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Sócio de Warde Advogados participa de congresso na Alemanha

Peter Sester participou como moderador.

27/10/2023

Dia 10/10, na Universidade de Frankfurt (Goethe Universität Frankfurt am Main, na Alemanha) foi realizado um painel sobre pedidos de anulação e homologação de sentenças arbitrais. O painel fez parte do "Congresso jurídico brasileiro-alemão", com o tema "Digitalização e Democracia".

Peter Sester, sócio do escritório Warde Advogados, participou do evento como moderador. Confira, abaixo, as considerações do professor a respeito do evento:

Peter Sester participou de congresso na Alemanha.(Imagem: Divulgação)

Consequências do “hackeamento” na arbitragem

 

No dia 10 de outubro de 2023, aconteceu na Universidade de Frankfurt (Goethe Universität Frankfurt am Main, na Alemanha) um painel sobre pedidos de anulação e homologação de sentenças arbitrais em que tive a honra de participar como moderador. O painel fez parte do maior congresso jurídico brasileiro-alemão já realizado, cujo tema era: Digitalização e Democracia. Os presidentes das cortes constitucionais da Alemanha, Ministro Stephan Harbarth, e do Brasil, Ministro Luís Roberto Barroso, abriram o congresso organizado pela Escola Superior de Advocacia Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (ESA Nacional) e a Universidade de Frankfurt.

O painel sobre arbitragem, denominado “Temas Atuais da Arbitragem Internacional: Resistência contra Sentenças Arbitrais e Digitalização”, tratou, dentre outros tópicos, da segurança cibernética (“cybersecurity”) e, especialmente, das consequências de um ataque cibernético ilegal (“hackeamento”) que tenha beneficiado a parte vencedora em uma arbitragem.

Incialmente o grande Professor de Direito Processual Renato Beneduzi, da PUC Rio, teceu comparações entre o Código de Processo Civil alemão e o brasileiro. Na Alemanha, há regras processuais específicas tanto a anulação quanto para a homologação de sentenças arbitrais. Já no Brasil, a ação anulatória de sentença arbitral segue as regras processuais do procedimento comum. Os integrantes do painel concordaram que a concepção da ação anulatória brasileira é a grande desvantagem da escolha pela “sede Brasil”. Na Alemanha, assim como na França, a ação anulatória já inicia no tribunal de justiça (Landgericht ou Cour d’Appel) e raramente um recurso é julgado pelos respectivos tribunais superiores (Bundesgerichtshof ou Cour de Cassation). Dessa forma, as partes conseguem ter clareza a respeito da validade definitiva de um sentença arbitral, em regra, dentro de um prazo de 12 a 18 meses. Já na Suíça e na Áustria, a competência é unicamente das supremas cortes federais (Bundesgericht em Lucerna ou Oberster Gerichtshof em Viena), que decidem ainda mais rapidamente, em menos de um ano.

Em seguida, Reinhard Gaier, Ministro já aposentado do Supremo Tribunal alemão (Bundesverfassungsgericht, “BVG”), que foi anteriormente ministro do Superior Tribunal de Justiça alemão (Bundesgerichtshof) e hoje atua como árbitro, apresentou e analisou o caso “Pechstein”, que começou com uma sentença proferida por um tribunal arbitral que conduziu o processo de acordo com as regras do CAS (Tribunal Arbitral do Esporte – TAS, da Suíça). No caso em questão, os árbitros confirmaram a decisão de uma associação esportiva (Associação Internacional de Patinação de Velocidade) sobre o banimento por dopagem. A vítima da decisão, a esportista alemã Claudia Pechstein (vencedora de cinco medalhas olímpicas de ouro), perdeu a arbitragem contra a decisão da associação e todos os recursos no judiciário.

No entanto, ao final, o Tribunal Constitucional Alemão decidiu favoravelmente à Pechstein e acolheu a “Verfassungsbeschwerde wegen Verletzung des Grundrechts auf freie Berufsausübung” (ação direta de inconstitucionalidade por violação ao direito de livre exercício da profissão).      Decisões do BVG como essa, proferidas para corrigir decisões dos tribunais (superiores), são extremamente raras na Alemanha e ocorrem apenas cerca de uma vez por década.

