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Ex-Embaixador e advogado avalia impactos da "Nova Indústria Brasil"

Regis Arslanian, do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp, analisa as perspectivas do setor diante do novo programa e as relações comerciais do país.

28/3/2024

A perda de protagonismo da indústria nacional é um dos principais desafios do país. Para explicar sobre esse e os principais avanços do setor para 2024, Regis Arslanian, recém reconduzido ao cargo de conselheiro do Coscex - Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp, ex-embaixador e sócio do Licks Attorneys, responde algumas perguntas sobre a “Nova Indústria Brasil” anunciada pelo governo, o resgate do protagonismo do setor no PIB brasileiro, a Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual e as relações comerciais do país com China e Argentina.

Advogado avalia a recuperação da indústria brasileira como um fator chave para aumentar sua contribuição no PIB nacional(Imagem: Freepik)

Um dos objetivos principais de um conselho superior de uma federação de indústria como a Fiesp é ouvir os representantes da indústria e transmitir suas preocupações e recomendações para o governo, que as usará como contribuição do setor empresarial para a formulação das diretrizes da política industrial do país.

A Fiesp é a maior associação industrial do Brasil, que representa o maior PIB do país. Se fosse apenas uma associação que discutisse a indústria, de forma isolada, sem capacidade de transmissão e influência sobre o processo decisório do governo, os Conselhos da Fiesp seriam uma academia de ideias e reflexões – mas não, eles desempenham um papel relevante e proativo para a indústria nacional.

O Coscex ainda não discutiu especificamente a chamada NIB - Nova Indústria Brasil após o anúncio feito pelo Ministro e Vice-Presidente Geraldo Alckmin, junto com o Presidente Lula. Mas não tenho dúvidas de que o governo recolheu subsídios das federações de indústrias, especialmente da Fiesp.

Desde sempre, e praticamente em todas as reuniões do Coscex convidamos representantes de diferentes órgãos do governo Federal para nos informar sobre as orientações governamentais, trocar ideias sobre os melhores rumos e expressar nossas opiniões para fortalecer a indústria nacional.

Acredito que já estava na hora de dar importância e prioridade à indústria. O desafio que temos é grande: em 1986, a indústria representava 48% do PIB, mas em 2022, esse número estava em torno de 26,3% do PIB. O governo anterior deu importância maior para a agricultura – setor que está, felizmente, muito bem. Espero que continue assim. Mas, não podemos seguir nos fiando em três ou quatro produtos primários dominando nossa pauta exportadora. A indústria gera muito mais empregos.

Além disso, é a indústria que estimulará nossa inovação tecnológica, que nos tornará mais competitivos nos mercados mundiais, capacitando-nos para integrar as cadeias globais de produção. Precisamos urgentemente ampliar nossa competitividade para equiparar as vendas de manufaturados em nossa pauta comercial. Esse é um dos principais objetivos da Nova Indústria Brasil. Vimos que o México acaba de ultrapassar a China como maior exportador para o mercado norte-americano. 

Para isso, é preciso dar importância à indústria, para que ela tenha a mesma relevância - e o mesmo peso - que a agricultura tem hoje em dia em nossa economia.

A Nova Indústria Brasil não deixou de abordar o tema da Propriedade Intelectual e, em particular, das patentes. O INPI já avançou muito, nos últimos anos. Mas agora o governo está pretendendo alterar o prazo que a indústria tem para requerer o exame dos pedidos de patentes, o que prejudica a substância deles, reduzindo as possibilidades de se criar no Brasil uma indústria verdadeiramente inovadora e tecnologicamente avançada. A proposta do governo, no caso do requerimento de exame, não considera o resultado da Tomada Pública de Subsídios N 1, publicada em 24 de novembro de 2023. O INPI perguntou e a indústria respondeu.

A proposta do governo é contrária ao que 86,49% da indústria respondeu. O que também preocupa na Nova Indústria Brasil é que o projeto do governo foca só no complexo industrial nacional da saúde. É claro que o acesso aos medicamentos é relevante para o desenvolvimento social do país. Mas, o sistema brasileiro de patente não pode ser hierarquizado. Isso, em um momento em que o mundo se debruça em como lidar com a inteligência artificial (IA), em que o país está instalando sua infraestrutura 5G e que está empenhado em fabricar microprocessadores. A área de TICs, por exemplo, representa 17% de todas as patentes no Brasil, enquanto os medicamentos são apenas 4%. Isso faz com que o setor de TICs seja de longe o maior cliente do INPI.

