Nesta segunda-feira, 4, a ANPD - Autoridade Nacional de Proteção de Dados determinou que o TikTok adote medidas para regularizar suas práticas de tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes.
Prevista no art. 35 do regulamento de fiscalização da ANPD, a medida de regularização corrige práticas inadequadas dentro de um prazo determinado. Ela descreve as providências necessárias para que a empresa se adeque às exigências legais.
A entidade instaurou também um processo administrativo sancionador para investigar possíveis infrações da plataforma. A decisão segue processo de fiscalização iniciado em 2021 e marca nova etapa no monitoramento das práticas da rede social.
A análise técnica da autoridade identificou sinais de descumprimento da LGPD pela plataforma, especialmente no que diz respeito ao princípio do melhor interesse de crianças e adolescentes.
Entre as irregularidades constatadas, destaca-se a fragilidade dos mecanismos de verificação de idade, o que pode violar o art. 14 da LGPD, que impõe diretrizes específicas para a proteção desse público.
Segundo o advogado especialista em LGPD Alexandre Atheniense, um dos principais desafios enfrentados pelas plataformas digitais é implementar mecanismos de verificação de idade realmente eficazes, com confiabilidade suficiente para impedir o acesso de crianças a conteúdos inadequados.
Apesar de alegarem dificuldades técnicas, Atheniense questiona a falta de plano de contingência, considerando o capital e recursos disponíveis para plataformas de grande porte como o TikTok. Ele destaca que as estratégias de marketing digital muitas vezes entram em conflito com as exigências da LGPD, já que a captação do público infantil é atraente para essas redes.
A advogada especialista em direito digital, Patrícia Peck, destacou a importância de as plataformas, como o TikTok, cumprirem as normas estabelecidas pela LGPD e pelo ECA. Afirmou que os principais desafios envolvem aspectos culturais, comportamentais e o uso de recursos técnicos para verificar a idade dos menores.
Peck também enfatizou a necessidade de mecanismos que promovam transparência para os pais e reforcem o controle de idade, apontando para o enunciado 1 da ANPD, que determina que o tratamento de dados pessoais deve estar sempre alinhado ao melhor interesse das crianças e adolescentes, já que há uso cada vez mais precoce das tecnologias pelas crianças.
Determinações
Para corrigir essas questões, a Coordenação-Geral de Fiscalização da ANPD determinou que o TikTok adote as seguintes ações:
- Desativar, em até 10 dias úteis, o recurso "feed sem cadastro" no Brasil, garantindo que menores não acessem a plataforma sem cadastro prévio e verificação de idade, considerando o risco de incompatibilidade dessa prática com a legislação vigente.
- Apresentar, em 20 dias úteis, plano de conformidade que reforce mecanismos de verificação de idade e aprimore protocolos para excluir contas de crianças e implementar mecanismos de assistência e representação para adolescentes, de modo que o cadastro seja realizado com o apoio de pais ou responsáveis.
Alexandre Atheniense sugere que métodos como verificação por documentos, o uso de inteligência artificial para identificar perfis de menores e cruzamento de dados com outras plataformas podem ser alternativas viáveis para aprimorar o controle de idade.
Questionários específicos para identificar a faixa etária e o oferecimento de opções de controle parental também são citados como formas de proporcionar uma experiência digital mais segura para crianças e adolescentes. Ele ressalta ainda que o sucesso dessas medidas depende de um monitoramento constante e do aprimoramento dos sistemas para acompanhar as estratégias de usuários que tentam contornar as verificações.
Processo sancionador
Já o processo sancionador examinará as práticas do TikTok, com foco em:
- A coleta de dados de crianças e adolescentes sem cadastro e verificação de idade, o que sugere tratamento inadequado de dados pessoais sem base legal válida.
- O tratamento de dados de menores registrados na plataforma, onde os mecanismos de verificação de idade se mostraram ineficazes, expondo-os a tratamento irregular de dados.
- A personalização de conteúdo no "feed sem cadastro" sob a justificativa de execução de contrato, o que pode desconsiderar o melhor interesse desse público vulnerável.
Ao final do processo, a Coordenação-Geral de Fiscalização poderá aplicar sanções, conforme os critérios de dosimetria regulamentar.
O advogado ressalta que o TikTok poderá enfrentar severas sanções caso não atenda às exigências da ANPD.
De acordo com a LGPD, a plataforma pode ser multada em até 2% do faturamento no Brasil, com um limite de R$ 50 milhões por infração. Outras penalidades incluem advertências, exigências de adoção imediata de correções e até a suspensão parcial ou total das atividades da empresa no país.
Segundo Alexandre, não é a primeira vez que o TikTok enfrenta sanções por violar leis de proteção de dados de menores.
Em 2023, a Comissão de Proteção de Dados da Irlanda multou a plataforma em € 345 milhões (cerca de R$ 1,8 bilhão) por permitir que qualquer pessoa pudesse acessar conteúdos publicados por menores.
Nos Estados Unidos, o TikTok foi alvo de uma queixa na FTC - Federal Trade Commission por violar a privacidade das crianças, resultando em uma multa de US$ 5,7 milhões (aproximadamente R$ 33, 5 milhões).
Em relação às consequências para as plataformas, a advogada Patrícia Peck alertou sobre o risco de responsabilização administrativa ou a obrigação de ressarcimento por danos morais e materiais caso ocorra alguma situação que coloque em risco a saúde, vida ou segurança dos menores. "Os mecanismos para confirmação de identidade servem como camada de proteção e blindagem para a própria plataforma", completou.
Segundo a advogada Alessandra Borelli, especialista em Direito Digital e Proteção de Dados e sócia da banca Opice Blum Advogados Associados, "essa ação reforça a importância de proteger crianças e adolescentes no ambiente digital, exigindo que plataformas globais adotem medidas eficazes de verificação de idade e assegurem um ambiente mais seguro para este público, alinhando práticas digitais ao melhor interesse destes e garantindo a privacidade e proteção de seus dados pessoais".
Tempo de tela
Em outubro, o Instituto Alana ajuizou ação civil pública contra as redes sociais Meta, TikTok e Kwai, visando proteger crianças e adolescentes de riscos à saúde associados ao uso excessivo dessas plataformas.
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A ação, movida pela organização de direitos infantis, alega que as empresas falham em adotar mecanismos para mitigar os impactos negativos que seus conteúdos e sistemas algorítmicos podem ter na saúde mental e física dos menores. O instituto busca que as plataformas implementem ferramentas de controle de tempo e de bloqueio de conteúdos prejudiciais, além de alertas sobre o uso prolongado, conforme determinações do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente.