Improcedente
Roberto Teixeira X Diogo Mainardi
O juiz Luiz Otávio Duarte Camacho julgou improcedente ação indenizatória promovida por Roberto Teixeira contra a Editora Abril (Revista Veja) e Diogo Mainardi pela publicação da coluna "Sem Vergonha do Compadre" em 11/4/2007.
A Editora foi defendida neste caso pelos advogados Alexandre Fidalgo e Paula Luciana de Menezes, de Lourival J. Santos – Advogados. O autor foi defendido pelos advogados do próprio escritório Teixeira, Martins & Advogados
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Veja abaixo a íntegra da sentença.
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FORUM REGIONAL XI-PINHEIROS QUARTA VARA CIVEL
Autos nº -011.07.109.443-0
ROBERTO TEIXEIRA, qualificado, ajuizou esta ação contra DIOGO BRISO MAINARDI e EDITORA ABRIL S/A porque, segundo a Inicial, os réus causaram ao autor dano moral ao publicar uma reportagem na revista “Veja” de propriedade da ré Editora Abril, assinada pelo réu Diogo Mainardi.
Segundo o autor o réu Diogo Mainardi em sua coluna publicada na ré, Editora Abril, “fez afirmações levianas e desprovidas de quaisquer provas ou fundamentos com o claro intuito de macular a honra e a imagem do autor Roberto Teixeira e expô-lo ao desprezo público.”(sic) Em seguida, a inicial diz que a coluna foi publicada na revista Veja em 11 de abril de 2007 e também posta à disposição na versão “on line” e então reproduz o teor do texto.
Em continuação a Petição Inicial exalta a figura do autor. Ressalta também a inicial que o réu Diogo Mainardi deturpa situações e traz à baila informações e fatos já ultrapassados pela narrativa de fls.7/12 para, a seguir,sustentar que tudo isto causou dano moral à pessoa do autor. Concluiu com doutrina e apresentou o pedido e requerimento de antecipação de tutela a fls. 28/29. Deu valor à causa e juntou documentos.
Em apenso ao 1º volume, recurso de Agravo de Instrumento contra a decisão que determinou que o autor quantificasse a quantia de pretende receber a titulo de reparação por dano moral. Os réus foram citados e responderam por contestação. Nela, os réus refutaram a tese do autor, a de dano moral pela matéria, a reportagem escrita e assinada pelo réu Diogo Mainardi e publicada na edição referida da revista Veja. Sustentam: a inexistência de ilícito diante do direito-dever de informar; a corriqueira menção do assunto na imprensa; a conhecida e costumeira crítica do co-requerido Diogo Mainardi ao Presidente da República; o direcionamento da reportagem ao Presidente Lula; a inofesividade da expressão lobista.
Com outras ponderações requereu a improcedência da ação. Juntou documentos. O autor se manifestou em seguida à contestação. Em seguida à réplica, os réus de manifestaram e houve despacho indeferindo a produção de prova testemunhal pro ser ela impertinente para este mérito. Apresentou agravo retido com contraminuta.
As partes se sucederam em manifestações. Os autos são compostos de quatro volumes, sendo que o primeiro volume compõe-se de três apensos correspondentes a Agravo de Instrumento.
É o relatório. D E C I D O.
Este processo deve ser julgado nesta fase porque a matéria de mérito de fato e de direito não exige a dilação probatória em audiência de instrução e julgamento. Começa-se ilustrando o caso em julgamento com lição de A. de Sampaio Dória em seu livro “OS DIREITOS DO HOMEM” publicado pela Companhia Editora Nacional em 1942, capítulo II; “A opinião pública, os partidos políticos”, texto que se ajusta perfeitamente, emprestado, aos meios de comunicação, à mídia, em todas as suas formas de expressão: “Sem liberdade, não se constrói, em política, nada que perdure. O que contra ela se faça, tende de si mesmo para o esfacelamento inevitável. A liberdade é o sopro de vida das instituições políticas duráveis.(...) Só quando a opinião pública se organize esclarecida, é que se poderão estabilizar as instituições políticas. A opinião pública, como fonte natural de legitimidade do poder, é a grande fortaleza do estado, é a armadura de aço, oposta às erosões do tempo”.
