Falecimento
Faleceu Esther de Figueiredo Ferraz
O velório acontece hoje, 24/9, desde às 8h30, na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, e o enterro às 16h, no Cemitério do Araçá.
História
Bacharel em Direito, com vários méritos, pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e licenciada em Filosofia pela Faculdade de Filosofia de São Bento, anexa à Universidade de Louvain, na Bélgica.
Registrada no Ministério da Educação e Cultura como professora secundária de Português, Francês, Latim e Matemática, lecionou em várias escolas de primeiro e segundo grau, tornando-se, em 1961, professora de Direito Judiciário Penal da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie.
Exerceu cargos Técnicos e de Administração na área educacional do Estado de São Paulo e do Governo Federal.
Fez parte de vários Congressos nacionais e internacionais, integrando, em 1955, a Comissão Oficial de Reorganização Penitenciária do Estado de São Paulo.
Foi membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, de 1963 a 1964, e integrou o Conselho Federal de Educação de 1969 a 1982.
Em 1966/1967 ocupou, no Governo do Marechal Castelo Branco, o cargo de Diretora do Ensino Superior do Ministério da Educação e Cultura.
Foi Secretária da Educação de São Paulo, de 1971 a 1973, no Governo Laudo Natel. De 1982 a 1985 foi Ministra da Educação e Cultura no governo do General João Baptista Figueiredo.
No ministério, ela regulamentou a emenda que estabeleceu percentuais mínimos obrigatórios para a aplicação na educação dos recursos arrecadados com impostos. Além disso, Esther promoveu uma reforma universitária, que aperfeiçoou os planos de carreira de professores. Defendeu ainda a criação das escolas técnicas federais.
Escreveu vários livros, como : "Os Delitos Qualificados pelo Resultado"; "A Co-delinqüência no Direito Penal Brasileiro"; "O Perdão Judicial"; "O Menor e os Direitos Humanos"; "Prostituição e Criminalidade Feminina"; "Alternativas da Educação"; "Caminhos Percorridos"; "A Filosofia de João Mendes Júnior"; "Mulheres Freqüentemente"; "Falas de Ontem e de Hoje".
Pertencia à "Academia Brasileira de Educação", à "Associação Brasileira de Educação", à "Academia Paulista de Letras", à "Academia Paulista de Educação" e ao "Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo". Desde 1949 era membro do Instituto dos Advogados de São Paulo.
Entrevista
Veja abaixo entrevista com Esther de Figueiredo Ferraz publicada em 2001 no Jornal do Advogado.
"É preciso arregaçar as mangas"
A mulher que marcou a história do país com a presença feminina alerta sobre a necessidade de ações sociais para evitar a delinqüência
Gaudêncio Torquato e Solange A. Barreira
Poucas mulheres acumulam tantos méritos de pioneirismo como Esther Figueiredo Ferraz. Num século marcado pela revolução sexual feminina, ela colocou seu nome à frente de muitas fileiras no Brasil. Nos anos 40, foi a primeira representante do sexo feminino a integrar a cátedra da tradicional Faculdade de Direito da USP. Na década de 60, notabilizou-se como a primeira mulher da América Latina a comandar uma reitoria de universidade, a Mackenzie. Em 1982, tornou-se a primeira ministra brasileira – da Cultura e Educação. Na OAB-SP, também fincou bandeira: nos idos de 1951, foi eleita para ocupar uma cadeira em meio aos austeros homens do Conselho.
Apaixonada pelo Direito, essa paulista, de 86 anos, nasceu numa época em que, ao sexo frágil, destinavam-se apenas o casamento e o cuidado dos filhos. Na contramão, preferiu ficar solteira e se dedicar à profissão. Seu laureado currículo inclui o cargo de Secretária Estadual de Educação de São Paulo, em 1971, e a militância da advocacia na área criminal, que mantém até hoje. Também passa a ser a primeira mulher entrevistada pelo Jornal do Advogado, nessa série com grandes juristas brasileiros.
Jornal do Advogado – Seu pioneirismo feminino foi uma ambição ou uma série de coincidências levaram-na a abrir novas trincheiras?
Esther Figueiredo Ferraz – O mérito não é meu. As mulheres da minha geração arrombaram muitas portas. De tal maneira que, hoje, as novas gerações transitam com toda a suavidade por este caminho aberto por nós. Foi um esforço conjugado.
Dos cargos que a senhora exerceu, qual foi o mais marcante?
– Ter sido ministra foi muito dignificante para mim. O presidente Figueiredo já conhecia muito minha família. Não somos parentes, mas ele brincava comigo por causa da coincidência dos sobrenomes. Ele nunca me deu uma ordem, nunca negou autorização para um ato que eu tivesse deliberado praticar e foi sempre gentilíssimo comigo. De maneira que aquilo em que acertei ou aquilo em que errei são atos meus e tenho que me responsabilizar por eles.
