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O juiz Leonino Carlos da Costa Filho, de Presidente Prudente/SP, julgou procedente em parte ação de indenização por danos morais movida por um jovem que foi sofreu vandalismo em uma festa e depois teve as fotos publicadas na internet. O adolescente foi defendido pelo advogado e migalheiro Fábio Luiz Stábile.
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Confira abaixo a sentença na íntegra.
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PROCESSO : 482.01.2006.000164-2
VISTOS, etc. I. L.F.G, assistido por N.M.G, ajuizou a presente “Ação de Indenização Por Danos Morais” em face de M.B.S.N, G.S.N, F.R.B. e E.P.B. alegando, em resumo, que em julho de 2005, dirigiu-se à casa dos réus M. e G., juntamente com o réu F., na qual habitualmente se encontravam e realizavam churrasco com bebida alcoólica.
Na ocasião, acabou exagerando no consumo de etílicos, passando mal, o que lhe ocasionou vômitos e sonolência. Então, os réus, imbuídos da intenção de ultrajar, afrontar e humilhar o autor, se dirigiram até o local onde repousava, despindo-o e, utilizando-se de uma caneta porosa de tinta para tecidos, inseriram obscenidades e desenhos pornográficos em todo seu corpo. Em seguida, colocaram a referida caneta no seu ânus e rasparam a sua cabeça. Asseverou que os réus fotografaram por diversas vezes o ato de vandalismo e selvageria que haviam acabado de produzir, enviando, depois, as fotos por e-mail para várias pessoas, algumas delas do círculo da convivência do autor.
Aos 13 de setembro, ainda, inseriram as fotos na página pessoal na internet, conhecida por “fotolog”, que pode ser acessada por qualquer pessoa. Procurou por diversas vezes o réu E., dono do “fotolog”, que nada fez para amenizar sua situação e manteve a referida foto na internet. Em 19 de setembro, o réu E. o procurou para explicar o que ocorrera, dizendo que tudo não passara de uma brincadeira e que não precisava se preocupar. Todavia, a atitude dos réus denegriu a sua imagem e moral, nada tendo a ver com uma mera brincadeira de adolescentes.
Foi lavrado um boletim de ocorrência na tentativa de minimizar o seu constrangimento e para apuração da responsabilidade dos envolvidos. Entende que foi ferido no que toca aos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, tendo sido vulnerado de morte os preceitos constitucionais que a norteiam. Requer a condenação dos réus e seus responsáveis pelo ato lesivo e pelos danos ocasionados, não só pela ilicitude, mas também pelo prejuízo moral experimentado por um jovem, que tem a vida toda pela frente.
Requer, ao final, a condenação dos réus no pagamento de quantia equivalente a 200 salários mínimos a título de danos morais. Deu à causa o valor de R$ 10.000,00 e juntou documentos. Citados, os réus contestaram. Os réus M. e G. ofereceram contestação, requerendo, em preliminar a suspensão do processo até julgamento final da ação penal. No mérito, aduziram que o autor pretende com a demanda um enriquecimento, mesmo que para isso tenha que omitir verdades e ludibriar o Juízo. Acrescentaram que o autor foi deixado extremamente bêbado na calçada em frente à residência dos réus, sendo acolhido por eles, colocado na cama de G., oportunidade em que vomitou, ensejando, então, uma brincadeira de criança, sendo-lhe tirado a roupa e se fazendo alguns desenhos pelo seu corpo, sendo assim fotografado.
Todavia, referidas fotos não deveriam ter caído em mãos estranhas ao circulo de amizade e muito menos chegar na Internet, mesmo considerando que a própria vítima é dada a fazer esse tipo de brincadeira. “A Justiça existe para reparar a indignidade de quem pelo menos tenha indícios de direito e não de pessoas como o autor, que participa de farra e distorce a verdade dos fatos e busca uma indenização absurda a título de dano moral”. Alegaram que conduta, ora incriminada pelo autor, era prática comum entre o autor e seus amigos. Refutaram o valor pleiteado na inicial e pugnaram pela improcedência do pedido.
O réu F., em sua resposta, afirmou que, de fato, realizaram a brincadeira com o autor, desenharam em seu corpo e o fotografaram, para no dia seguinte exibirem as fotos. Todavia as fotos ficaram armazenadas na máquina fotográfica dos réus M. e G., não mais tendo o contestante acesso a elas. Assim, sua ação foi apenas a de desenhar e de fotografar o autor. Requereu seja julgado improcedente o pedido, considerando que sua conduta não trouxe qualquer dissabor ao autor.