Para o caso em julgamento substitua-se “opinião pública” por “meios de comunicação” sem que esta última exclua a primeira, e se terá a exata noção da importância dos meios de comunicação, que a partir de agora, chamarei de “imprensa” atendendo à hipótese dos autos.
A imprensa traduz o sentimento geral que existe, anônimo ou não, entre as pessoas comuns. Ela traduz o “espanto geral” das pessoas diante de certos e determinados episódios da vida diária em todos os seus estamentos; inclusive o sócio-político. Aqui, no mérito dos autos, o autor se vê e se sente ultrajado na sua reputação.
É melhor se dizer “reputação” porque ela compreende a honra e tudo o mais. Disse ele que foi ofendido pelos réus ao publicarem a matéria escrita pelo jornalista Diogo Mainardi e publicado pela segunda ré. O autor diz que os réus, ao publicarem a reportagem “Sem vergonha do compadre” fizeram afirmações levianas (...)com o claro intuito de macular a honra e a imagem do autor (...) e expô-lo ao desprezo público.
Pois bem. Assim pensa e expôs o autor em sua Inicial. No entanto, para o exato exame do mérito deste tema, é preciso que se apresente outro sinalizador de ordem doutrinária. Ei-lo: “...Além das expressões liberdade de informação e de expressão, há ainda uma terceira locução que se tornou tradicional no estudo do tema e que igualmente tem assento constitucional: a liberdade de imprensa. A expressão designa a liberdade reconhecida (na verdade, conquistada ao longo do tempo) aos meios de comunicação em geral (não apenas impressos, como o termo poderia sugerir) de comunicarem fatos e idéias, envolvendo, desse modo, tanto a liberdade de informação como a de expressão. Se de um lado, portanto, as liberdades de informação e expressão manifestam um caráter individual, e nesse sentido funcionam como meios de desenvolvimento da personalidade, essas mesmas liberdades atendem ao inegável interesse público da livre circulação das idéias, corolário e base de funcionamento do regime democrático, tendo, portanto uma dimensão eminentemente coletiva, sobretudo quando se esteja diante de um meio de comunicação social ou de massa.”
Mais adiante, continua o professor Luis Roberto Barroso: “De fato, no mundo atual, no qual se exige que a informação circula cada vez mais rapidamente, seria impossível se pretender que apenas verdades incontestáveis fossem divulgadas pela mídia. Em muitos casos, isso seria o mesmo que inviabilizar a liberdade de informação, sobretudo a informação jornalística marcada por juízos de verossimilhança e probabilidade”. E ainda: “...a informação não pode prescindir da verdade-ainda que uma verdade subjetiva e apenas possível...” Com os balizamentos acima, que ajustam o foco do mérito, pondo-o no seu devido lugar, passa-se ao caso em julgamento.
O autor é compadre do Sr. Presidente da República. Tanto é que a revista “Época” em sua edição de 16 de junho de 2008, edição de número 526, traz, como reportagem de capa a seguinte manchete "EXCLUSIVO. A VERSÃO DO COMPADRE. O polêmico advogado Roberto Teixeira recebe Época para contar sua história sobre a amizade com o presidente Lula e a venda da Varig". O autor é pessoa que volta e meia está no noticiário ligado a assuntos de interesse nacional, afora a sua amizade com o Presidente da República. Ora, tal circunstância confere à pessoa do autor um “lado público” e que, por isto, o torna “assunto público”.
E a vida pública e todos os seus negócios, sem exceção, não pertencem aos personagens protagonistas da vida pública mas sim à sociedade toda. É o direito de informação. Além disso, os meios de comunicação, a imprensa jornalística, no caso, tem uma linguagem própria dela. Não se comunica como quem faz uma prece ou declama uma poesia ou como quem defende uma tese, ou ainda, como um manual de Direito; a linguagem jornalística tem seu método próprio, suas “chamadas” de reportagem e até com exuberantes frases ou mesmo títulos que despertam, imediatamente, a curiosidade dos leitores. Na reportagem do réu Diogo Mainardi não foi diferente. Intitulou-a “Sem vergonha do compadre”.