Qual foi o cargo que lhe deu mais satisfação pessoal?
– O de reitora da Universidade Mackenzie. Foi a melhor fase da minha vida. Lá, passei como professora de 1961 a 1965. Depois, de 1965 a 1971, fui reitora. Mas me apeguei muito aos meus alunos. Sou solteira, não tenho filhos.
Parece que essa vocação da alfabetização vem desde criança, afinal, com cinco anos de idade a senhora já era alfabetizada.
– Nós morávamos em Mococa e recebíamos, pela Mogiana, o Estadão. Mamãe me habituou a selecionar as vogais, as consoantes e com elas ir montando os nomes da família ou das coisas que compunham o nosso ambiente doméstico. Quando peguei minha primeira cartilha, já sabia ler.
E como a senhora decidiu fazer Direito?
– Fiz a faculdade de Filosofia, até que, em 1938, passou a ser secretário da viação e das obras públicas o engenheiro Guilherme Ernesto Winter, colega de turma do meu pai, na Politécnica. Ele precisava de alguém que o assessorasse e pediu que eu fosse ser secretária dele. Meu trabalho era resumir pareceres da consultoria jurídica, ocupada por um grande jurista, o José de Carvalho Martins. Começaram a descer aqueles pareceres muito bem feitos, fui ficando entusiasmada e, uma hora, disse: é disso que eu gosto. Aí, escondido do meu pai, que achava que eu não deveria ir para a faculdade de Direito, fiz o concurso vestibular e entrei.
Por que a senhora decidiu se especializar em Direito Penal?
– Os primeiros casos que me foram dados eram criminais. A mulher, via de regra, gosta do Direito Criminal, porque está muito ligado à psicologia, à sociologia, a essas disciplinas que não são propriamente jurídicas, mas que funcionam como auxiliares no Direito Penal.
A senhora também foi a primeira mulher a dar aulas na São Francisco. Como ocorreu essa opção pela carreira acadêmica?
– Sempre gostei da docência. Na universidade, primeiro, apresentei uma tese difícil, A Co-delinquência no Moderno Direito Penal Brasileiro. Mas, ao se aproximar a data do concurso, tive um grande caso na advocacia criminal, o de uma moça acusada, injustamente, de ter morto o marido. Fiz a defesa e ela foi absolvida. Então, fiz uma outra tese – Delitos Qualificados pelo Resultado. Inscrevi-me e consegui entrar. Na qualidade de livre docente, não tive uma classe, mas substituía os professores quando faltavam: o Noé Azevedo, o Basileu Garcia, o Soares de Mello. Hoje, vários de meus alunos ocupam cargos importantíssimos. O presidente do Tribunal de Justiça, o desembargador Bonilha, por exemplo.
O que a senhora acha da proliferação das faculdades de Direito?
– A proliferação é funesta. Li, há muitos anos, numa revista, a seguinte frase: a falta de escolas é um mal, mas a má escola é uma calamidade. Em matéria de Direito todo mundo pensa que é fácil fazer uma escola. Arranja-se uma congregação, faz-se uma biblioteca e, com isso, se pode estudar. Não é verdade. É preciso criar uma atmosfera e que os professores tenham um projeto pedagógico, para transformar uma jovem ou um jovem num jurista. O verdadeiro jurista é capaz de, sozinho, dar outros passos dentro da profissão.
Em suas aulas, a senhora preconizava que a pena aplicada ao infrator não deve ser uma vingança da sociedade, mas a possibilidade dele refletir para ser reeducado. Como a senhora vê a questão penal no Brasil de hoje?
– O brasileiro tem mania de pensar que qualquer problema pode ser resolvido só com uma boa lei. Precisamos de ações, na linha social, que ajam diretamente sobre o indivíduo. A nossa lei penal é boa. Mas se faz necessário explorá-la até as últimas conseqüências, sobretudo, na parte da execução. É a execução penal que está faltando, não é a lei e muito menos a sua aplicação. Nossos juízes são bons. Tenho do Poder Judiciário a melhor das impressões. Mas, depois que o réu é submetido à execução, aí começa o problema: são poucas prisões, nem todas são prisões especiais, e há o dilema do cumprimento da pena.
A situação atual na área de segurança está caótica. Tanto que a sociedade clama por pena de morte. Qual a sua opinião?
