É duro ser vidraça...
PT - Partido dos Trabalhadores queria condenação genérica da Abril alegando uma suposta perseguição da revista Veja. Juíza diz que tudo não passou do exercício do direito de manifestação crítica !
A juíza Ana Carolina Vaz Pacheco de Castro, em decisão publicada ontem, julgou improcedente o pedido formulado pelo PT contra a revista Veja, da Editora Abril, em ação indenizatória.
O PT alegava, entre outras coisas, perseguição do periódico.
Excesso de capas
O PT reclamava na ação que a revista Veja o coloca sempre na capa, de forma não honrosa, constituindo, assim, um conjunto de ofensas.
Analisando os motivos da constante presença do PT no noticiário, a juíza ponderadamente esclarece que "é preciso entender que é mais do que natural que partidos políticos que estejam no poder e seus governantes sejam alvo de maior número de reportagens nos meios de comunicação e ali apareçam com maior freqüência, por estarem em evidência."
Por isso, ainda segundo a magistrada, "não é de se estranhar que agora que está no poder, o Partido dos Trabalhadores e seus militantes despertem maior interesse da imprensa em geral, não apenas da revista VEJA".
Esses e outros argumentos conduzem o r. decisum a um eloqüente : "JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT".
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Veja abaixo as capas contestadas pelo PT e a decisão da juíza na íntegra.
Processo nº 011.05.020.735-1 (CTR 1303/05)
VISTOS.
Trata-se de “ação ordinária de reparação por danos imateriais” proposta por PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT em face de EDITORA ABRIL S/A.. Diz a inicial que a revista VEJA, de publicação da empresa-ré, vem, desde janeiro de 2005, repetindo capas de forma sucessiva, num total de oito, diversas e distintas, mas todas, de alguma forma, atingindo a imagem e o nome do PT, constituindo robusto conjunto de ofensas, não por coincidência seqüencial, formando sucessão de ações progressivas claramente destinadas a grafar negativamente a imagem do Partido e de seus militantes, sem apego concreto à realidade fática contida nas matérias insertas no corpo das revistas.
Contesta a capa da edição 1889, de 26.01.2005, na qual há orelhas de burro ocupando toda a extensão, com o título “O PT DEIXOU O PAÍS MAIS BURRO? O OBSCURANTISMO OFICIAL CONDENA O INGLÊS, QUER TIRAR A LIBERDADE DAS UNIVERSIDADES E MANDAR NA CULTURA”, argumentando que o mote da matéria não justificava o impacto de associar com espalhafato e intuito rotulador, o Partido-autor à burrice, pois tratava exclusivamente da discussão de projetos para área universitária, abordando avaliação e controle na abertura de universidades privadas, métodos de inclusão social nas universidades privadas e regulação das Fundações de pesquisa e apoio às universidades privadas.
Além disso, alega que a eventual criação da ANCINAV não justificava a conduta lesiva deliberadamente adotada pela ré, porquanto se tratava de programa de governo e não de partido. Contesta, também, a capa da edição 1896, de 16.03.2005, com a seguinte chamada: “TENTÁCULOS DAS FARCS NO BRASIL. ESPIÕES DA ABIN GRAVARAM REPRESENTANTE DA NARCOGUERRILHA ANUNCIANDO DOAÇÃO DE 5 MILHÕES DE DÓLARES PARA CANDIDATOS PETISTAS NA COMPANHA DE 2002. PT: MILITANTES SERÃO EXPULSOS SE PEGAREM DINHEIRO DAS FARCS”, alegando que a própria ré confessou não ter apurado a veracidade integral dos fatos noticiados, em especial quanto ao efetivo envio e repasse daquela quantia a candidatos petistas, mesmo assim associando a imagem do Partido ao recebimento de doações de campanhas ilegais e seu vínculo com narcoguerrilhas colombianas, sem qualquer indício de prova.
Prossegue questionando a capa da edição 1906, de 25.05.05, com o título: “CORRUPÇÃO. ESTAMOS PERDENDO A GUERRA CONTRA ESSA PRAGA. O PAVOR DA CPI. DELÚBIO SOARES E SILVIO PEREIRA, OPERADORES DO PT, NÃO ESCAPARIAM DA INVESTIGAÇÃO”, afirmando seu conteúdo lesivo à imagem do Partido, igualmente dissonante da matéria e dos fatos, desta feita lançando mão de um rato engravatado, com ostensivos símbolos de riqueza, por portar um charuto e anel de ouro, assim transmitindo a idéia inserida no inconsciente popular de desonestidade. Alega que a associação da imagem de dirigentes do PT á figura de uma ratazana, mesmo que tivessem sido apontadas condutas criminosas por eles perpetradas, e ali não foram, é ato doloso de cunho ofensivo, sendo certo que tanto Delúbio Soares como Silvio Pereira têm se defendido das acusações contra eles formuladas, não havendo condenação capaz de justificar tão adiantada e infamante associação.
