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"Tudo pela maritaca": Magistrado solta preso por tráfico e critica policiais por "teatro de horror"

Policiais convenceram homem a concordar com a entrada deles na casa ao avistar uma maritaca, alegando maus-tratos. "Salvaram a maritaca e prenderam o homem, que hoje vale menos do que uma ave", disse o desembargador.

8/4/2024

O desembargador Alcides da Fonseca Neto, da 5ª câmara Criminal do TJ/RJ, concedeu habeas corpus determinando a soltura de um homem preso em flagrante, após tentar se livrar de 11 pinos de cocaína, que estavam vazios, durante operação realizada por policiais em uma residência.

Na decisão, ao considerar ilegal a entrada na residência do acusado, o magistrado criticou a atuação dos policiais. Segundo consta, durante depoimento, os policiais alegaram que, apesar do homem, por várias vezes, não ter autorizado a entrada na residência, eles o convenceram a autorizar o acesso, após avistar uma maritaca no interior da casa, com supostos sinais de maus-tratos.

"Os policiais convenceram o paciente de que deveria concordar com a entrada deles, principalmente porque lá havia uma maritaca aparentemente sofrendo maus-tratos? Trata-se de um verdadeiro teatro de horror, voltado, quase sempre, para os jovens pobres e pretos, moradores da periferia ou de alguma comunidade. Salvaram a maritaca e prenderam o homem, que hoje vale menos do que uma ave", disse o desembargador.

Alcides da Fonseca Neto destacou ainda que somente pretos e pobres passam pelo constrangimento de terem suas casas invadidas, o que não acontece em áreas consideradas mais nobres da cidade, como Ipanema ou Leblon, segundo ele.

"Alguém conhece alguma diligência semelhante que tenha ocorrido nos bairros de Ipanema e Leblon? Nestes bairros, a polícia sequer ultrapassa a portaria, com medo do que possam vir a ser presos."

Para o magistrado, "o processo de seletividade do sistema penal garante que pessoas pobres e pretas recebam um bilhete premiado para a prisão. Único lugar onde eles podem exercer, na 'plenitude', seus direitos que são resumidos a nada".

Policiais convenceram homem a permitir entrada na casa após avistar uma maritaca, alegando maus-tratos.(Imagem: Freepik)

Ainda, ao ressaltar a ilegalidade da entrada, uma vez que os policiais não tinham mandado de prisão para entrarem na residência. Os pinos também estavam vazios.

"É inadmissível que policiais, baseados exclusivamente em denúncias anônimas ou impressões pessoais, maculem o direito constitucional à inviolabilidade de domicílio e entrem nas casas das pessoas no afã de procederem à descoberta de algum crime a ser cometido em flagrância."

Para o magistrado, o ingresso na residência foi claramente ilegal, imoral, criminoso e atentatório aos direitos do paciente, uma vez que os policiais estavam desprovidos do devido mandado de prisão, que só é expedido, em regra, quando o réu é qualificado como "bandido do colarinho branco".

"Quando o colarinho é sujo, a polícia, o Ministério Público e até a Justiça entendem que o mandado é desnecessário. Mandado pra quê? Para prender um pobre e miserável homem do povo? Ademais, as palavras dos policiais se revestiram de presunção de legitimidade, até porque, no final das contas, o mais importante era salvar a maritaca, mesmo que para isto fosse necessário solapar os direitos do paciente. Direitos?"

Ainda criticando a entrada dos policiais, o magistrado salientou que os direitos do homem foram feridos.

"Na verdade, ao que tudo indica, a preocupação dos funcionários da polícia foi com a maritaca, haja vista que ela estava em péssimas condições e por isso entenderam que não haveria qualquer problema em violar direitos fundamentais do paciente. Tudo pela maritaca!"

O desembargador correlacionou a aplicação da Súmula 70 do TJ à seletividade penal, de modo a, segundo ele, atingir apenas os miseráveis, o que viola a dignidade da pessoa humana, o contraditório e a ampla defesa, caracterizando racismo.  

Veja a decisão na íntegra.

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