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OAB decide enfrentar grampos e escutas que atingem advocacia

9/5/2007


OAB

Grampos e escutas telefônicas que atingem advocacia serão enfrentados

Os grampos telefônicos e as escutas ambientais em escritórios de advocacia, mesmo com autorização judicial, serão agora enfrentadas sem trégua pelo Conselho Federal da OAB.

A decisão foi aprovada ontem em sessão plenária que reuniu os 81 conselheiros federais da entidade, dirigida pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto, autor da proposta. De acordo com a proposta aprovada - cujo relator foi o conselheiro federal pelo Piauí, Marcus Vinicius Furtado Coelho -, a diretoria nacional da OAB adotará "todas as medidas criminais, cíveis e administrativas contra autoridades do Judiciário, do Ministério Público e dos órgãos de segurança que tenham autorizado ou que venham a autorizar escutas telefônicas, em aparelho fixo ou celular, bem como escutas ambientais em escritórios de advocacia, contrariamente ao balizamento constitucional e legal apresentado no presente voto".

O presidente nacional da OAB, Cezar Britto, esclareceu que apresentou a proposta de luta em todas as frentes contra as escutas, diante de diversas informações divulgadas ultimamente pela imprensa revelando a existência de grampos telefônicos em escritório de advocacia. Ele considerou essa conduta "grave violação às prerrogativas dos advogados e da cidadania". Para Cezar Britto, essa situação gerada pela instalação dos grampos e as escutas ambientas "um precedente que compromete os fundamentos básicos e fundamentais à manutenção do Estado democrático de Direito". O relator da proposta, Marcus Vinicius Furtado Coelho, acatou as ponderações de Britto e formulou um voto considerado "brilhante" pela maioria dos conselheiros.

A seguir, o voto aprovado ontem pelo Pleno do Conselho Federal da OAB sobre a questão dos grampos telefônicos em escritórios de advocacia:

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

CONSELHO FEDERAL

CONSELHO PLENO

Processo n. 2007.19.02235-01

Origem: Presidente do Conselho Federal da OAB

Assunto: Grampos telefônicos em escritório de advocacia. Violação às prerrogativas dos advogados.

Relator: Marcus Vinicius Furtado Coelho

I- DA PROPOSIÇÃO

O presidente nacional da OAB, Cezar Brito, considerando a informação, constante de matéria jornalística, revelando “a existência de grampos telefônicos em escritório de advocacia, e notícias nesse sentido”, submete tal tema ao Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem, objetivando a adoção de urgentes medidas legais e políticas”, em assim compreendendo o colegiado.

Aduz o presidente nacional da entidade que a conduta em apreço constitui “grave violação às prerrogativas dos advogados e da cidadania”. E, mais, afirma que tal gera “um precedente que compromete os fundamentos básicos e fundamentais à manutenção do Estado Democrático de Direito”.

II – DA METODOLOGIA DE TRABALHO: O DIÁLOGO PARTICIPATIVO

Sendo a proposição de 25 de abril do ano fluente, o processo foi distribuído à minha relatoria no mesmo dia e encaminhado, por sedex, no último 26 de abril.

Tendo em vista a relevância da matéria, estabeleci, na condição de relator, um diálogo participativo, para o qual convidei todos os Conselheiros Federais e Membros Honorários Vitalícios. Foram remetidos e-mails solicitando “sugestões de abordagem do tema e de encaminhamento”.

A participação foi intensa. As respostas satisfatórias. Essa relatoria percebeu o sentimento que envolve a advocacia quanto ao tema em discussão, a partir da opinião expressada por seus líderes, que a representam nesta Casa.

III – DA INTRODUÇÃO: REFLEXÕES SOBRE O ESTADO POLCIAL QUE DESPREZA GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

O Conselheiro Federal Carlos Roberto Siqueira Castro participa do diálogo proposto, por intermédio do envio de artigo de sua autoria publicado no Jornal do Brasil, em 21/04/2007. Revela que os tempos atuais “são caracterizados pelo bushismo político-criminal, versão requentada do macarthismo dos anos 50 nos Estados Unidos, cuja expressão máxima é o Estado de não-Direito e a incriminação a qualquer custo, ao qual são hoje submetidos os suspeitos de terrorismo presos na Baía da Guantánamo, em Cuba”.

