Apenas 14% dos advogados brasileiros buscam terapia e atendimento psicológico. Foi essa uma das conclusões do estudo PerfilADV - 1º Estudo sobre o Perfil Demográfico da Advocacia Brasileira, pesquisa pioneira da OAB Nacional em parceria com a FGV. De acordo com o levantamento, mais da metade recorre a atividades físicas como estratégia de autocuidado.
O levantamento consultou cerca de 20.885 profissionais inscritos no CNA - Cadastro Nacional dos Advogados e apurou que a maioria dos profissionais adota o exercício físico para manter a saúde e a qualidade de vida. Em contrapartida, a terapia ainda é pouco referida.
Aproximadamente 10 mil dos entrevistados realizam esportes/atividades físicas (52%) e apenas 2 mil fazem terapia (14%).
Os dados estimulam o debate sobre o bem-estar mental e físico na profissão. Na CF, o trabalho é visto como direito social fundamental da ordem econômica e financeira (art. 1º). Assim, relaciona-se à boa qualidade de vida do trabalhador, que deve ser protegido de degradações laborais.
De acordo com Fátima Antunes, mestre em psicologia social e autora do livro “Estresse em Advogados", a advocacia é um dos ofícios mais estressantes do país.
Ela afirma que os altos níveis de estresse ocorrem desde o princípio básico da profissão, porque o cliente, quando procura um advogado, normalmente já esgotou tentativas de acordo, exigindo do profissional uma ação que envolve conteúdo emocional do próprio causídico e das partes.
Além disso, a autora afirma que a advocacia é uma profissão que não garante o resultado. Ou seja, proposta a ação a conclusão não está nas mãos do advogado, dependendo da solução do Judiciário.
Diferenças no gênero
Há uma discrepância significativa na adoção de terapia entre homens e mulheres na advocacia. Entre as cerca de 10 mil advogadas entrevistadas, 20% participam de sessões de terapia para cuidar da saúde mental. Em contraste, entre os 10 mil advogados consultados, somente 8% buscam esse tipo de suporte psicológico.
Fátima comenta que a resistência dos homens em procurar ajuda terapêutica pode ser atribuída a uma cultura patriarcal que minimiza a importância da saúde mental, rotulando-a frequentemente como uma "frescura". A maioria dos homens se mostra relutante em abordar ou envolver-se ativamente com questões de saúde mental.
Por outro lado, as mulheres advogadas enfrentam desafios adicionais decorrentes de uma dupla jornada. Além das exigências profissionais, muitas vezes elas também gerenciam responsabilidades domésticas significativas, aumentando assim seu nível de estresse e a necessidade de apoio psicológico.
Dificuldades em atrair a classe
A psicóloga enfatiza que a percepção de que "terapia é para pessoas fracas" é um equívoco. Na verdade, a terapia é indicada para pessoas fortes, que estão dispostas a confrontar seus dilemas internos. Esta visão errônea frequentemente desencoraja indivíduos de buscar ajuda necessária.
Entre os advogados, essa situação se torna ainda mais complexa. Devido à habilidade de articular pensamentos e argumentos, muitos tendem a propor soluções para seus próprios problemas durante as sessões, o que pode comprometer o processo terapêutico.
Fátima também observa que as universidades preparam advogados para "vencer e serem bem-sucedidos", mas não necessariamente para lidar com as inevitáveis frustrações da profissão. Esse descompasso pode levar a um acúmulo de estresse, que, nem sempre, é adequadamente tratado em um ambiente clínico.
Outro desafio significativo é o costumeiro "vício em trabalho" entre advogados. Fátima sugere que esses profissionais reavaliem suas rotinas e considerem reintegrar atividades prazerosas deixadas de lado após o início de suas carreiras.
Confira a entrevista:
Faixa etária
Entre os 104 advogados entrevistados, com idades entre 21 e 23 anos, cerca de 60% praticam esportes e atividades físicas. Esse índice é comparável ao da geração mais velha, com 60 anos ou mais, que inclui aproximadamente 4.302 advogados e apresenta uma taxa de participação em atividades físicas de 50%.
No entanto, a busca por terapia é significativamente menor em ambas as faixas etárias. Apenas 13 dos advogados mais jovens, cerca de 13%, procuram terapia, enquanto na geração mais velha, composta por 4.302 advogados, apenas 258 buscam esse tipo de auxílio, o que corresponde a aproximadamente 6%.
A comparação entre as duas faixas etárias mostra que, enquanto um em cada oito advogados mais velhos busca serviços terapêuticos, um em cada quatro jovens advogados faz o mesmo.
Fátima Antunes observa que, embora a procura por terapia seja mais prevalente entre os advogados mais jovens, ainda é comum que advogados no início de carreira, independentemente da idade, busquem apoio psicológico.
Renda importa?
Quando analisamos a variável renda familiar, os dados sobre procura por atendimento psicológico mostram pouca variação entre as diferentes faixas, oscilando entre 12% e 17% dos entrevistados que buscam acompanhamento.
Fátima aponta que isso reflete uma tendência atual de maior acessibilidade a serviços psicológicos. Ela destaca que, após a pandemia, as caixas de assistência vinculadas à OAB em estados como Rio de Janeiro, Piauí e São Paulo começaram a financiar e facilitar o acesso a tratamentos psicológicos.
Rumo à mudança
A especialista em psicologia enfatiza que nunca é tarde para mudar a percepção sobre a terapia. Ressalta que, em um mundo onde as atividades são múltiplas e a dinâmica é acelerada, é essencial que os advogados prestem atenção redobrada aos seus níveis de estresse e bem-estar.
Além disso, Fátima observa uma evolução no campo jurídico em direção ao fomento do bem-estar. A profissão tem visto uma diminuição da litigiosidade e um aumento na preferência por conciliações e acordos extrajudiciais, o que contribui para um novo perfil profissional mais focado na qualidade de vida.
Em 2018, por exemplo, a conselheira Federal da OAB, Sandra Krieger Gonçalves, coordenou a elaboração de uma cartilha pela Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da OAB Nacional.
À época, Sandra destacou que o objetivo da cartilha é orientar os advogados a reconhecerem e enfrentarem, sem preconceitos, as doenças relacionadas ao trabalho e incentivá-los a procurar auxílio médico.
Confira a íntegra da cartilha.