Outrossim, impugna a capa da edição 1908, de 08.05.2005, por atribuir ao PT e a seus membros atos de corrupção, nos seguintes termos: “CORRUPÇÃO. AMAZÔNIA À VENDA. PETISTAS PRESOS ACEITAVAM A PROPINA DE MADEIREIROS QUE DEVASTAVAM A FLORESTA”. Diz que mais uma vez, a revista insere capa desproporcional aos fatos havidos, em detrimento do nome e da imagem do PT, em prática jornalística reprovável. Embora não se negue o fato de que três petistas poderiam eventualmente estar envolvidos em atos ilícitos, argumenta-se que exagerado o alarde feito pela capa da revista.
Impugna, ainda, a capa da edição 1909, de 15.06.2005, em que utilizado fundo avermelhado, como sabido, cor identificadora do PT, com foto de seu tesoureiro Delúbio Soares em destaque, como carta de baralho na posição vertical prestes a cair, sob o seguinte título: “QUEM MAIS. COM UMA CPI INSTALADA E OUTRA A CAMINHO, A PERGUNTA AGORA É QUAL SERÁ O ROSTO DO PRÓXIMO ESCÂNDALO”. Diz que no corpo da revista, de forma escancaradamente persecutória, se espalham inúmeras matérias direcionadas contra o PT e seus militantes, com os seguintes títulos: “O PT ASSOMBRA O PLANALTO. ALVEJADO PELA ACUSAÇÃO DE COMPRAR DEPUTADOS COM MESADA DE 30.000 REAIS, O PT VÊ DESMORONAR SEU DISCURSO ÉTICO E ENFRENTA UMA CRISE QUE, NO SEU DESDOBRAMENTO MAIS DRAMÁTICO, PODE AFUNDAR O GOVERNO JUNTO”, “MAIS UM NA MIRA. A ANP INSTALA SINDICÂNCIA PARA INVESTIGAR SUPERINTENDENTE INDICADO POR JOSÉ DIRCEU”, “O MENSALÃO DA PERUA. A DENÚNCIA DE SUBORNO A VEREADORES PAULISTANOS, DURANTE A GESTÃO DE MARTA SUPLICY, RESULTA EM PEDIDO DE INSTAURAÇÃO DE CPI” e “PT DEU SENHA PARA DEMATAR”.
Sobre a edição 1923, de 21.09.2005, contesta-se sua chamada de capa “... ERA VIDRO E SE QUEBROU”, em que se decreta o luto da legenda partidária, construída por décadas com o esforço e dedicação de sua militância, mediante a inserção da estrela vermelha com as iniciais do PT, de simbolismo valoroso para todos aqueles que acreditam na proposta política desta agremiação, literalmente rachada ao meio. Argumenta-se que no corpo da matéria, a virulência não se aquieta, pois sob o forte título “... DA UTOPIA AO CAOS. COMO O PT FORJOU SUA DERROCADA: DO NASCIMENTO APOIADO NO EQUÍVOCO SINDICALISTA E NO MITO DO LÍDER OPERÁRIO AO ESFALECIMENTO DE SEU PATRIMÔNIO ÉTICO E À CHEGADA AO BANCO DOS RÉUS”, a revista tenta exterminar perante a opinião pública a imagem e o nome do Partido. Diz que poucas edições após, na de no. 1927, de 19.10.2005, a revista volta a carga, explorando o óbito do ex-Prefeito Celso Daniel. Sob o título: “UM FANTASMA ASSOMBRA O PT”, a revista estampa a foto do finado tendo ao fundo imagens obscurecidas de personagens supostamente envolvidos no crime, dentre outros, do Deputado José Dirceu, Presidente do PT à época dos fatos.
Finalmente, contesta a capa da edição 1919, de 02.11.2005, capaz de trazer verdadeira estupefação nacional diante da gritante temeridade jornalística detectada em tanto espalhafato, por tão pouco conteúdo investigativo, pois sob a montagem de uma nota de dólar norte-americano, na qual se estampa a fotografia do líder cubano Fidel Castro, estampa-se a seguinte manchete: “OS DÓLARES DE CUBA PARA A CAMPANHA DE LULA”. Argumenta-se que embora não se negue a realidade fática e não se pretenda qualquer restrição ao direito de informar, tem havido abuso por parte da revista VEJA, propondo verdadeiro ataque direto à imagem, nome e integridade moral do Partido de forma desmedida em proporção aos fatos efetivamente havidos e noticiados em matérias correspondentes, ultrapassando o limite do direito de opinião.
