafo 1.º, do Código de Processo Civil:

Art. 475-Q. Quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, o juiz, quanto a esta parte, poderá ordenar ao devedor constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão.
§ 1o Este capital, representado por imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável e impenhorável enquanto durar a obrigação do devedor.”;

c) artigo 32, incisos I e II, da Lei n.º 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal):

Art. 32 - Os depósitos judiciais em dinheiro serão obrigatoriamente feitos:
I - na Caixa Econômica Federal, de acordo com o Decreto-lei nº 1.737, de 20 de dezembro de 1979, quando relacionados com a execução fiscal proposta pela União ou suas autarquias;
II - na Caixa Econômica ou no banco oficial da unidade federativa ou, à sua falta, na Caixa Econômica Federal, quando relacionados com execução fiscal proposta pelo Estado, Distrito Federal, Municípios e suas autarquias.”;

d) artigo 116, parágrafo 4.º, da Lei n.º 8.666/1993:

Os saldos de convênio, enquanto não utilizados, serão obrigatoriamente aplicados em cadernetas de poupança de instituição financeira oficial se a previsão de seu uso for igual ou superior a um mês, ou em fundo de aplicação financeira de curto prazo ou operação de mercado aberto lastreada em títulos da dívida pública, quando a utilização dos mesmos verificar-se em prazos menores que um mês.”;

e) artigo 1.º da Lei n.º 9.703/1998, que dispõe sobre os depósitos judiciais e extrajudiciais de tributos e contribuições federais:

Os depósitos judiciais e extrajudiciais, em dinheiro, de valores referentes a tributos e contribuições federais, inclusive seus acessórios, administrados pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, serão efetuados na Caixa Econômica Federal, mediante Documento de Arrecadação de Receitas Federais - DARF, específico para essa finalidade.”;

f) artigo 1.º da Lei n.º 10.819/2003, que dispõe sobre os depósitos judiciais de tributos, no âmbito dos Municípios, e dá outras providências:

Os depósitos judiciais, em dinheiro, referentes a tributos e seus acessórios, de competência dos Municípios, inclusive os inscritos em dívida ativa, serão efetuados, a partir da data da publicação desta Lei, em instituição financeira oficial da União ou do Estado a que pertença o Município, mediante a utilização de instrumento que identifique sua natureza tributária.”

g) artigo 1.º da Lei n.º 11.429/2006, que dispõe sobre os depósitos judiciais de tributos, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, e dá outras providências:

Os depósitos judiciais em dinheiro referentes a tributos e seus acessórios, de competência dos Estados e do Distrito Federal, inclusive os inscritos em dívida ativa, serão efetuados em instituição financeira oficial da União ou do Estado, mediante a utilização de instrumento que identifique sua natureza tributária.”;

Sublinhe-se, quanto ao tema, a posição firmada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal no julgamento da medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3.578-MC/DF, relator o eminente Ministro Sepúlveda Pertence, em que foi determinada a suspensão da eficácia do artigo 29 da Medida Provisória n.º 2.192-70/2001, que previa a possibilidade de depósitos judiciais permanecerem em instituições financeiras oficiais submetidas à privatização. A ementa, na parte que interessa ao caso em exame, está assim sintetizada:

“EMENTA: I. (...) III. Desestatização: manutenção na instituição financeira privatizada das disponibilidades de caixa da administração pública do Estado que detinha o seu controle acionário (MPr 2.192-70/01, art. 4º, § 1º), assim como dos depósitos judiciais (MPr 2.192-70/01, art. 29): autorização genérica, cuja constitucionalidade - não obstante emanada de diploma legislativo federal - é objeto de questionamento de densa plausibilidade, à vista do princípio da moralidade - como aventado em precedentes do Tribunal (ADIn 2.600-MC e ADIn 2.661-MC) - e do próprio art. 164, § 3º, da Constituição - que não permitiria à lei, ainda que federal, abrir exceção tão ampla à regra geral, que é a de depósitos da disponibilidade de caixa da Administração Pública em instituições financeiras oficiais; aparente violação, por fim, da exigência constitucional de licitação (CF, art. 37, XXI); ocorrência do periculum in mora: deferimento da medida cautelar para suspender ex nunc a eficácia dos arts. 4º, § 1º, e 29 e parágrafo único do ato normativo questionado (MPr 2.192/70/01).” (Julgamento: 14.09.2005 - DJU 24.02.2006, p. 00006 - Realcei).

Merecem destaque, ainda, os seguintes argumentos do Excelentíssimo Ministro Marco Aurélio durante a sessão de julgamento:

“(...) O que temos, em última análise, é a autorização para que pessoas jurídicas de direito público – os Estados, os Municípios – mantenham depósitos bancários em instituição privatizada, potencializando-se – como se a norma do artigo 164, § 3. º, da Constituição Federal fosse simplesmente dispositiva e não imperativa – a manifestação da vontade dos Estados e Municípios.

A meu ver, quando se placita o dispositivo e se admite que, por vontade da pessoa jurídica de direito público, os depósitos possam permanecer em instituição privada, está-se a contrariar, a mais não poder, o § 3.º aludido, que preconiza que as disponibilidades devem ser mantidas em banco oficial.”).

Essa mesma linha de raciocínio já levara o Banco Central do Brasil a editar a Circular n.º 3.247/2004 que, em seu artigo 1.º, parágrafo único, assim dispõe:

Na forma de legislação em vigor, as instituições financeiras oficiais submetidas a processo de privatização não podem acolher depósitos judiciais a partir da conclusão do processo de privatização, exceto na falta de estabelecimento de crédito oficial, ou agências suas no lugar, mediante ordem judicial expressa. (art. 666, inciso I, do Código de Processo Civil).”.

Cite-se, ainda, o entendimento exarado por este Conselho Nacional de Justiça, no Procedimento de Controle Administrativo n.º 515, de relatoria do eminente Conselheiro Técio Lins e Silva, cuja ementa é a seguinte:

REGULARIDADE DE CONVÊNIO FIRMADO ENTRE TRIBUNAL DE JUSTIÇA E INSTITUIÇÃO BANCÁRIA PRIVADA PARA IMPLEMENTAÇÃO DE SISTEMA DE COTA ÚNICA DE DEPÓSITO SOB AVISO À DISPOSIÇÃO DA JUSTIÇA – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DAS ALTERNATIVAS CONTIDAS NO ART. 666 DO CPC – PRIMAZIA DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS PÚBLICAS – OPÇÃO DO LEGISLADOR – PROCEDIMENTO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO PARA DETERMINAR QUE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MATO GROSSO ADEQUE O SEU SISTEMA DE CONTA ÚNICA AO DISPOSTO NO ART. 666 DO CPC, PASSANDO A EXECUTÁ-LO EM PARCERIA COM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE NATUREZA PÚBLICA.” (j. 54.ª Sessão Ordinária de 18.12.2007, p. DJU de 8.1.2008).

É oportuno realçar que a tese não questiona a condição financeira das instituições bancárias privadas, pois apenas visa a garantir que valores depositados em juízo, independentemente de oscilações econômicas, seguramente estejam disponíveis ao Poder Judiciário e seus jurisdicionados quando preciso, atendendo, desse modo, o interesse público perseguido, que se constitui na efetivação da tutela jurisdicional e na função social do processo judicial. Por essas razões, não há falar em menoscabo à liberdade econômica, à livre concorrência e ao princípio da isonomia, tampouco em privilégio especial às instituições financeiras oficiais.

Diversamente ocorre quando a hipótese é de depósito de salários de servidores, que se trata de despesa liquidada e se destina a um particular. Essa verba, por se tratar de pagamento, não se encontra mais em poder da administração e, portanto, não há óbice a que o depósito seja realizado em instituição financeira particular. Aliás, nesse sentido o Supremo Tribunal Federal já decidiu várias vezes, com destaque para trecho do voto do ilustre Ministro Carlos Velloso no julgamento do Agravo Regimental interposto na Reclamação n.º 3.872-6, cujo teor é o seguinte:

“’O Supremo Tribunal Federal tem decidido, reiteradamente, que as disponibilidades de caixa dos Estados-membros serão depositadas em instituições financeiras oficiais, ressalvadas as hipóteses previstas em lei ordinária de feição nacional (CF, art. 164, § 3.º). Assim decidiu o Supremo, por exemplo, nas ADIs 2.661-MC/MA, Ministro Celso Mello, Plenário, 05.6.2005; 2.600-MC/ES, Ministra Ellen Gracie, Plenário, 24.4.2002; 3.578-MC/DF, Ministro Sepúlveda Pertence, Plenário, 14.9.2005, Informativo n.º 401.