– Sempre fui contra a pena de morte e sempre serei. Um grande criminalista italiano, que era a favor da pena de morte resolveu fazer uma experiência acompanhando os últimos dias de um condenado à morte. Ficou tão horrorizado, que mudou de opinião. Além disso, há países em que se aplica a pena de morte e, nem por isso, a criminalidade diminuiu. Precisamos levar essas coisas a sério. Outro dia, me perguntaram o que eu via de errado no tratamento dos menores delinqüentes. Em tese, acho tudo errado. O que deve haver não é uma prisão e sim uma escola interna. Lá, o aluno deveria passar o dia inteiro fazendo alguma coisa útil, para que, no final, pudesse se converter em um homem de bem. Por outro lado, o pessoal que lida com infratores precisa ser treinado para ter poder de ação sobre eles e uma função docente.
As penas alternativas são uma solução em meio ao caos da segurança?
– Gosto muito das penas alternativas, desde que a sua execução possa ser acompanhada. Porque você veja o sursis: praticamente desapareceu da nossa prática. Mas é muito bom. Só que não há um acompanhamento. O preso sai e fica entregue a si próprio. A primeira coisa que ele faz é furtar outra vez. De maneira que é preciso levar até as últimas conseqüências aquilo que já está no Código Penal, no Código de Processo Penal e nas leis das Execuções Penais. Mais: é preciso arregaçar as mangas, meter a mão na massa. Lançar mão de outros tipos de ação, sobretudo na área social, para evitar que a delinqüência ocorra.
Como a senhora vê as denúncias de corrupção que os meios de comunicação fazem diariamente?
– O fenômeno, agora, se exacerbou, mas, de uma maneira menos grave, sempre existiu. Só que os meios de comunicação, hoje, põem a nu a realidade. E isso é bom, desde que não haja excessos. A função da imprensa é de uma importância enorme. Prestigio a imprensa, desde que ela não fira os direitos dos que, às vezes, não fizeram coisa alguma. Porque esses, depois de acusados, não conseguem mais se recuperar no conceito público.
A senhora se considera uma mulher realizada?
– Eu me sinto. É claro que Deus não me deu tudo. Gostaria de ter casado. Porque acho que, hoje, é perfeitamente possível a mulher ser uma profissional e ser casada. Gostaria de ter encontrado um bom companheiro, para usufruir os dias de alegria e suportar os dias de tristeza. A mim não ocorreu. Mas não faço disso uma tragédia. Substituí pelo sentimento de amizade. A amizade para mim é a mais elevada de todas as emoções humanas, porque ela é gratuita. Ao passo que o amor é interesseiro no sentido de que ele dá e quer receber. Tenho uma legião de amigos e isso me conforta.
Luto da comunidade jurídica
O presidente da OAB/SP, Luiz Flávio Borges D'Urso, decretou luto oficial por três dias, período durante o qual todas as unidades da Ordem no Estado hastearão as bandeiras a meio pau. Veja abaixo a íntegra da nota divulgada pela Ordem.
NOTA
A morte de Esther de Figueiredo Ferraz é uma grande perda para o Brasil. Em vida foi uma referência de pioneirismo e competência enquanto advogada, professora e personalidade pública. Foi, igualmente, uma reserva moral de nosso país, sempre preocupada com as questões sociais, legais, educacionais e éticas. Dizia que o brasileiro tem mania de pensar que qualquer problema pode ser resolvido só com uma boa lei . Mas que eram necessárias ações, na linha social, para atuar diretamente sobre o indivíduo.
Ao longo de sua vida, Esther construiu uma biografia incomum e vanguardista. Foi a primeira mulher da América Latina a comandar uma reitoria na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 1965. Também foi a primeira mulher a ocupar um Ministério no país, assumindo a pasta da Educação e Cultura, em 1982, abrindo uma nova e importante fronteira para a participação feminina.
Igual pioneirismo demonstrou na carreira jurídica. Formada em 1945 pela Faculdade de Direito da USP e inscrita na OAB/SP no ano seguinte, ainda na década de 60 integrou o Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem Paulista, onde os advogados homens predominavam, demonstrando que vinha para romper paradigmas e inovar. Também foi a primeira mulher a integrar a cátedra da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Reforçou a mesma característica pioneira ao escolher uma especialidade na advocacia, o Direito Criminal, espaço predominantemente masculino e de muitos desafios, onde grandes juristas se consagraram.
No dia 9 de setembro, a OAB/SP prestou o último tributo à advogada Esther de Figueiredo Ferraz, outorgando-lhe o prêmio Maria Immaculada Xavier Silveira, láurea que leva o nome da primeira mulher inscrita na Seccional Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil. Ambas pioneiras e apaixonadas pelo Direito.
A Advocacia está de luto pela perda desta grande mulher, cujo papel de relevo engrandece cada advogado e cada brasileiro, porque somos todos herdeiros de sua obra e de seu legado.
São Paulo, 23 de setembro de 2008
Luiz Flávio Borges D'Urso
Presidente da OAB/SP
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