Falecimento
No último final de semana, faleceu o ilustre advogado Waldemar Zaclis.
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Migalhas n° 887
Morreu neste fim de semana o advogado Waldemar Zaclis. Formado em 1945 pela Faculdade de Direito do Largo de S. Francisco, Zaclis se tornou rapidamente um respeitado e combativo advogado. Nascido na Romênia, há 85 anos, veio para o Brasil aos quatro anos de idade. Representou o Centro Acadêmico XI de Agôsto no futebol, uma de suas paixões. Jogou profissionalmente no São Paulo Futebol Clube de 1938 a 1943.
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Migalhas dos Leitores
"Como acadêmico do 3º ano do Largo São Francisco, gostaria de esclarecer um ponto abordado que diz respeito aos órgãos discentes da Faculdade. A respeito da matéria informando o falecimento do ilustre jurista Waldemar Zaclis, publicada no Migalhas 887, informo que a entidade defendida pelo romeno foi a Associação Atlética Acadêmica XI de Agosto, fundada em 1933, e não o centenário Centro Acadêmico. São órgão representativos distintos e independentes há 70 anos. Vez que formado em 1945, Zaclis só pode ter representado a egrégia Atlética durante sua graduação. Obrigado pela atenção e saudações acadêmicas!" Fernando Pereira de Araújo, Tesoureiro da AAA XI de Agosto em 2004.
"Gostaria de atentar quanto a um pequeno deslize cometido por esse poderoso rotativo: O ilustre franciscano Waldemar Zaclis justamente homenageado dificilmente teria representado o Centro Acadêmico XI de Agôsto no futebol, mas representou sim a Associação Atlética Acadêmica XI de Agosto, esta a entidade responsável pela difusão dos esportes na Velha e Sempre Nova Academia. Os migalheiros Atleticanos com certeza sentiram seus brios arrepiados: Nossa Atlética é hoje uma das mais vitoriosas do Brasil, sendo há muito desvinculada do Centro Acadêmico." Paulo Tarso R. de C. Vasconcellos - Franciscano, Enxadrista, Karateka e Rugbier pela AAA XI de Agosto.
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Saudade
Na qualidade de filho do saudoso Waldemar Zaclis, gostaria de deixar registrado assistir plena razão aos leitores Fernando Pereira de Araújo e Paulo Tarso R. de C. Vasconcellos.
Com efeito, meu pai defendeu, e com muita honra, a Associação Atlética Acadêmica XI de Agosto, fundada em 1933, não o Centro Acadêmico XI de Agosto. Por outro lado, tendo em vista haver sido ele qualificado como “romeno” no e-mail de Fernando Pereira de Araújo, gostaria, se me for permitido, de aproveitar o ensejo para, em homenagem à sua memória, fazer um breve relato histórico.
Trata-se do seguinte: meu pai nasceu numa região da Europa Oriental, conhecida como Bessarábia, e que corresponde, atualmente, à República da Moldávia. Essa região, durante sua história, ora fez parte da Rússia, ora da Romênia, ora da União Soviética. A família de meu avô, Carlos Zaclis, morava numa pequenina cidade, Telenesti, a cerca de 80 km da capital Kishinev, que se tornou famosa, há cerca de 100 anos, pelos “pogroms” contra os judeus, considerados cidadãos de segunda classe. Lá ele tinha uma pequena propriedade agrícola e era presidente da Cooperativa de Agricultores da cidade, uma espécie de banco rural. A vida da família era razoável do ponto de vista econômico. No entanto, ele decidiu deixar tudo para trás, em busca de liberdade.
Com vinte e poucos anos de idade, abandonou tudo e veio para o Brasil, pois sonhava pudessem seus descendentes viver em um país livre. Comprou uma passagem de navio, nele embarcou sozinho, com todos os seus pertences reunidos numa pequena mala, praticamente sem dinheiro, e sem falar uma palavra de português. Aqui chegando, trabalhou duro durante um ano, mais de 16 horas por dia, a fim de juntar o necessário para trazer a família que lá havia deixado: minha avó, com cinco pequeninas crianças, entre as quais meu pai, que aqui chegou com a idade de 4 anos. Meus avós chegavam, muitas vezes, a passar fome, a fim de economizar dinheiro para investir na educação dos filhos. Um dos irmãos de meu pai, José Zaclis, foi um grande neurocirurgião, Professor da Faculdade de Medicina da USP, cuja tese de livre-docência foi publicada em diversos idiomas, até em chinês. Foi o introdutor da Tomografia Computadorizada no Brasil, tendo importado o primeiro tomógrafo para o Hospital Beneficência Portuguesa. Traduziu o manual e formou as primeiras turmas de especialistas. Entre outras realizações, criou, com recursos próprios, a Funproneuro, uma fundação destinada ao progresso da neurocirurgia e da neuroradiologia. Além disso, desenvolveu diversas técnicas cirúrgicas, bastando dizer que a sala de “Cirurgia Estereotáxica” do Hospital das Clínicas da USP ostenta o seu nome.