No caso Pechstein, o BVG chegou à conclusão de que todas as instâncias anteriores, começando com os árbitros, haviam violado o devido processo legal – e, como consequência, o direito fundamental de exercer livremente a profissão – por não considerar o fato comprovado de que Pechstein possui uma anomalia genética que tornava inexpressivos os resultados do teste positivo de dopagem. Em termos gerais, entendeu que a sentença arbitral violou a ordem pública processual alemã, fato que justifica tanto a anulação da sentença arbitral quanto a negação da sua homologação.

Como moderador, aproveitei da palavra-chave “ordem pública” para dirigir ao ministro Gaier uma pergunta adicional, que serviu como gancho para o próximo painel sobre a ordem pública substancial (ou material). Questionei, então: “Supondo que, em uma arbitragem, uma das partes tenha se beneficiado de um hackeamento do sistema de comunicação eletrônica entre a parte contrária e seus respectivos patronos – quais seriam as consequências?”.

 Tanto o Ministro quanto os demais integrantes alemães do painel concordaram que tal comportamento viola gravemente o princípio da paridade de armas e deveria ser rigorosamente condenado, desde logo, pelo tribunal que toma ciência do hackeamento. Tais atos criminosos se equiparam, na visão dos membros do painel, à corrupção, a uma manipulação de provas ou mesmo a uma infiltração por espião no escritório dos patronos da parte contrária, que copia sistematicamente documentos e grava conversas.

 Caso os árbitros sejam omissos ou caso o fato do hackeamento se torne público apenas após ter sido proferida a sentença arbitral, os tribunais estatais deveriam corrigir a indevida vantagem da parte que se beneficiou do hackeamento e, com isso, venceu a arbitragem. Beneficiar aqui significa tomar conhecimento e adaptar a própria estratégia processual à estratégia processual da parte adversa, que constava nas comunicações objeto do hackeamento.

 O Ministro Gaier defendeu a tese de que tal comportamento não apenas torna a respectiva sentença arbitral nula, mas acarreta também a inarbitrabilidade da disputa, pois o vício – uma das partes conhecer a estratégia processual da outra – não poderá ser saneado ao longo de uma nova arbitragem. A cláusula arbitral e a instauração de uma arbitragem criam entre as partes obrigações (“Schuldverhältnis”) com deveres e direitos. Essa relação de obrigação é o fundamento, dentre outros, da boa-fé processual e do dever de consideração para com a outra parte. Se beneficiar de um hackeamento afronta fundamentalmente esses deveres e torna a cláusula arbitral invalida.

 A Professora Antje Baumann, uma das mais nomeadas árbitras da Alemanha, concordou, em princípio, com a posição do Ministro, porém defendeu que a vítima do hackeamento deveria ter a escolha de ou (i) anular a primeira arbitragem e participar de uma segunda arbitragem, ou (ii) anular a primeira sentença arbitral e revogar a cláusula compromissória, com a consequência de que apenas o judiciário poderá decidir o caso. Além disso, ela sustentou que a vítima do hackeamento poderá cobrar danos positivos: reestabelecimento do status quo antes da sentença arbitral (se for possível) ou a restituição do valor econômico da sentença arbitral.

Os painelistas concordaram com a tese de Antje Baumann, porém divergiram sobre a questão da cobrança dos danos. Alguns exigiriam que a vítima do hackeamento provasse a autoria ou responsabilidade da outra parte a respeito do hackeamento. Com relação à anulação da sentença arbitral, todos concordaram que apenas o fato de que a parte vencedora da arbitragem se beneficiou com o hackeamento precisa ser provado.