O que provoca este título é papel da interpretação do leitor sobre alguém que está constantemente na mídia, como já ficou provado acima, e que como pessoa muito ligada (também está provado) ao primeiros círculos do poder público, assimila a publicidade daquelas pessoas. Todas as pessoas que exercem função pública ou estão na posição do autor, acima definida, lidando com situações de interesse nacional, portanto público, viram notícia, não porque estão no alvo da maledicência, mas porque lidam com assuntos e coisas que pertencem ao povo e não a eles. O estilo jornalístico possui regras próprias e varia subjetivamente de jornalista para jornalista, com maior ou menor grau de acidez no tratamento da matéria sem que isto se transforme em agressão moral.
Os meios de comunicação não precisam (não devem) ficar com o “chapéu estendido” e muito menos com “luvas de pelica” quando tratam de assuntos de interesse público ou ligados ao interesse público. Com seu estilo informam à sociedade porque a nossa Constituição Federal afirma (e não é de “faz-de-conta”) que é livre a expressão de pensamento.
O que se tem que valorizar e preservar nos dias de hoje é a intangível e verdadeira (e não retórica ou acadêmica) liberdade de imprensa que deve ser livre mesmo, na realidade sem ficar cheia de dedos ou com uma delicada tibieza ao falar das coisas e assuntos que são de inafastável direito da sociedade saber, acompanhar e cobrar dos que estão da sua gerência.
A imprensa em geral, os meios de comunicação tem mais até que o direito, a obrigação de falar escancaradamente a respeito dos fatos e interesses nacionais e regionais e locais. Os meios de comunicação não podem ter “peias na língua”. Aqui relembra-se a primeira citação feita da lavra de Sampaio Doria. Pois bem, no caso aqui em julgamento os autos mostram que os fatos tratados pelo réu Diogo Mainardi são verdadeiros. A profusão documental e mesmo digital (cd's) trazida pelo autor não desfazem a afirmação supra. Tratam de providências e situações que não interferem neste mérito. A Inicial afirma que a reportagem de Diogo Mainardi traz afirmações “levianas” contra o autor, mas não diz quais são; afirma que são “desprovidas de provas ou fundamentos” sabendo que o estilo jornalístico não é escrito com anexos de documentos e provas no sentido jurídico. É um texto que se auto explica. E continua o autor: “...com o claro intuito de macular sua honra e a imagem...e expô-lo ao desprezo público.”
No entanto, esta é a visão subjetiva do autor que não demonstrou, em nenhuma fase do processo, as situações concretas que encarnaram a mácula de sua honra e imagem como o desprezo público.
Aonde está o desprezo público que o autor está passando ? O que se deve destacar aqui é que o conteúdo da reportagem não está calcado em mentiras. A verdade dos fatos. Mesmo que sejam possíveis e capazes de se modificarem no futuro, e isto é lógico, porque os fatos da vida se sucedem em permanente mudança e evolução (na maioria das vezes) mostrando que as verdades dos fatos, a própria verdade até, são dinâmicas e mutáveis, porque se transformam (o contrário seria desastroso).
Depois, vê-se que o meio empregado para a divulgação é lícito. Um canal de comunicação tradicional do país. Em seguida o interesse público. Como já disse acima e agora se repete, é uma matéria de notório interesse público. Com efeito é bem diferente a forma de dano moral em razão da pessoa que se diz sua vítima. A posição (quem é e o que faz) dela na sociedade é que define se houve ou não dano moral.
Uma pessoa da estirpe do autor (ponto fixado acima) está a todo instante defronte as luzes da publicidade e da notícia. Logo, submete-se às regras, ou seja, sabe que poderá em uma hora ou outra ser “assunto” da mídia. Dano moral é uma agressão cujo resultado é imediato, evidente, visível ou com sinais próprios que permitem sua imediata percepção.
O dano moral destrói com escândalos parte da dignidade da pessoa humana. Já as afirmações ou ponderações ligadas à própria atividade social de determinadas pessoas, como a do autor, pertencem às próprias características desta atividade. Assim é que os meios de comunicação podem muito bem fazer questionamentos sobre um episódio da vida de tal pessoa que não se tornarão dano moral. “O dano moral tem como causa a injusta violação a uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial, protegida pelo ordenamento jurídico através da cláusula geral de tutela da personalidade que foi instituída e tem sua fonte na Constituição Federal em particular e diretamente decorrente do princípio (fundante) da dignidade da pessoa humana”.
