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STF invalida prazo para regularização fundiária de comunidades na BA

O Supremo concluiu que o termo final imposto na legislação estadual traduz uma limitação constitucionalmente injustificada.

6/9/2023

Nesta quarta-feira, 6, o STF invalidou art. 3º, parágrafo 2º da lei estadual 12.910/03 que fixava prazo para a regularização fundiária dos territórios das comunidades tradicionais no semiárido da Bahia. O plenário, por maioria, concluiu que o termo final imposto na legislação traduz uma limitação constitucionalmente injustificada.

Confira o texto invalidado: 

"Art. 3.
§ 2º - Os contratos de concessão de direito real de uso de que trata esta Lei serão celebrados com as associações que protocolizem os pedidos de certificação de reconhecimento e de regularização fundiária, nos órgãos competentes, até 31 de dezembro de 2018."

STF invalida prazo para regularização fundiária de comunidades na BA.(Imagem: Carlos Humberto/SCO/STF)

O caso

No Supremo, a PGR questionou a fixação do prazo de 31/12/18 para a regularização fundiária dos territórios das comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto, no semiárido da Bahia, prevista na lei estadual 12.910/13.

A referida lei trata da regularização de terras públicas estaduais, rurais e devolutas, ocupadas tradicionalmente por comunidades remanescentes de quilombos e por comunidades de fundo e fecho de pasto – grupos tradicionais que vivem de pastoreio comunal em áreas rurais do sertão baiano.

A ação informa que se estimam mais de 500 comunidades de fundo e fecho de pasto no estado da Bahia, as quais compreendem cerca de 11.431 famílias, segundo dados oficiais, e 17.758 famílias, em 42 municípios, conforme dados da Articulação Estadual de Fundos e Fechos de Pasto. Assim, segundo a ADIn, “não é possível afirmar com exatidão o número dessas comunidades, tendo em vista o longo período de invisibilidade, isolamento e desinformação que viveram”.

A ação ainda relata que tais comunidades começaram a sofrer intensa e constante pressão de fazendeiros interessados na apropriação de suas terras, agravando os conflitos agrários na região. Acrescenta que os direitos dessas comunidades estão previstos no art. 215 da CF/88, segundo o qual deve ser garantido o amplo exercício de direitos culturais.

Com a palavra, a PGR

Da Tribuna, nesta tarde, o vice-procurador-geral da República, Luiz Augusto Santos Lima, reiterou os termos da petição inicial e requereu a procedência do pedido para declarar a inconstitucionalidade do dispositivo.

Luiz Augusto destacou que, ao longo dos anos, as referidas comunidades lutam pela “preservação de seus direitos ancestrais, pela garantia de sua identidade, cultura e demais direitos que são rotineiramente violados, seja por ação de particulares interessados nas terras ou seja pela atuação de entes estatais”.

No mais, ele ressaltou que a dificuldade no processo de regularização fundiária dessas comunidades tradicionais ocorre pela morosidade da burocracia estatal e pela ausência de políticas sérias voltadas à efetividade dos direitos dessas comunidades.

Voto da relatora

Ao votar, a relatora, ministro Rosa Weber, inicialmente explicou que, segundo o dispositivo impugnado, as comunidades que não requeressem até 31/8/18 a certificação do seu reconhecimento como comunidades de fundo e fecho de pasto da área ocupada não mais poderiam se valer deste instrumento de proteção territorial. Assim, o debate, no caso, envolve termo final para aplicação do instrumento protetivo da concessão do direito real de uso previsto em lei.

Em seguida, a presidente da Corte pontuou que o respeito e a proteção dos direitos territoriais dos povos e comunidades tradicionais são impostos ao Brasil pela convenção 169 da OIT. S. Exa. citou art. 13 da convenção o qual dispõe que “os governos deverão respeitar a importância especial que para as culturas e valores espirituais dos povos interessados possui a sua relação com as terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação”.

No mais, a relatora asseverou que “o STF reconhece a central importância da tutela dos direitos territoriais dos povos e comunidades tradicionais, assentadas no elo entre a existência comunitária e de sua cultura e das terras que ocupam".

“Negar a garantia as terras tradicionalmente ocupadas é negar a própria identidade. (...) É condenar o grupo culturalmente diferenciado, centrado na particular relação com o local que estrutura suas formas de criar, fazer e viver, ao desaparecimento. Impor-lhe a assimilação à sociedade circulante e violar a dignidade da pessoa humana em sua expressão comunitária com a anulação ao cultural e até mesmo física da comunidade.”

Posteriormente, Rosa asseverou que o termo final imposto na legislação estadual traduz uma limitação constitucionalmente injustificada. “A medida, segundo penso, revela-se desproporcional, seja por inadequação ou seja por desnecessidade.”

Destacou, ainda, que segundo a Assembleia Legislativa, o estabelecimento do prazo visaria a cessação dos conflitos fundiários e a estabilização social respectiva. Contudo, S. Exa. afirmou que não há qualquer indicativo da referida diminuição. “A pretendida estabilização dos conflitos fundiários é passível de promoção por outros meios menos restritivos e mais eficazes. A começar pela efetiva discriminação das terras devolutas”, concluiu.

Assim, julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do art. 3º, parágrafo 2º da lei 12.910/03 do Estado da Bahia. 

O colegiado, por maioria, acompanhou o entendimento. 

Restou vencido apenas o ministro Nunes Marques que entende pela inconstitucionalidade parcial do dispositivo, apenas para prorrogar o final do prazo de cinco anos a partir da data da publicação da ata da sessão do julgamento.

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