Outro irmão dele, Sruli Zaclis, foi industrial, campeão brasileiro de adestramento eqüestre, tendo sido convocado para representar o Brasil nas Olimpíadas de 1964. Só não realizou seu grande sonho por haver falecido meses antes do evento. Aprendi com meus maiores a respeitar todos os povos. Mas minha família decidiu nunca mais voltar para a região de onde saiu. Meu pai jamais falou romeno em toda a sua vida, de romeno não sabia uma única palavra. Ele apenas nasceu naquela região, nada mais. Romeno não era e romeno não podia ser porque lá prevalecia o “ius sanguinis”. E romeno jamais quis ser.
Era brasileiro até a raiz do cabelo. Brasileiro por opção livre e consciente, manifestada após a maioridade. Em virtude de prevalecer o “ius soli”, basta alguém aqui nascer para se tornar brasileiro automaticamente. Até 1.500, brasileiros, mesmo, eram apenas os bororos, os ianomâmis, os nhambiquaras, os caiapós, os xavantes, os macuxis, os ingaricós, os taurepangues, os uapixanas, os patamonas, os caiovás, os guaranis, os caetés, os terenas, os paracanãs, etc, etc, etc.
Com a chegada das caravelas de Cabral, por aqui aportaram os lusitanos, dentre eles muitos cristãos-novos fugidos da Inquisição. E, a partir daí, começaram a chegar imigrantes de outras plagas, uns antes, outros depois, todos se tornando brasileiros, pois o Brasil, país de imigração, adotou o “ius soli”, democrático e pacificador. Um de meus sócios tem sobrenome de origem italiana (Luchesi); outro, de origem ibérica (Campos Salles de Toledo). Neste país livre, brasileiros todos somos, independentemente da origem do nome, desde que aqui nascidos ou naturalizados. No entanto, não basta nascer num determinado país, assim como não basta naturalizar-se, para dele ser um cidadão na acepção do termo. Muitos há que aqui simplesmente nascem, e nada mais fazem para tornar-se bons brasileiros. Espoliam, fraudam, assaltam os cofres públicos, corrompem, etc. Será que os brasileiros de bem se orgulham deles ? Suspeito que não. No entanto, tenho certeza absoluta de que centenas e centenas, senão milhares de brasileiros se orgulham de minha família. Porque meu avô, de quem me orgulho enormemente, foi o patriarca de uma família que vem contribuindo muito para o progresso de nossa terra. Para ser um cidadão de verdade, há que regar o solo pátrio com suor e com lágrimas. Há que contribuir, com esforço, com trabalho, com sacrifício, para o seu desenvolvimento. Há que ensinar os filhos a amá-lo. Tudo isso fez meu avô e tudo isso ele ensinou meu pai a fazer, assim como meu pai também fez tudo isso e ensinou seus filhos a fazê-lo.
Eu, de minha parte, ensinei minhas filhas, e elas, com certeza, ensinarão meus netos. Existem milhares e milhares de brasileiros que amaram e amam o Brasil como meu pai, quer tenham nascido aqui ou não, quer aqui tenham suas famílias vivido por tempo maior ou menor do que a nossa, quiçá por 200, 300 ou 400 anos. No entanto, posso assegurar, sem receio de erro, que dificilmente se encontrará alguém que o tenha amado mais do que meu pai o amou.
Bem por isso, embora tenha sempre respeitado todos os povos do mundo, jamais meu pai se qualificou como romeno e, posso assegurar que jamais concordaria em que como tal o qualificassem. Ele sempre foi e sempre será brasileiro, um grande brasileiro. Por conhecê-lo profundamente, sinto que ele, do Éden onde se encontra, me outorgou, em caráter espiritual, mandato necessário para defendê-lo nesta causa. E, como aluno seu que fui na Advocacia, dele tendo aprendido a não titubear na defesa dos direitos do cidadão, não poderia deixar passar o fato em brancas nuvens.
Atenciosamente,
Lionel Zaclis
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