Em Brumadinho, Minas Gerais, um casal de namorados, juntos desde a adolescência, planejava o casamento após 15 anos de relacionamento. Em janeiro de 2019, deram início aos preparativos na Igreja Matriz da cidade. No entanto, o sonho foi interrompido pela tragédia do Córrego do Feijão, em 26 de janeiro do mesmo ano. Djener Paulo Las Casas Melo, o noivo, operador de máquinas, estava entre as 272 vítimas.
Ketre Menezes de Paula, a noiva, viu-se obrigada a comprovar na Justiça o seu direito à indenização pela morte do noivo, o chamado “dano moral em ricochete”. Para isso, reuniu cartas de amor, fotos e a declaração da paróquia. A jurisprudência trabalhista, geralmente, presume esse dano para o núcleo familiar básico (cônjuge, filhos e pais). Recentemente, o TST estendeu o reconhecimento aos irmãos. Em outros casos, como o de Ketre, a comprovação do laço afetivo é essencial.
A microempresária buscou a indenização por afeto, enfrentando a “ilegitimidade” frequentemente alegada em ações autônomas de dano em ricochete. “Durante o processo, eles duvidaram da minha história com ele (o noivo) o tempo inteiro”, declarou Ketre, que se sentiu acusada de oportunismo. A contestação da empresa se baseava na possível banalização do dano moral caso a reparação fosse estendida a todos que sofreram com a perda.
Para o advogado de Ketre, Wilson Paz, a alegação de banalização em tragédias como a de Brumadinho afronta a dignidade da Justiça. Ele defende a punição exemplar para evitar a repetição de tais eventos. Em abril de 2022, o TST reconheceu o direito de Ketre à indenização. A sentença foi cumprida meses depois.
Cinco anos e oito meses após a tragédia, Ketre conta que a cidade ainda vive sob a sombra da injustiça e da saudade. “Cada passo traz uma lembrança, cada conquista traz um desafio: o desafio de ter que lidar com o passado, viver o presente e almejar o futuro com justiça feita”.
A compreensão dos novos arranjos familiares é outro ponto sensível nesses casos. Em 2011, o STF reconheceu a união homoafetiva como núcleo familiar. Nos casos de dano em ricochete, os julgadores devem considerar não apenas os laços biológicos e matrimoniais, mas também o princípio da afetividade.
Em outro processo, o companheiro de uma vítima de Brumadinho, que comprovou união estável de mais de três anos, também teve seu pedido de indenização por dano moral em ricochete contestado pela empresa. As provas, contudo, demonstraram o forte vínculo afetivo, levando ao reconhecimento do direito à reparação.
O ministro do TST, Agra Belmonte, esclarece que o dano é extrapatrimonial, relacionado ao sentimento, e pode abranger qualquer pessoa com “afinidade próxima”. “O critério é afinidade”, afirma.
Segundo a Vale, as indenizações trabalhistas por danos morais e materiais em Brumadinho ultrapassam R$ 1,166 bilhão, beneficiando mais de 2,5 mil pessoas. Além disso, R$ 400 milhões foram depositados a título de dano moral coletivo, com destinação a ser definida por um Comitê Gestor. A empresa não informou o valor específico destinado aos casos de dano moral em ricochete.
O Tribunal omitiu o número do processo.
Com informações do TST.