Por fim, o réu E. ofertou contestação, na qual sustentou, preliminarmente, ilegitimidade passiva e inépcia da inicial. No mérito, sustentou que nada teve a ver com os fatos. Aduziu que o “fotolog” foi criado pelo seu amigo G.A. e que foi este quem inseriu as fotos em que o autor se apresentava sem camisa, sem nenhuma obscenidade ou vexame. Sustentou que não há provas de sua participação no fato descrito na inicial e que não há nexo causal entre sua conduta e o fato narrado. Requereu a rejeição do pedido. Juntou documentos.
Houve réplica, na qual o autor juntou cópias de peças da ação penal. Infrutífera a conciliação, foram afastadas as preliminares e saneado o feito (fls. 182/183). O réu M. trouxe para os autos cópia da sentença criminal (fls. 185/192). O réu E. foi intimado por edital para a audiência de instrução e depoimento pessoal (fls. 217). Em audiência foram tomados os depoimentos pessoais do autor e dos réus M., G. e F. (fls. 231/236). Em alegações finais, o autor e os réus M. e F. apresentaram as mesmas teses.
O julgamento foi convertido em diligência parar se colher a manifestação do Ministério Público. O i. representante do parquet houve por bem por não se manifestar, tendo em conta que, atualmente, todas as partes são maiores e capazes e não vislumbrar motivo para sua intervenção (fls. 257).
Eis o relatório. FUNDAMENTO E DECIDO. II. As preliminares já foram apreciadas na decisão de fls. 182/183. No mérito, a ação deve ser julgada procedente em parte. De início, cumpre ressaltar que a simples absolvição dos réus M. e E. na ação penal que lhes foi movida não induz coisa julgada para a esfera cível, mesmo porque eles foram absolvidos com fundamento na ausência de provas (art. 386, inciso VI, do Código de Processo Penal) (fls. 185/192).
O autor contava com menos de 18 anos de idade na época dos fatos, cumprindo observar que, em tese, deveria ter sido apurado eventual crime por parte dos maiores e dos genitores dos réus menores na presente ação, quanto ao fornecimento de bebida alcoólica para menores, considerando que os fatos ocorreram em uma residência. No que toca ao objeto desta ação, as provas dos autos bem delineiam a conduta ilícita dos réus, pelo que devem eles responder pelos danos morais causados ao autor.
O autor, tanto na inicial quanto em seu depoimento pessoal, fez um relato de como os fatos ocorreram, atribuindo aos réus condutas ilícitas que culminaram na publicação de suas fotos na internet, fatos que lhe causaram grande vexame e dissabor. O réu M. B. S. N., no seu depoimento pessoal, confessou que no dia dos fatos se encontrou com o autor que já “estava alto”, trazendo uma garrafa de vodca. Disse que: “falei então para Leonardo que ele poderia posar em casa e ir embora na manhã seguinte pra casa dele (...) L. foi deitar e quando entrei mais tarde no quarto estava todo vomitado então chamei a galera e fomos lá ajudar a limpar. Não participei dos fatos pois quando cheguei ao quarto L. já estava pintado e desenhado. Não vi a caneta introduzida nas nádegas de L.. Sei que todo mundo ali tirou fotos. Também tirei fotos, mas depois que ele já estava naquela situação” (g.n.) (fls. 233/234).
Embora tenha dito que não participou do momento em que pintaram o autor, o fato é que o fez e também tirou fotos. Neste passo, cabe ressaltar que não estão os réus respondendo apenas pelo fato de terem pintado ou desenhado no corpo do autor obscenidades. O vexame maior pelo qual passou o autor é justamente o fato de as fotos terem chegado à internet, desmoralizando-o. O co-réu G. S. N., cujo depoimento merece crédito, visto que não procurou se eximir de sua parcela de culpa, declarou que: “Nós três tiramos fotos, eu, M. e F.. Quem desenhou no corpo dele foram eu e F.. Foi F. quem colocou a caneta na reentrância do corpo das nádegas do autor assim ser fotografado. Um tempo depois eu mandei as fotos para G. A. que as mandou para E., o qual as publicou na Internet” (fls. 234).