Aqui, entretanto, o caso é outro: trata-se de ‘depósito líquido da folha de pagamento em Banco particular, sem custo para o Município, eis que tal crédito fica disponibilizado aos servidores, não ao Município’. É o que consta do acórdão recorrido, fl. 324, da lavra do eminente Desembargador Orlando Carvalho.

(...)

Deste modo, os pagamentos realizados aos servidores municipais não são disponibilidades de caixa, pois tais recursos, uma vez postos à disposição dos servidores, têm caráter de despesa liquidada, pagamento feito, não estando disponíveis ao Município, pessoa jurídica de direito público interno, mas estão disponíveis aos servidores, credores particulares.” (Plenário, j. 14.12.2005, DJU 12.5.2006).

Também não vejo como acolher a tese de que a não-adjudicação dos depósitos judiciais ao Banco Bradesco S.A. trará prejuízos ou perda de receita para Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. De acordo com as informações e documentos nos autos (fl. 7 do REQAVU33 e fl. 6 do DOCSETDIG5), a remuneração a ser auferida em decorrência da concessão da administração dos depósitos judiciais resulta da incidência do percentual oferecido pela instituição bancária sobre o saldo médio dos valores depositados nos anos de 2008 e 2009. Isso equivale, no presente caso, considerando a menor proposta apresentada no processo seletivo realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a R$ 306.240.000,00 (trezentos e seis milhões e duzentos e quarenta mil reais) durante todo o período do contrato para a administração dos depósitos.

Esses expressivos valores que, em última análise, seriam os recebidos pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, conferem receita suficiente para os cofres daquele órgão do Poder Judiciário, de modo que a intenção de auferir maior ganho em prol do interesse particular do Tribunal, a par de desrespeitar frontalmente o princípio da legalidade, caracteriza indiscutível desvio de finalidade da administração pública, que é perseguição do interesse público.

Não prospera, também, o argumento de que a não-adjudicação dos depósitos judiciais ao Banco Bradesco S.A. nega observância ao princípio constitucional da eficiência porque impede o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro de adotar a proposta mais vantajosa. Esse argumento somente seria válido se, na hipótese de o ordenamento jurídico não prever, como regra, a obrigatoriedade de preferência da utilização de estabelecimento de crédito oficiais para os depósitos judiciais, os valores depositados fossem do próprio Tribunal, ou seja, dinheiro público, o que não é o caso, haja vista que os depósitos em questão, embora estejam sob a guarda de órgão do Poder Judiciário, a ele não pertencem. Como antes sustentado, a administração pública não se pode invocar “lucro” em detrimento dos princípios que a regem.

Por todas essas razões, tendo o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro incluído instituições financeiras privadas no processo seletivo para a concessão da administração dos depósitos judiciais daquele Estado e, ainda, não realizado procedimento licitatório para tanto, entendo que o ato ofendeu diretamente os princípios norteadores da administração pública elencados no artigo 37 da Constituição Federal, em especial o da legalidade, devendo, pois, ser declarado nulo em sua totalidade.

III – CONCLUSÃO

Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do presente procedimento de controle administrativo e, no mérito, julgo procedente o pedido para: a) declarar a nulidade total do processo seletivo realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e do convênio formado com o Banco Bradesco S.A.; b) determinar seja realizada licitação, na modalidade de concorrência, apenas com estabelecimentos de crédito oficiais, para a concessão da administração dos depósitos judiciais, tudo nos termos da fundamentação.

Intimem-se.

Brasília, 4 de novembro de 2008.

ALTINO PEDROZO DOS SANTOS
Relator

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