Invasões na USP
O diretor da Faculdade de Direito da USP, João Grandino Rodas, envia mensagem à redação de Migalhas para prestar contas acerca das decisões tomadas na semana passada. Veja abaixo.
São Paulo, 27 de agosto de 2007.
Possui o presente o único intuito de prestar contas acerca das decisões tomadas na passada semana.
No dia 21 de agosto, por volta das 18:30h, já em curso as aulas do período noturno na Faculdade de Direito da USP, dezenas e dezenas de simpatizantes da Educafro começaram a se reunir na Sala dos Estudantes. Pouco depois, irromperam no prédio principal da Faculdade, com suas bandeiras e tambores, seguidos por numerosos membros do Movimento dos Sem Terra, com seus colchões, caixas de víveres e insígnias, além de cerca de vinte e cinco crianças. Outros movimentos o seguiram, com muito alarido. A passarela que une o citado edifício ao anexo I da Faculdade e outros corredores foram bloqueados com móveis, e passaram a ser controlados; funcionários, professores e alunos foram retidos por até meia hora; e portas foram lacradas com correntes de grosso calibre e cadeados pelos invasores.
Uma vez guardados os pontos estratégicos, cerca de trezentas pessoas se instalaram no pátio e iniciaram um grande show, com a presença do cantor Tom Zé. O objetivo de permanência, além de ter sido vocalizado como ponto insuscetível de discussão, era comprovável materialmente.
Quem deseja apenas fazer uma manifestação não carrega consigo cerca de oitenta colchões, caixas e caixas de comida e bebida, além de escudos humanos infantis! Apenas começado o espetáculo, um grupo de representantes dos invasores exprime o desejo de negociar. Naquele momento, nenhum grupo estudantil tendo reivindicado protagonismo ou participação na invasão, o atual Presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto ofereceu-se para mediar acordo entre a diretoria da Faculdade e os ocupantes: mediação, de per si, implica em não ser parte!
Face ao quadro acima descrito, em contato permanente com a Magnífica Reitora da USP, decidi que, por dever de ofício, o estado de coisas deveria ser revertido.
A oferta de negociação constituía-se em eufemismo para a imposição de inaceitável fato consumado. Justamente por isso não houve, em nenhum momento, qualquer acordo aceitando a permanência dos invasores nas dependências da Faculdade. Até porque os bens públicos de uso especial estão adstritos a um regramento legal que exige do administrador o zelo necessário a sua destinação. Além disso, a Faculdade possui objetivos meios e objetivos fins, cuja busca não pode ser interrompida sob pena de responsabilização civil e penal de seu diretor, a quem cabe, ademais, velar pela integridade de alunos, funcionários e professores.
Face ao esbulho possessório e ao risco que corriam pessoas e o imóvel tombado, o pedido para que a Polícia Militar retirasse os invasores, com as cautelas devidas, era não somente legal, como também legítimo.
Se de um lado não é usual nem desejável a entrada da polícia nas dependências da Faculdade, de outro não se tem notícia de uma invasão concertada de movimentos sociais nas centenárias Arcadas.
A polícia não entrou para sufocar discussões e mesmo protestos, ínsitos à democracia. Impediu apenas a continuação de ilegalidades, como o cerceamento do direito de ir e vir das pessoas que estudam e trabalham no local e a interrupção do processo educativo, garantindo, enfim, que uma faculdade pública, construída com muitos esforços em cento e oitenta anos, pudesse continuar a cumprir seu papel, sua verdadeira função social.
Malogrado o intento e desalojados os invasores, dois fatos são dignos de nota. Membros dos movimentos sociais, em altos brados diziam: "não somos invasores, fomos convidados pelo Centro Acadêmico XI de Agosto".
Somente então simpatizantes da UNE e a atual diretoria do referido centro acadêmico passaram a brandir o argumento da presença estudantil e a invocação da democracia. Esta soava falsa, após os atos autoritários e ilegais que acabavam de ser praticados.
Convidado pelo atual Presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, reuni-me com os alunos no dia 23 do corrente, quinta-feira, das 19:00h às 21:15h, na Sala dos Estudantes para uma Conversa Aberta, sobre os episódios em questão.
A referida sala e seu espaço lateral contavam com cerca de trezentos alunos.
Após a minha fala e a do Professor Marcus Orione Gonçalves Correia, expressaram-se dezenas de alunos.
Cerca de oitenta por cento dos presentes apoiavam a liberação, enquanto o restante não. Um dos aspectos discutidos pelos alunos foi se o atual Presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto tinha ou não conhecimento prévio da invasão da Faculdade. Acabou por assumir que soubera do que iria ocorrer na semana anterior! Tal afirmação denota, no mínimo, conivência! Por outro lado, vários dos alunos que se pronunciaram condenando a desocupação, afirmaram ser de outras Unidades da USP e confessaram, espontaneamente, haver participado da tomada e ocupação da Reitoria no primeiro semestre deste ano. Pela primeira vez, percebi elo efetivo entre o ocorrido na Reitoria da USP e no Largo de São Francisco. Veio-me então à mente que, nos últimos tempos, nossos alunos e professores vêm sendo refratários a aderir às greves anuais que se sucedem na Universidade. E que, no primeiro semestre do corrente ano, apesar dos ingentes esforços da atual diretoria do Centro Acadêmico XI de Agosto, nossos alunos rejeitaram a declaração de greve.
Assim, paralização, somente se fosse importada!
Estava programada para o dia 24 de agosto uma série de manifestações no centro da cidade, em que se esperava a participação de multidões e que poderiam desencadear novos incidentes que colocariam em risco alunos, funcionários e professores, além do próprio prédio. Nesse sentido, medida administrativa de natureza cautelar foi tomada, com ciência da Magnífica Reitora, suspendendo o expediente, as aulas e demais atividades acadêmicas programadas para aquele dia.
O Território Livre de São Francisco continua a existir, preservado e aberto para acolher debates de idéias que conduzam, inclusive, às mudanças sociais de que o Brasil anseia e necessita. Espera-se que os movimentos sociais respeitem e se aliem a Universidade, pois é no recinto desta que se encontra o ambiente propício para a discussão e o avanço de seus legítimos propósitos.
Atenciosamente,
João Grandino Rodas
Diretor
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Clique no documento abaixo e confira o arquivo original da mensagem enviada à redação de Migalhas.
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