Dessa forma, M., embora alegue não ter participado dos atos constrangedores praticados em sua residência contra a vítima (ora autor), deve responder pelo ilícito, uma vez que um dos que tiraram as fotos que, certamente com sua ciência e consentimento, foram, por a titulo de “zoação”, enviadas para publicação na Internet por meio de G. e A.. M., de fato, não trouxe para os autos provas de que suas fotos não chegaram às mãos de terceiros e na internet. Além do mais, na confissão dos demais réus, foi possível descrever também a conduta de M.. G. S. N., no depoimento pessoal, disse que “Estávamos na pracinha do J. B. quando apareceu Leonardo que estava sozinho e estava com umas bebidas inclusive vodka e fanta. Ele já estava meio alto. Bebemos um pouco no local e depois ele pediu carona. Ph (F.) nos deixou em nossa casa e L. ficou ali conosco. L. foi deitar e começou a passar mal vomitando no colchão então resolvemos zoar com ele. Nós também tínhamos bebidos, mas não estávamos alterados. L. se mexia mas não chegava a oferecer resistência. Começamos a desenhar e escrever no corpo dele. Tiramos sua camisas abaixamos sua calça e também tiramos fotos. Nós três tiramos foto eu, M. e F.. Quem desenhou no corpo dele foram eu e F.. Foi F. quem colocou a caneta na reentrância das nádegas do autor para assim ser fotografado. Um tempo depois eu mandei as fotos para G. A. o que as mandou para E. o qual as publicou na internet (...) a máquina que foi usada para bater as fotos era minha (...) na época dos fatos eu era menor de idade e M. maio” (g.n.) (fls. 234).
É muito elucidativo o depoimento de G., que além de contar como os fatos ocorreram, descreveu a conduta dos demais réus. Não diverge de tal relato o depoimento pessoal de F.R.B.. Este narrou os fatos desde o momento do encontro que teve com o autor e as pessoas que ali estavam. Descreveu a embriaguez do autor e narrou: “L. ficou um pouco na frente da casa depois foi deitar. M. viu depois que L. tinha vomitado na colcha dele chamou a gente a gente foi lá e depois aconteceu aquilo que está relatado nos autos. Foram eu e G. quem fez o desenhos no corpo de L.. L. acho que estava bem embriagado porque não respondia. Não oferecia nenhum resistência. Foi G. quem cortou o cabelo dele. Nos três tiramos fotos (...) as fotos foram tiradas com uma máquina que pertencia a M., G. e Ph. A máquina embora fosse deles todos ficava na casa de M. (...) as fotos posteriormente foram para na casa de puga que é G.A., tendo sido passadas ao que me parece pela Internet por G. S. N., irmão de M.. E.viu as fotos na casa de puga e da casa deste mesmo colocou as fotos no seu fotolog. Dias depois E. deve ter apagado as fotos que colocaram na Internet uma vez que era ele mesmo quem tinha a senha (...) M. estava no quarto na hora em que os desenhos estavam sido feitos e as fotos foram tiradas. Ele participou da ação. M.já era maior de idade na ocasião.” (g.n.) (fls. 236/237).
É de ser ressaltado que o réu E., após ter apresentado contestação, não mais foi encontrado, tendo sido intimado por edital para a audiência e depoimento pessoal (fls. 217). Dessa forma, pesa em seu desfavor sua ocultação e sua inércia de não ter comunicado ao Juízo seu endereço. Além do mais, foi frisada pelos depoentes, por diversas vezes, a participação de E. no evento danoso, ou seja, o fato de ter publicado as fotos do autor no seu “fotolog”. Além do mais, somente ele (E.) tinha o “fotolog” e a sua senha. Veja-se, neste sentido, o depoimento pessoal de F., o qual asseverou: “E. viu as fotos na casa de puga e da casa deste mesmo colocou as fotos no seu fotolog. Dias depois E. deve ter apagado as fotos que colocaram na internet uma vez que era ele mesmo quem tinha a senha” (g.n.). Não há dúvidas de que a “brincadeira” de mau gosto dos réus gerou sérios prejuízos de ordem moral para o autor, tendo sido o réu E. responsável pela circulação das fotos na internet. Os demais, M., G e F. foram os responsáveis pela produção das fotos e, desta forma, concorreram para a circulação das mesmas. Caso a “brincadeira” dos réus se limitasse apenas aos escritos e desenhos obscenos, as conseqüências não seriam de tal monta e certamente seriam relevadas pelo autor que, como afirmou, somente resolveu tomar providências após ver as fotos em que aparece em situação vexatória na Internet. Todavia, o certo é que os réus, sendo dois deles, na época, ainda menores de idade (G. e F.), extrapolaram o bom senso e envidaram esforços para ultrajar e ridicularizar o autor, também menor à época, publicamente. A responsabilidade dos genitores de G. e F. é patente, mesmo porque, como afirmado na própria contestação: “Na verdade Excelência, as dificuldades manifestas na economia atual empurram pessoas como o Autor na busca de um outro meio de vida que lhe proporcione um rendimento absurdo, como no caso em tela, em que menores e adolescentes desocupados, buscam formas radiais (sic) para extravasarem suas graças (...)” (fls. 71 – ultimo parágrafo). De fato, trata-se de um ato de vandalismo perpetrado por pessoas que não tendem a procurar algo útil para fazer, preferindo enveredar pelo caminho maléfico do vício do álcool e, em momentos de “graça”, se aprofundarem da esfera da imoralidade e do desrespeito ao ser humano.
Desnecessário frisar que o autor não pediu para ser pintado e desenhado para, posteriormente, se valer desse fato para obter vantagem pecuniária numa demanda cível. É mais do que claro que o autor se achava em um estado tão deplorável que os próprios réus admitiram que ele não tinha “reação”, em face da embriaguez. Temos aqui mais uma razão para estes jovens rapazes assumirem seus erros e aprenderem que não se deve humilhar as pessoas no seu momento de “graça”, aproveitando-se de oportunidade oferecida pela ridícula situação em que se encontrava o autor. Diante do conjunto probatório e das conclusões acima, não há dúvida quanto à efetiva participação nos fatos também do réu E.
Os pais, se fossem mais responsáveis e se investigassem e buscassem saber com quem seus filhos andam, certamente teriam evitado transtornos, como os do caso retratado nos autos de serem responsabilizados pelos erros de seus filhos. É notório e saliente na mídia o envolvimento de adolescentes e jovens com o abuso do álcool, e o fato de que isto tem ceifado a vida de tantos nos dias atuais. Sem sombra de dúvida, não se pode perder de vista que o autor concorreu e até deu ensejo às “brincadeiras”, tendo em vista seu estado de coma alcoólico. Este fato deve ser considerado na fixação da indenização, haja vista a parcela de culpa com que concorreu para os fatos de que foi protagonista.
Por fim, ainda quanto às provas dos autos, devem ser bem analisadas as fotos de fls. 27/30, de onde se extrai a condição deplorável em que jazeu o autor e, ainda, o fato haver sido feita a circulação das fotos na internet (fls. 31 – “Fotologbr”). As fotografias dispensam maiores argumentações no tocante ao vexame pelo qual foi submetido o autor. Não restam, portanto, dúvidas acerca da responsabilidade civil dos réus e da existência do nexo da causalidade entre os fatos ilícitos produzidos e os danos morais suportados pelo autor. Os danos morais a serem fixados devem levar em conta a conduta dos réus, o vexame proporcionado ao autor, além do abalo psíquico experimentado por este de forma direta.
Todavia, é excessivo o valor pleiteado na inicial de 200 salários mínimos (fls. 18 e 19). Sendo devida a reparação, o valor desta deve ser arbitrado segundo o prudente arbítrio do julgador, como tem sido a orientação da jurisprudência de nossos tribunais. No que tange à valoração da reparação moral, devem ser levados em conta a dor experimentada pela vítima, as circunstâncias e conseqüências do fato, o grau de culpa dos ofensores, bem como a situação econômico-social das partes. Razoável e suficiente a fixação da indenização por danos morais em 100 (cem) vezes o valor do salário mínimo vigente à época do efetivo pagamento, levando-se em conta, para tanto, os fatores acima mencionados, principalmente a conduta da própria vítima, que se apresentou embriagada, dando ensejo às brincadeiras que, segundo consta, ele também costumava praticar. III.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE a Ação de Indenização por Danos Morais proposta por L. F. DE G. em face de M. B. S. N., G. S. N., F. R. B. e E. P. O. B. para o fim de condenar os réus, solidariamente, a pagarem ao autor, a título de reparação de dano moral, a importância equivalente a 100 (cem) vezes o valor do salário mínimo vigente na data do efetivo pagamento.
Em face da sucumbência recíproca das partes, porém predominante dos réus, ratearão autor e réus, na proporção de 1/3 (um terço) e 2/3 (dois terços), respectivamente, o pagamento das custas judiciais e despesas processuais, bem como, na mesma proporção, os honorários advocatícios, estes fixados em 12% (doze por cento) do valor da condenação, observando-se em relação às partes o disposto no artigo 12 da Lei 1.060/50 (fls. 64 e 104). P. R. I. C.
Presidente Prudente, 25 de março de 2008.
LEONINO CARLOS DA COSTA FILHO
JUIZ DE DIREITO
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