Fala-se tanto hoje em competividade. Mas a competividade não depende apenas da redução do “custo Brasil”. Depende - e até mais – de consolidarmos uma tecnologia de ponta no país, que só será viável com direitos de propriedade intelectual respeitados, em um ambiente de segurança jurídica. Assim sim, seremos competitivos globalmente.

A China prefere vender e comprar produtos; não tem vocação para fazer parcerias. Isso é seu modelo de comércio. A Embraer chegou a montar uma fábrica naquele país, mas acabou desistindo. O que nós podemos fazer em relação à China é trabalhar para que os nossos produtos tenham maior valor agregado nas exportações. Quanto mais competitivos forem nossos produtos, manufaturados ou não, mais teremos oportunidade para fazer parte das cadeias de produção asiáticas. Dito isso, é importante lembrar que o Brasil não é uma potência comercial, e por isso não pode se dar ao luxo de desprezar nenhum parceiro comercial. Muito menos a China. Temos que valorizar todos os países e todos os mercados igualmente, incluindo Estados Unidos, Argentina, países árabes etc.

 O Brasil quer deixar um legado, e é importante que façamos isso. Mas não creio que será necessariamente um legado ambiental. É preciso entender que o segmento ambiental é de suma importância sim, inclusive, hoje em dia, como condição para que possamos ser um “player” relevante não apenas no cenário econômico-comercial, como também político mundial. Mas temos limitações nessa área, assim como tantos outros países.

A nossa indústria do aço, por exemplo, não pode passar do carvão para uma indústria verde do dia para a noite. Os países mais industrializados estão enfrentando dificuldades em levar adiante suas políticas de descarbonização. E tais limitações têm sido postas nas mesas de negociações pelo Brasil. Precisamos reduzir a zero a destruição das nossas florestas e matas, mas temos de trabalhar para isso de acordo com o que temos e podemos.

Acredito que o grande legado que o Brasil quer deixar à frente do G20 será a priorização de uma real governança global. O Conselho de Segurança da ONU e a Organização Mundial do Comércio, por exemplo, hoje estão sem poder de ação real. A ONU não teve êxito em dissuadir os grandes conflitos armados que o mundo, atônito, enfrenta hoje. E a OMC perdeu entes com a paralisação de seu procedimento de solução de controvérsias. 

Com propostas criativas e realistas, o Brasil pode ajudar a fortalecer esses organismos, além de aperfeiçoar o funcionamento das instituições de Bretton Woods. Até porque nós sempre seremos mais ouvidos em um mundo multilateralizado. Efetivamente, com uma OMC, por exemplo, que funcione, nossa capacidade de influência passa ser, pelo voto, tão grande quanto a dos EUA, China ou UE. Então, não nos interessa esse unilateralismo crescente no mundo. O grande legado – e sobretudo o grande propósito do Brasil no G-20 – será tentar reformular ou, pelo menos, dar início a esse processo de aperfeiçoamento da governança global.  

Surpreendentemente, o governo Milei está muito receptivo a uma relação econômica e comercial importante com o Brasil. Na última reunião do GMC - Grupo Mercado Comum do Mercosul, em janeiro passado, os delegados argentinos foram, não apenas receptivos, mas construtivos para desenvolver e ampliar a relação comercial no âmbito do Bloco. Isso é muito bom. A Argentina não pode se dar ao luxo de desprezar o Brasil.

A indústria automotiva deles acaba sem nossa parceria. Nem nós podemos dispensá-los. Como falei: o Brasil não pode abrir mão de nenhum parceiro comercial, e a Argentina é um dos dois maiores compradores de produtos manufaturados do Brasil. Como podemos pretender reindustrializar o país se vamos escantear nossos maiores importadores de manufaturados? Precisamos deles para fazer valer nossa reindustrialização. Então a atitude deles é um ótimo sinal, apesar do que foi dito na campanha eleitoral. Treino é treino, jogo é jogo. 

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