Na sequência, a Professora Antje Baumann apresentou a última sentença do Superior Tribunal de Justiça da Alemanha (Bundesgerichtshof, “BGH”) sobre uma ação anulatória. Em 2022, o BGH anulou uma sentença arbitral porque os árbitros não aplicaram (nem sequer mencionaram) uma norma basilar e mandatória da Lei de Antitruste da Alemanha (Gesetz gegen Wettbewerbsbeschränkungen, “GWB”). Em sua fundamentação, o BGH deixou claro que as normas fundamentais da GWB são essenciais para o ordenamento jurídico alemão, pois têm como objetivo garantir o sistema econômica da Alemanha, a chamada “economia social de mercado” (soziale Marktwirtschaft), ou seja, uma economia liberal com garantias sociais. Como moderador, reafirmei que os tribunais estatais podem e devem anular e não homologar sentenças arbitrais que afrontem diretamente as normas da ordem pública substancial (ou material). Tanto a Convenção de Nova York, em seu artigo V(2)(b), quanto a Lei Modelo da UNCITRAL, em seus artigos 34(2)(b)(II) e 36(b)(II), estabelecem um controle da ordem pública substancial.

Como Emmanuel Gaillard e George Bermann demonstraram, na prática dos tribunais estatais e da corte da União Europeia, uma violação da Lei Antitruste (aplicável no caso comentado) é uma das razões mais recorrente de anulação por violação da ordem pública.

No Brasil, se disse com frequência que o judiciário não poderia anular uma sentença arbitral por violação do direito material em circunstância alguma. Isso é uma ilusão. É certo que o artigo 32 da Lei de Arbitragem brasileira é omisso a respeito do controle da ordem pública substancial. Já o inciso II de seu artigo 39 segue firme o artigo V(2)(b) da Convenção de Nova Yorke e permite esse controle, que existe praticamente em todas as jurisdições do mundo.

Não se tem a menor dúvida de que o STJ irá e deverá defender a ordem pública substancial do Brasil contra uma sentença arbitral que a afronte (e.g., violação à proibição da discriminação racial, à ordem econômica constitucional, às normas basilares da Lei Antitruste ou da Lei das Sociedades Anônimas ou do Mercado de Capitais). É impensável que os órgãos de execução (e.g., o Ministério Público) sejam obrigados a executar uma sentença arbitral que viole a ordem pública substancial brasileira, pois só aprofundariam ainda mais a violação à ordem pública substancial (tornando eficaz, por exemplo, uma discriminação que estivesse prevista na sentença arbitral).

É claro que anulações por violação da ordem pública substancial deveriam ser raríssimas, assim como ocorre nos países que “atraem” muitas arbitragens internacionais. Porém, negar tal possibilidade apenas em razão da literalidade do texto do artigo 32 da Lei de Arbitragem brasileira é uma ilusão perigosa. A constitucionalidade do artigo 32 exige que uma sentença que viole a ordem pública substancial do Brasil possa ser declarada nula.

A seguir, o ilustre Professor Stefan Kröll, Presidente do Instituto Alemão de Arbitragem (Deutsche Institution für Schiedsgerichtsbarkeit, “DIS”) e do Vis Moot Court, explicou como o DIS, que é a principal câmara de arbitragem da Alemanha, lida com a digitalização do procedimento arbitral e com tema o cada vez mais importante da segurança cibernética (“cybersecurity”).

O último painelista foi Carsten Wendler, sócio do Freshfields Bruckhaus Deringer, escritório do chamado “magic circle”, que tratou do tema Inteligência Artificial (“IA”, ou “AI”, na sigla em inglês) do ponto de vista dos escritórios internacionais que atuam na arbitragem comercial e de investimentos no mundo inteiro. Ele apresentou algumas ferramentas de IA que o Freshfields está desenvolvendo e também a minuta dos “Guidelines on the Use of Artificial Intelligence in International Arbitration” (em português, “Diretrizes sobre o Uso de Inteligência Artificial em Arbitragem Internacional”) divulgada pelo Centro de Arbitragem e Mediação do Vale do Silício (Silicon Valley Arbitration & Mediation Center, “SVAMC”).

O painel foi bastante inspirador, tanto para os seus integrantes quanto para o público.

 Peter Sester

 

Professor de direito comercial e arbitragem na Fundação Getúlio Vargas. Doutor em direito pela Universidade de Heidelberg (Alemanha), doutor em economia pela Universidade Humboldt de Berlim (Alemanha) e livre-docente em direito comercial pela Universidade de Marburg (Alemanha). Sócio do escritório Warde Advogados, com atuação destacada em arbitragem e direito comercial.

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