Em importante decisão, a 3ª seção do STJ estabeleceu que medidas protetivas de urgência para mulheres vítimas de violência doméstica devem ser mantidas por tempo indeterminado, enquanto houver risco à segurança da vítima. Ao fixar tese (veja abaixo), o colegiado considerou a importância de assegurar a proteção contínua e efetiva das vítimas, independentemente de a violência ser tipificada em inquéritos policiais ou processos penais.
Em voto condutor, o ministro Rogerio Schietti comparou as medidas protetivas a uma "tutela inibitória", uma proteção jurídica que visa impedir a ocorrência de novas violências e riscos.
Schietti observou que "as medidas protetivas de urgência são autônomas em relação ao processo principal, com dispensa da vítima quanto ao oferecimento de representação em ação penal pública condicionada".
O ministro ainda citou o parágrafo 5º, do artigo 19, da lei Maria da Penha, que determina que "as medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou civil, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência".
Segundo enfatizou Scheitti, a função dessas medidas é proteger a integridade física, psicológica e moral da vítima, e não proteger o processo judicial.
O voto foi respaldado, ainda, por pesquisas que demonstram que medidas protetivas efetivamente evitam o feminicídio, conforme apontado em estudo do Ministério Público de São Paulo, que "em 97% dos casos de violência contra a mulher em que houve a concessão de medidas protetivas evitou-se o feminicídio".
Risco persistente e proteção contínua
Schietti ressaltou que a natureza das medidas exige que sua vigência seja condicionada à continuidade do risco à mulher, e não ao desenrolar do processo judicial. O ministro afirmou não ter dúvidas em afirmar que se mostra perfeitamente possível que, mesmo sem a instauração de um inquérito policial ou com seu arquivamento, permaneça o risco de violência doméstica.
Para o ministro, limitar as medidas protetivas ao tempo de um processo criminal pode deixar a mulher em situação de vulnerabilidade. Ele destacou que, em alguns casos, "a revogação da medida protetiva poderia representar, na prática, uma exposição de risco à mulher, que poderia sofrer violência não apenas física, mas também psicológica e moral".
Revisão e durabilidade das medidas
O ministro defendeu que as medidas protetivas não precisam ter um prazo fixo de revisão periódica, mas podem ser reavaliadas a pedido da vítima, do acusado ou por decisão do magistrado, sempre que houver indícios concretos de que o risco foi eliminado.
Schietti enfatizou que "a proteção deve durar enquanto persistir a situação de risco", e que a vítima não deve ser obrigada a reiterar seu pedido de proteção a cada poucos meses, o que poderia acarretar constrangimento e revitimização.
Assim, Schietti propôs as seguintes teses:
(i) as medidas protetivas de urgência têm natureza jurídica de tutela inibitória e sua vigência não se subordina a existência atual ou vindoura de boletim de ocorrência, inquérito policial, processo cível ou criminal;
(ii) a duração das medidas protetivas de urgência vincula-se à persistência da situação de risco à mulher, razão pela qual deve ser fixadas por prazo temporalmente indeterminado;
(iii) eventual reconhecimento de causa de extinção de punibilidade, arquivamento inquérito, ou absorção do acusado, não origina, necessariamente, a extinção da medida protetiva de urgência, máxime pela possibilidade de persistência da situação de risco ensejadora da concessão da medida;
(iv) não se submetem a prazo obrigatório de revisão periódica, mas devem ser reavaliadas pelo magistrado, de ofício, ou a pedido do interessado, quando constatado concretamente o esvaziamento da situação de risco. A revogação deve ser sempre precedida de contraditório, com as oitivas da vítima e do suposto agressor.
Ministro Sebastião Reis Jr. sugeriu que a vítima seja comunicada sobre o resultado final. A sugestão foi acatada pelo relator e pelo colegiado.
Proteção efetiva e urgente
Acompanhando integralmente o ministro Rogerio Schietti, a ministra Daniela Teixeira, proferiu voto destacando sua experiência de mais de 20 anos no combate à violência contra a mulher, citando dados alarmantes que refletem a gravidade do problema no Brasil.
A ministra ressaltou que a violência doméstica é "a maior epidemia do Brasil" e destacou a importância das medidas protetivas como instrumento essencial para garantir a segurança das mulheres. "Medidas protetivas de urgência salvam vidas", afirmou, reforçando a necessidade de que essas proteções permaneçam enquanto houver qualquer ameaça.
A ministra também salientou a urgência em focar na eficácia das medidas protetivas, ao invés de debater prazos ou limitações que possam comprometer sua aplicação. Com base no aumento dos casos de feminicídio e agressões contra mulheres, Daniela pontuou: "se estamos falhando em proteger essas mulheres, é porque algo no sistema precisa ser revisto e fortalecido".
Em seu voto, Daniela destacou números do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que indicam que mais de 540 mil mulheres atualmente contam com medidas protetivas de urgência em vigor no Brasil. A ministra alertou que "esse julgamento interessa diretamente a essas 540 mil mulheres, que estão protegidas hoje contra seus agressores e aguardam o que vamos decidir".
A ministra ainda apresentou dados do DataSenado e do Atlas de Segurança Pública, mostrando que 30% das brasileiras já sofreram violência doméstica e que casos de violência aumentaram no último ano. Segundo Daniela, tais dados demonstram que as medidas protetivas são um recurso essencial para prevenir novos atos de violência e mortes de mulheres vítimas de violência doméstica.
Assim, por maioria, o colegiado fixou as teses propostas pelo ministro Rogerio Schietti.
- Processos: REsp 2.070.863, REsp 2.070.717, REsp 2.070.857 e REsp 2.071.109