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"Falta trabalho", diz defensor sobre pecúlio para item de higiene a preso

O defensor público Rafael Rapharelli destacou que o trabalho prisional é crucial para gerar pecúlio, mas a falta de vagas limita o acesso aos presos.

12/11/2024

Recentemente, a 6ª turma do STJ determinou, em decisão inédita, a liberação antecipada do pecúlio de detento para a compra de materiais de higiene pessoal. O recurso foi julgado procedente sob a relatoria do ministro Sebastião Reis Jr., que destacou a importância de garantir a dignidade mínima dos presos em um sistema prisional notoriamente precário. O caso, oriundo de Santa Cruz do Sul/RS, expôs o debate sobre as responsabilidades do Estado em relação às condições de vida no cárcere.

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Durante a sessão, o ministro relator sublinhou que a antecipação do pecúlio é justificada quando há provas de que o Estado não está fornecendo adequadamente itens básicos, como higiene pessoal e vestuário. “Não se pode presumir que o sistema prisional brasileiro, reconhecido pelo STF como estando em estado de coisas inconstitucionais, oferece condições mínimas a todos os detentos”.

O que é pecúlio?
O pecúlio, conforme a legislação, corresponde ao valor remanescente do trabalho remunerado do apenado, aplicado em poupança e revertido em seu favor quando obtiver liberdade. Se solicitado antecipadamente, o uso do valor deve ser justificado e analisado pelo juiz da execução, que deve verificar se enquadra em alguma das hipóteses de desconto autorizadas pela lei, priorizando a ordem de preferência prevista.

O defensor público Rafael Rapharelli, que acompanhou o caso no STJ, concedeu entrevista ao Migalhas destacando o papel essencial do pecúlio. "Esse valor serve como suporte financeiro imediato para o egresso, mas em situações excepcionais, como a falta de itens essenciais no presídio, é possível solicitar a liberação antecipada", afirmou.

Rapharelli mencionou que o pedido havia sido indeferido nas instâncias inferiores, com o TJ/RS argumentando que as necessidades do preso eram atendidas. No entanto, o defensor ressaltou que a realidade prisional é outra. 

“O que me chamou a atenção foi que a própria magistrada reconheceu, na época, que o Estado não estava cumprindo adequadamente o dever de garantir a dignidade mínima do preso, como o fornecimento de materiais de higiene e vestuário. Ainda assim, a decisão do Tribunal afirmou que o Estado atendia satisfatoriamente essas necessidades e que não havia nenhuma excepcionalidade que justificasse a antecipação do pecúlio para o preso.”

Ele também ressaltou a falta de sensibilidade do sistema de Justiça, que por vezes adota uma postura excessivamente rigorosa em relação aos direitos dos presos.

"O sistema de Justiça, na execução penal, quando precisa fiscalizar as obrigações do Estado, às vezes aplica uma régua muito dura ao preso. Na execução penal, o Ministério Público também deve atuar como guardião dos direitos do preso, não apenas para restringir a saída ou evitar a reincidência. Uma das funções da execução penal é a reintegração social, e quando o Estado não garante condições mínimas de dignidade, o detento acaba saindo pior do que entrou."

Ademais, o defensor também ressaltou o impacto dessa situação sobre as famílias dos presos. "Muitas vezes, são os familiares que arcam com as despesas, o que compromete gravemente o sustento da família. Impedir o uso do pecúlio para essas necessidades básicas não apenas agrava a situação do preso, mas também penaliza indiretamente famílias já vulneráveis", afirmou.

Confira a entrevista completa:

Trabalho na prisão

Rafael Rapharelli explicou que o trabalho no sistema prisional é a principal maneira de os detentos conseguirem o pecúlio, remunerado com pelo menos 3/4 do salário mínimo, embora haja uma oferta insuficiente de vagas. "Muitos presos querem trabalhar, não só pela remuneração, mas também pela remição da pena. Mas o sistema não tem capacidade para oferecer trabalho a todos", afirmou.

Segundo ele, a cada três dias trabalhados, o detento tem um dia de pena descontado, e a remuneração é depositada em uma caderneta de poupança após as deduções obrigatórias.

"Esse valor acumulado serve como suporte financeiro ao preso ao sair da prisão, caso não seja usado para ajudar a família ou cobrir despesas pessoais, permitindo que ele se sustente até conseguir um emprego. A ideia do pecúlio é essa. Mas eu pergunto: por que o preso não pode usar o fruto do seu trabalho para comprar um xampu, um desodorante ou um creme de barbear?"

Defensoria pública

Por fim, Rapharelli também comentou sobre a atuação da Defensoria Pública, que atende mais de 90% da população carcerária. "A pessoa, quando é privada de liberdade, muitas vezes é abandonada, até pela família. E os advogados que acompanham o processo inicial nem sempre conseguem continuar acompanhando a execução penal, especialmente sem condições financeiras. A Defensoria é, portanto, a única voz desses presos no sistema de Justiça, mas para garantir esse acesso, é necessário ter um número adequado de defensores em todas as comarcas", finalizou.

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