A reportagem do réu Diogo Mainardi trazida pela revista “Veja” e dissecada a fls.4/5 da Inicial falam mais do presidente Lula com lances de questionamento ao senhor presidente e seu compadre (fato incontroverso). A conclusão, vinda dos autos, pelo acervo probatório, afirma, portanto, que não há, nestes fatos, nenhuma “injusta violação” da personalidade do autor.
A linguagem do réu Diego é contundente, até um tanto sarcástica mas não trouxe nenhuma inverdade injuriosa e sobretudo injusta à dignidade humana do autor, que é pessoa de muitos tribunais pelo que se constata nos copiosos documentos que juntou em sua Inicial, exibindo diversos processos por dano moral, o que apenas prova o que disse acima sobre a sua figura “pública” que é pela seu comportamento “público” sempre atuando e sendo visto tomando parte o próximo de assuntos públicos e, sobretudo, de interesse público e como tal personagem não tem o direito de furtar da opinião pública as oportunas e necessárias satisfações e informações do por que da sua presença, atividade profissional quando lida ou toma parte ou está presente em causas que são do interesse direto da população. Logo, não sofreu dano moral como ficou aqui demonstrado.
O tempo do cabresto na imprensa está superado. As instituições civis devem agir com plena liberdade de ação e informação e a opinião pública faz parte integrante dela e tanto como ela é essencial à democracia como já foi assinalado acima. Assim é que o autor fala do “doloroso seqüestro” havido em sua família afirma que “nem mesmo o poupou”; refere-se a outros episódios dizendo que não são atualizados; fala em denuncias havidas e segue ditando outras situações a fls.07 para adiante se referir “a ausência de oportunidade do autor de apresentar sua “real versão dos fatos”.
Não é verdade. Já foi dito acima que o réu Diogo Mainardi publicou em “matéria jornalística” na ré “Veja” de interesse público. O autor tem à sua disposição todos os meios de comunicação e de outro lado o réu Diogo não obrigado a seguir o autor e escrever do modo que o autor imagina correto. E a liberdade de imprensa, aonde fica.
Os fatos e episódios referidos na matéria do artigo do réu Diego na revista VEJA são verdadeiros ou foram à época da publicação. Por isto já foi fundamentado acima este ponto na melhor doutrina a questão da verdade em meios de comunicação, na mídia. Portanto, a análise detalhada e percuciente do reclamo do autor não possui supedâneo probatório. Não houve dano moral dados os fundamentos expostos. Logo, sem nexo causal, não medra a obrigação de indenizar. A.de Sampaio Doria, na mesma obra aqui citada, mais adiante leciona: “...E como se forma a opinião pública? Já vimos, no capítulo precedente, que só se pode ela formar através da escola e da imprensa. Sem educação pública e sem liberdade de pensamento, não têm os indivíduos ensejo de formular opinião sobre as coisas do Estado”.
E aqui não é diferente. O autor é uma pessoa ligada à “coisas do Estado” e como tem obrigação de se sujeitar ao crivo da opinião pública, que é alimentada pela imprensa. São as regras do jogo e do exercício da democracia. Aqui, depois de se ouvir as teses e os fatos se conclui de que não houve violação injusta e por isto dano à dignidade da pessoa do autor. A imprensa em geral, a mídia, jamais estará dispensada do respeito à dignidade das pessoas e do inarredável culto à verdade da informação.
Nada se constrói em sociedade com base na intriga e no enxovalhamento. A imprensa, algumas vezes, é até inoportuna, como o é também a verdade. Todavia, neste caso em julgamento, os réus não faltaram com a verdade e nem com o devido respeito ao autor. Repete-se, então, que por isto, não houve dano moral.
Ante o exposto e tendo tudo o mais considerado JULGO IMPROCEDENTE esta ação ajuizada por Roberto Teixeira contra Diogo Mainardi e revista Veja (Autos nº 011.07.109.443-0) e em conseqüência condeno o autor ao pagamento das custas processuais e honorários de advogado que fixo em vinte por cento do valor da ação.
P.R.I.C São Paulo, 4 de setembro de 2008.
LUIZ OTÁVIO DUARTE CAMACHO
Juiz de Direito
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