Por isso, invocando o respeito ao direito da personalidade, garantido constitucionalmente, bem como os preceitos da Lei de Imprensa, requer seja a ré condenada no pagamento de indenização por dano moral. Citada, a ré apresentou contestação, sustentando a improcedência da ação. Alegou que a tentativa do autor de, sem qualquer fundamentação adequada, pretender amordaçar a imprensa que o critica, é ato censório e absolutamente inconstitucional, pois o PT usa de dois pesos e duas medidas ao criticar com violência seus adversário e a imprensa e colocar-se acima do bem e do mal.
Argumenta a ré, em sua defesa, que a revista cumpriu apenas o seu papel jornalístico e o seu direito constitucional de expressar-se, em prol do interesse público, o que se conclui pelo cotejo de suas edições com a maciça divulgação feita pela imprensa nacional e internacional sobre as questões que envolveram o Partido dos Trabalhadores nos últimos tempos, de sorte que jamais praticou ato de perseguição contra quem quer que seja. Diz que houve, sim, relato jornalístico imparcial e verdadeiro, como é característica da revista nesses longos anos de existência, ante os inquestionáveis fatos de interesse público, lembrando que assim já havia procedido ao retratar outrora fatos relacionados a governos e governantes anteriores.
Pondera, ainda, que outros grandes veículos de imprensa não foram menos críticos que a revista VEJA; que o Judiciário não é sede para discussão acadêmica sobre estilo de divulgação editorial; que as capas constituem exercício do direito de manifestação crítica que a imprensa tem e que as matérias divulgadas internamente nas edições impugnadas pelo autor estão absolutamente coerentes com a proposta das capas, analisando, ao final, cada uma das edições e capas contestadas.
Registre-se réplica.
Restou infrutífera a conciliação entre as partes em audiência para tanto designada. Em seguida, sobreveio decisão saneadora que deferiu a produção de prova oral requerida pelas partes, exclusivamente para os fins por elas pretendidos. Destarte, o autor pretendeu demonstrar, através da prova oral, a extensão da repercussão dos fatos noticiados no âmbito do Partido e a respeito do Partido, inclusive de modo a subsidiar, se o caso, eventual mensuração do dano moral, e não para discussão do teor ou conteúdo das reportagens, sobre o que não se controverte, ao passo que a ré objetivou a demonstração da cautela e cuidado com que se veicularam as reportagens, de interesse público, também sem discutir o teor e conteúdo daquelas já retratadas nas edições juntadas da revista.
Durante a instrução processual, foi colhido o depoimento de uma testemunha arrolada pelo autor, ficando indeferida a oitiva de Ricardo José Ribeiro Berzoini como testemunha, por ser representante legal do Partido-autor, condição em que só pode ser ouvido em depoimento pessoal. Encerrada a fase instrutória, as partes apresentaram seus memoriais. É o breve relatório.
F U N D A M E N T O E D E C I D O.
A ação é improcedente. É sabido e ressabido que a responsabilidade civil da empresa jornalística é subjetiva, na medida em que depende da apuração do ato ilícito, do nexo de causalidade entre a conduta e o dano que se busca reparar, tal como se requer nas ações de índoles indenitárias do campo privado.
Assim, a responsabilidade derivada da Lei de Imprensa não é objetiva, razão pela qual exige-se para o surgimento do dever de indenizar a prova robusta da conduta ilícita, do dano e do nexo causal, como sendo os três pressupostos essenciais da responsabilidade civil.
Nesse sentido, já se decidiu: “Indenização – Danos morais – (...) Havendo os pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, culpa, o nexo de causalidade e o dano, exsurge clara a obrigação de indenizar que nada mais é do que a conseqüência jurídica do ato ilícito.” “Responsabilidade civil – Exercício da liberdade de manifestação de pensamento e informação – Dano moral resultante de informação veiculada – Falta de prova de dolo ou culpa – Ação de indenização improcedente – Aplicação do artigo 49 da lei nº 5.250/67. O dano moral, reparável pelo exercício da liberdade de informação, tem fundamento na violação de direito ou no prejuízo mediante dolo ou culpa.” “Dano moral – Indenização – Autor da pretensão que não conseguiu demonstrar que aquele que manifestou livremente o pensamento prestou declarações falsas e com a intenção de ofender a sua honra e denegrir a sua imagem – Verba indevida – Inteligência do art. 5, X, da CF.”
Desta forma, para a caracterização da responsabilidade civil dos meios de comunicação, e consequentemente do dever de indenizar, deve-se ter sempre presente – e esta prova, como visto, incumbe a quem alega (CPC, art. 333, I) – (i) uma ação ou omissão voluntária (dolo), ou decorrente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa); (ii) um dano injusto causado a outrem; e (iii) um nexo de causalidade que enlace o resultado danoso à ação deflagrada, constituindo-se, dessa forma, no vínculo que une o resultado à ação.
A questão posta em julgamento nesta demanda envolve, de forma evidente, a colisão de dois direitos consagrados pelo texto constitucional pátrio, quais sejam, os direitos de personalidade e a liberdade de imprensa. Sabe-se que “é assegurado a todos o acesso à informação” (art. 5º, XIV, CF) e que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social” (art. 220, § 1º, CF). Do texto constitucional vigente extrai-se também “ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura” (art. 5º, IX). Como conciliar, então, essa amplitude ao direito à informação, com a restrição imposta no inciso X do mesmo artigo 5º da Constituição Federal, no qual ficou garantido serem “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”? Seria o caso, assim, de existir uma inescapável antinomia entre estes textos constitucionais, ou, mais precisamente, haveria inevitável tensão pela colidência entre estes dois princípios ? ELÁDIO TORRET ROCHA , citando TEORI ZAVASCHI , calcados nas lições de DWORKIN e ROBERT ALEXY, oferece a solução para a hipótese de ser impossível a coexistência de dois princípios constitucionais, dizendo que cumpre ao aplicador do direito percorrer este caminho.
Confira-se: “1. Identificam-se, em razão de um determinado fato da vida, os princípios, não no plano abstrato, mas no caso concreto (o aludido magistrado sugere, inclusive, como exemplo para a hipótese, por coincidência, o princípio da liberdade de imprensa versus o do direito à privacidade); 2. mediante o que se chama de ‘regra de conformação ou de concordância entre princípios colidentes’, manda solucionar a questão, ponderando-se os valores em conflito a fim de identificar o que deve prevalecer no caso examinado; e 3. como conseqüência, salienta a restrição ou limitação de um ou de ambos os princípios, mas não elimina nem exclui qualquer deles do sistema jurídico enfocado.”
Com esteio nas lições de ROBERT ALEXY, o ilustre autor catarinense prossegue: “Ocorrendo a colisão entre dois princípios, dá-se valor decisório ao princípio que, no caso, tenha um peso relativamente maior, sem que por isso fique invalidado o princípio com peso relativamente menor.” A propósito, ANTÔNIO CHAVES afirma que: “Nem sempre é fácil determinar se o direito da coletividade à informação deve prevalecer ou se o indivíduo tem também uma esfera que o público, consequentemente a imprensa, deve respeitar.” E arremata: “Assim, o direito de informação deve ser o mais amplo possível enquanto não conflitar com interesses considerados maiores. O interesse da coletividade em ser informada impõe a si mesma um limite, quando a divulgação de fatos venham a destruir a pessoa humana em sua dignidade e grandeza. O direito à informação existe em função do desenvolvimento da personalidade e não para a sua destruição.”
Dito isto, força é convir que, embora a liberdade de imprensa esteja elevada à categoria de princípio constitucional, não se pode esquecer que, pari passu a esta garantia, por igual vigora outro princípio, da mesma hierarquia, que garante a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem do indivíduo. Nestes termos, a liberdade de imprensa e o direito à livre manifestação do pensamento não são absolutos e guardam limites em outros direitos e garantias igualmente tutelados pela Constituição Federal.
Desta forma, apresentam-se como limites da liberdade de imprensa os direitos da personalidade, apenas como forma de salvaguardar outros interesses do Estado Democrático de Direito. Isso não significa censura em desfavor da imprensa livre, mas prova que a liberdade de imprensa é ampla, porém, não absoluta ou ilimitada.
Nesse sentido, é preciso consignar o ensinamento do saudoso FREITAS NOBRE : “A liberdade ilimitada, distanciada do interesse social e do bem comum não é conciliável no mundo contemporâneo, porque se o pensamento é inviolável e livre, a sua exteriorização deve ser limitada pelo interesse coletivo, condicionado seu exercício ao destino do patrimônio moral da sociedade, do Estado e dos próprios indivíduos.” E recordando os ensinamentos de CHASSAN, há que se registrar que a liberdade ilimitada da palavra e da imprensa é uma absurdidade que não pode existir na legislação de nenhum povo civilizado. Isto posto, a liberdade de imprensa deve ser exercida de forma livre, mas com responsabilidade e ética. Para tanto, há de haver o respeito a uma linha limítrofe entre os dois valores jurídicos contrapostos, quais sejam, o de informar e criticar de uma lado e, de outro, o de resguardar a intimidade, a honra, vida privada e imagem. Sobre este particular, o mestre CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY bem observa: “Se são direitos de igual dignidade e se para solução de seu conflito não há recurso possível” aos critérios “que tomam por base a hierarquia, cronologia ou especialidade dos dispositivos que o contemplam”, impõe recorrer ao critério eqüitativo, “juízo de ponderação que se faz entre a honra, privacidade, imagem da pessoa, de um lado, e a liberdade de expressão e comunicação, de outro.”
Quer dizer: em se tratando de conflito real entre normas constitucionais, de igual hierarquia, a relação de precedência na hipótese concreta será estabelecida a partir de um juízo de ponderação, sopesando os princípios, valores e interesses envolvidos.
Frise-se: “Assim pode-se afirmar, e a conclusão é natural, que o conteúdo essencial do direito fundamental à intimidade será sempre relativo, quando contraposto ao direito à informação, já que a tarefa de ponderação deve levar em conta que os bens jurídicos constitucionais encontram-se mútua e reciprocamente condicionados, visto que o seu ‘conteúdo essencial’ não tem dimensão abstrata, independente dos critérios hermenêuticos, do juízo valorativo do intérprete, nem está apto a significar uma medida determinada em si mesma, separada da totalidade da Constituição.” Daí porque, sendo direitos de mesma hierarquia constitucional, a solução para esse aparente conflito está mesmo na hipótese concreta estabelecida a partir de um juízo de ponderação, sopesando os princípios, valores e interesses envolvidos. No entanto, levando sempre em conta os direitos da personalidade, a imprensa, como meio de comunicação que é, cumprindo seu dever constitucional de bem informar, deve sempre atuar, divulgando os fatos que envolvem, de alguma forma, a sociedade, procurando evidenciar notícias necessárias ao conhecimento de todos os cidadãos, mormente quando há evidente interesse público em jogo.
Sobre interesse público, GILBERTO HADDAD JABBUR esclarece que: “Só há interesse público genuíno quando a informação, pressupondo a verdade de seu conteúdo, é necessária, ou relevante à sociedade, útil, qualidade que indica o efetivo proveito profissional, político, cultural, artístico, científico, desportivo, ou para o lazer sadio da informação. Deve, além disso, ser veiculada de maneira adequada, sinônimo de harmonização entre a natureza e o conteúdo da informação e o local, espaço, amplitude e destaque que a ela se pretende destinar.” Assim, não se pode negar que o interesse público existe quando há interesse da comunidade acerca do conjunto dos valores que lhe são mais caros. Feitas estas considerações doutrinárias preliminares, necessárias ao enquadramento da questão trazida a julgamento, passo agora, efetivamente, à análise de seu mérito. Em primeiro lugar, é mister consignar que o autor não contesta e não pretende discutir o teor e o conteúdo das reportagens veiculadas pela revista VEJA nas edições discriminadas, ponto sobre o qual não se controverte, haja vista a concordância da ré em não adentrar nesse mérito. Limita-se o autor a questionar a pertinência e proporcionalidade de algumas capas sensacionalistas em relação aos fatos efetivamente havidos e noticiados em matérias correspondentes, insertas no corpo das revistas. Assim alega que houve abuso por parte da ré, ultrapassando o limite do direito de opinião, ao propor verdadeiro ataque direto à imagem, nome e integridade moral do Partido dos Trabalhadores e de seus militantes. Tal alegação, porém, não se respalda.
Senão vejamos. Não se olvida que todas as capas e as matérias centrais que a elas se referem retratam tristes episódios de corrupção, tráfico de influência e quebra de normas éticas e morais em que o Partido dos Trabalhadores teria se envolvido – pelo menos lhes são atribuídos -, os quais são de inegável interesse público. Não há dúvidas de que há interesse da sociedade em conhecer e discutir tais episódios, por afrontarem valores que lhe são mais caros. Aliás, a sociedade tem o direito constitucional de conhecer fatos de relevância social (artigo 5º, inciso XIV da Constituição Federal). Em razão disso, a imprensa tem não só o direito, mas também o dever de retratar fatos graves que tais, não se esperando outro comportamento dos meios de comunicação responsáveis e comprometidos com o papel social de levar a público a informação que lhe interesse, especialmente sobre seus entes políticos, como no caso. Estranha seria a omissão da revista VEJA diante de tais fatos, haja vista sua postura, ao longo dos anos, de prontamente denunciar escândalos públicos que afrontam a seriedade e ética do sistema político brasileiro, sendo um dos órgãos de imprensa mais contundentes no exercício do jornalismo investigativo. Conforme se observa de edições de revistas bem anteriores aos fatos aqui retratados, VEJA já havia trazido a público fatos relacionados a governos e governantes anteriores, especialmente quanto ao episódio COLLOR e à gestão de FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, divulgando capas com chamadas tão contundentes como as que foram editadas nos episódios envolvendo o PT.
Aliás, em épocas de outrora, a revista contava com apoio do Partido dos Trabalhadores, sendo citada como exemplo sério de jornalismo, conforme se extrai de documento colacionado aos autos. E, de outra banda, o próprio Partido e o Presidente LULA já foram objeto de matérias elogiosas da revista VEJA. Por isso, não há como acolher a tese conspiratória de perseguição defendida pelo Partido-autor, até porque, além de as capas em que ele foi manchete terem sido alternadas, é preciso considerar que vários foram os fatos que se sucederam ao longo da história recente, envolvendo o PT, que justificaram a manifestação crítica da revista, bem como de outros tantos órgãos de imprensa, nacionais e internacionais, que de forma maciça divulgaram os episódios. A propósito, é fácil constatar, pelas capas de outros grandes veículos de imprensa reproduzidas nos autos, que estes não foram menos críticos que a revista VEJA em relação ao PT e seus militantes ao retratarem os mesmos episódios.
Note-se que na capa da revista ISTO É retratada a fls.151, cujo título era “A ROTA DO MENSALÃO”, a cor vermelha, simbólica do PT, serve de pano de fundo para uma maleta transbordando em dinheiro. Note-se, ainda, a capa da revista ÉPOCA reproduzida a fls.145, com o título “CAIXA DOIS. A FARSA. DINHEIRO FANTASMA SERVIU PARA ACOBERTAR NEGOCIATAS, PAGAR MENSALÃO E BANCAR A MÁQUINA DO PT. AS MAMATAS DOS BANCOS”, que traz a estrela do PT estampada em um cofre, sem falar na capa da mesma revista, às mesmas fls., com o título “A HISTÓRIA SECRETA DE UMA GUERRA SUJA. DISPUTA POR CONTRATO MILIONÁRIO ENVOLVE MINISTROS, LÍDERES PETISTAS E LOBISTAS AMIGOS”.
Além disso, registre-se a capa da revista ÉPOCA retratada a fls.146, que traz o título ‘MENSALÃO. A ROTA DO PT DOLAR”, com a estrela do PT no peito da figura que estampa a moeda norte-americana, ou ainda, outra capa da mesma revista, também reproduzida a fls.146, com o seguinte título “O PT EM FRANGALHOS. A MÁQUINA MONTADA POR JOSÉ DIRCEU DESMORONA. DENÚNCIAS PROVOCAM ABALO ÉTICO E RACHAM O PARTIDO”. À toda evidência, estas capas são tão contundentes e críticas quanto as capas das revistas VEJA impugnadas pelo autor, bem como causam tanto impacto como aquelas, a quem não se interessa pelo conteúdo jornalístico, apreciando apenas as manchetes. O fato de a revista VEJA ter maior repercussão do que as demais publicações feitas por outros meios de comunicação, conforme alega o autor, sobre o que, aliás, sequer há prova precisa, mas certamente em razão de se tratar de revista de grande circulação nacional, não pode servir de justificativa para punir a ré pela abordagem crítica por ela feita.
Embora já tenha mencionado que outros meios de comunicação também retrataram os fatos em questão e assim o fizeram de forma tão crítica quanto a ré, passo a analisar especificamente cada uma das edições contestadas, concluindo, desde já, que não houve abuso na atividade da imprensa, no exercício do direito à livre manifestação do pensamento e de crítica jornalística, em detrimento dos direitos da personalidade, havendo total pertinência e proporcionalidade entre as capas, consideradas pelo autor como sensacionalistas, e os fatos efetivamente havidos e noticiados em matérias correspondentes, insertas no corpo das revistas. A primeira capa, da edição 1889, de 26.01.2005, com o título “O PT DEIXOU O PAÍS MAIS BURRO? O OBSCURANTISMO OFICIAL CONDENA O INGLÊS, QUER TIRAR A LIBERDADE DAS UNIVERSIDADES E MANDAR NA CULTURA”, traz orelhas de burro ocupando toda a sua extensão. Ao contrário do alegado, tal chamada não é espalhafatosa e afastada do conteúdo jornalístico da matéria, bem como não traz uma afirmação, mas sim uma reflexão sugerida acerca das questões pertinentes aos projetos petistas para a educação. Registre-se que sendo o governo do Partido dos Trabalhadores, não há como dissociá-los, tal como sugere o autor. Além disso, a capa contestada, embora seja ilustrada com orelhas de burro, é pertinente e proporcional ao assunto discutido, qual seja, a educação, não sugerindo a burrice de forma pejorativa, mas sim a ignorância no trato da cultura.
A segunda capa, da edição 1896, de 16.03.2005, tem a seguinte chamada: “TENTÁCULOS DAS FARCS NO BRASIL. ESPIÕES DA ABIN GRAVARAM REPRESENTANTE DA NARCOGUERRILHA ANUNCIANDO DOAÇÃO DE 5 MILHÕES DE DÓLARES PARA CANDIDATOS PETISTAS NA COMPANHA DE 2002. PT: MILITANTES SERÃO EXPULSOS SE PEGAREM DINHEIRO DAS FARCS”. Além de tal manchete não trazer a idéia de que haveria a confirmação da doação de 5 milhões de dólares, este fato não é contestado pelo autor nos presentes autos, bastando, para se aferir a razoabilidade da capa, que os fatos não foram inventados, estão registrados em documentos da ABIN e que a revista revelou a fonte de onde partiu a informação.
A terceira capa, da edição 1906, de 25.05.05, ostenta o título: “CORRUPÇÃO. ESTAMOS PERDENDO A GUERRA CONTRA ESSA PRAGA. O PAVOR DA CPI. DELÚBIO SOARES E SILVIO PEREIRA, OPERADORES DO PT, NÃO ESCAPARIAM DA INVESTIGAÇÃO”, bem como estampa um rato engravatado, com ostensivos símbolos de riqueza, por portar um charuto e anel de ouro. A despeito da insurgência do autor, ao argumento de que associada a imagem do partido à desonestidade, representada pela figura do rato, é fato incontestável que Delúbio Soares, tesoureiro do PT, e Silvio Pereira, secretário do Partido, estão envolvidos em escândalos e atos criminosos, tanto que ouvidos em CPIs que apuram corrupção e afastados do Partido-autor. Logo, não sendo inverídico que eles realmente estão sendo investigados por corrupção, não há óbice à vinculação de sua imagem à figura de um rato, qualquer que seja a mensagem que ele transmita, ainda que de corrupção, como afirma o autor.
A quarta capa impugnada, da edição 1908, de 08.05.2005, tem a seguinte manchete: “CORRUPÇÃO. AMAZÔNIA À VENDA. PETISTAS PRESOS ACEITAVAM A PROPINA DE MADEIREIROS QUE DEVASTAVAM A FLORESTA”. Ora, se o próprio autor confessa a prisão de petistas, por conta do desmatamento na floresta amazônica, não há como se entender desproporcional a manchete de capa, tampouco se compreende porque não dar destaque a fatos tão graves.
Impugna, ainda, a capa da edição 1909, de 15.06.2005, em que utilizado fundo avermelhado, cor identificadora do PT, com foto de seu tesoureiro Delúbio Soares em destaque, como carta de baralho na posição vertical prestes a cair, sob o seguinte título: “QUEM MAIS. COM UMA CPI INSTALADA E OUTRA A CAMINHO, A PERGUNTA AGORA É QUAL SERÁ O ROSTO DO PRÓXIMO ESCÂNDALO”. Mais uma vez, não se vislumbra impertinência na chamada ou desproporção com as matérias inseridas na revista e que lhe dão respaldo, visto que dado destaque à CPI dos Correios e de outra a caminho, fatos estes absolutamente verdadeiros, já que posteriormente foram instaladas as CPMIs dos Bingos e da Compra de Votos. No tocante às matérias inseridas no corpo da revista e que também se relacionam ao PT e a seus militantes, também não verifico nenhum abuso por parte da ré, pois não questionada a veracidade dos fatos narrados, além de ser mais do que normal o maior número de matérias sobre um Partido que está no poder e, portanto, em evidência. Sobre a edição 1923, de 21.09.2005, que tem como chamada de capa “... ERA VIDRO E SE QUEBROU” e título da matéria interna, “... DA UTOPIA AO CAOS. COMO O PT FORJOU SUA DERROCADA: DO NASCIMENTO APOIADO NO EQUÍVOCO SINDICALISTA E NO MITO DO LÍDER OPERÁRIO AO ESFALECIMENTO DE SEU PATRIMÔNIO ÉTICO E À CHEGADA AO BANCO DOS RÉUS”, não se vislumbra nenhum abuso ou descompasso exagerado entre a forma de divulgação das matérias e o seu conteúdo. Não se olvida que o Partido deve ter sofrido abalo em meio à crise que nele se instalou; porém, não pela forma como os fatos foram divulgados, mas sim pelos fatos em si. Outrossim, o autor contesta a capa da edição 1927, de 19.10.2005, sob o título: “UM FANTASMA ASSOMBRA O PT”.
No entanto, não é a revista que insinua a existência de esquema de propina que resultou na morte do ex- Prefeito; quem afirma é o Ministério Público e os irmãos de Celso Daniel. Além disso, a capa estampando a foto do finado, tendo ao fundo imagens obscurecidas de personagens supostamente envolvidos no crime, dentre outros, do Deputado José Dirceu, Presidente do PT à época dos fatos, guarda adequação lógica com o conteúdo da matéria, o qual não é objeto de contestação. Por isso, não há como classificá-la de sensacionalista ou impertinente. Finalmente, quanto à capa da edição 1919, de 02.11.2005, estampando a seguinte manchete: “OS DÓLARES DE CUBA PARA A CAMPANHA DE LULA”, ao contrário do alegado, a revista não afirmou que os dólares eram enviados ao partido por Cuba, mas sim que havia denúncia de tal fato, sendo certo que os assessores do ex-ministro Palocci contaram com riqueza de detalhes um esquema de gravidade envolvendo o Partido, o que justificou a reportagem, com destaque na capa.
Aliás, a montagem feita com uma nota de dólar norte-americano, na qual se estampa a fotografia do líder cubano Fidel Castro, guarda total pertinência com o conteúdo da matéria veiculada, não comportando nenhuma restrição ou interferência por parte do Judiciário. Sobre a atividade da imprensa, vale trazer à baila os ensinamentos de BRUNO MIRANGEM, especialmente sobre a observância de deveres específicos, que constituem limitações objetivas ao seu exercício, dentre eles o dever geral de cuidado, o dever de veracidade e o dever de pertinência. O dever de cuidado impõe o exame de todas as versões e abstenção em promover juízos de valor antecipados, em conseqüência do dever de não lesar, demonstrando uma preocupação com a solidez da versão. Já o dever de veracidade decorre da idéia de que informar é divulgar fatos, estendendo-se à liberdade de crítica e à liberdade de pensamento, na medida em que seu exercício deve estar apoiado em informações verazes para garantir sua legalidade, porquanto não se tutela a mentira. Por fim, o dever de pertinência refere-se à adequação lógica entre os fatos e a crítica, assegurando que a manifestação do pensamento com a finalidade de causar impressão ao destinatário da mensagem esteja pautada em substrato real. No caso em tela, contestando-se o dever de pertinência que deveria pautar a conduta da ré em todas as capas das edições da revista VEJA, especialmente naquelas impugnadas, penso que não houve desobediência a ele, porquanto perfeita a adequação lógica entre os fatos e a crítica tecida.
Isso porque, as capas constituem exercício do direito de manifestação crítica que a imprensa tem e as matérias divulgadas internamente nas edições em questão estão absolutamente coerentes com a proposta das capas. É preciso consignar, ainda, que não havendo abuso ou desrespeito ao dever de pertinência, o Judiciário não deve se prestar a discussão acadêmica sobre estilo de divulgação editorial. Além disso, eventual orientação política ou preferência da ré por outro Partido não é suficiente para ensejar sua responsabilidade civil, até porque, como já demonstrado, tudo indica não ter havido intuito deliberadamente persecutório, ou destinado a grafar negativamente a imagem do Partido e de seus militantes, sem apego concreto à realidade fática retratada nas matérias.
A propósito, é preciso entender que é mais do que natural que partidos políticos que estejam no poder e seus governantes sejam alvo de maior número de reportagens nos meios de comunicação e ali apareçam com maior freqüência, por estarem em evidência. Por isso, não é de se estranhar que agora que está no poder, o Partido dos Trabalhadores e seus militantes despertem maior interesse da imprensa em geral, não apenas da revista VEJA.
Isto posto, e o mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT contra EDITORA ABRIL S/A., nesta ação indenizatória proposta. Em razão da sucumbência, fica o autor condenado ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios da parte contrária, que ora fixo em R$ 2.500,00, atualizados desde esta data, tendo em vista os critérios elencados no artigo 20, parágrafos 3º e 4º do Código de Processo Civil.
P.R.I.C. São Paulo, 27 de abril de 2007.
ANA CAROLINA VAZ PACHECO DE CASTRO
JUÍZA DE DIREITO
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