Sobre os episódios de sucessivas operações policiais-televisivas, Siqueira demonstra preocupação com o que denomina de “política criminal de auditório, na medida em que dispensa a garantia constitucional do devido processo legal”. E adverte quanto às inconstitucionalidades e ilegalidades “que se cometem nessas operações espetaculosas”.

“A uma, há malversação da prisão temporária como instrumento de punição antecipada e de prestação de contas simbólica sob o clamor punitivo da sociedade. Como a morosidade do processo judicial frustra o tempo do interesse midiático e seus anseios punitivos prementes, a prisão processual está sendo desvirtuada de sua natureza jurídica cautelar.

“A duas, os jornais e televisão vêm divulgando em tempo real diligências de natureza sigilosa, em flagrante desrespeito ao artigo 20 do Código de Processo Penal, que obriga a autoridade policial a assegurar no inquérito policial o sigilo necessário à elucidação do fato, cuja finalidade precípua é proteger a dignidade do cidadão investigado - presumido inocente até o trânsito em julgado da condenação (art. 5º, LVII, da Carta Política) - da exposição degradante na mídia.

“A três, mandados de busca e apreensão vêm sendo cumpridos com aparato bélico manifestamente desproporcional, desrespeitando-se o direito dos jurisdicionados ao mínimo de desconforto invasivo, o que, aliás, é indispensável para o êxito da diligência (artigo 248 do Estatuto Processual Penal).

“A quatro, a polícia está impondo o uso de algemas de forma indiscriminada, mesmo aos investigados que não opõem qualquer resistência ou tentativa de fuga, conforme condicionam os artigos 284 e 292 do Código de Processo Penal.

“A cinco, o regime de incomunicabilidade - ainda que temporária - é algo absolutamente inaceitável a teor do direito fundamental dos presos à assistência de advogado (artigo 5º, LXIII, da Constituição). Aliás, o legislador constituinte proibiu expressamente a incomunicabilidade até mesmo durante a vigência do Estado de Defesa, conjuntura na qual poderá ocorrer uma série de restrições a direitos fundamentais (art. 136, § 3º, IV).

“Por fim, a negativa de acesso dos advogados de presos aos autos de procedimentos investigatórios viola o artigo 7º, XIV, da Lei 8.904/94, que assegura ao advogado o direito à extração de cópia reprográfica dos autos de inquérito policial, direito aplicável inclusive aos procedimentos de natureza sigilosa, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal (HC 87827- RJ). Ora, o cidadão investigado só tem como exercer o direito fundamental à ampla defesa e à assistência jurídica caso o seu defensor constituído possa conhecer os detalhes da imputação mediante acesso aos autos do acervo investigativo”.

Por certo, uma Nação, dentro do Estado de Direito, apenas pode ser edificada sob o império da Constituição, das leis e da Justiça. Não é o que se verifica com o malferimento de postulados constitucionais e a prática reiterada de sentenças públicas sumárias, que faz da humilhação método de investigação e antecipação de cumprimento de pena.

Vê-se atualmente a acusação apresentada publicamente por autoridades de segurança, com o estímulo e beneplácito da imprensa, como se já fora a condenação proferida. Além de violar o princípio da presunção da inocência, também ignora a dignidade da pessoa humana que há de ser observada pelo Estado, principalmente em relação aos que respondem à persecução penal. É de ressaltar o prejuízo provocado aos cofres públicos em havendo pronunciamento judicial posterior, atestando a inocência do denunciado, decorrente dos danos morais e materiais que deverão ser reparados. E, frise-se, tudo isso sem qualquer beneficio para a segurança com a execração pública dos denunciados ou investigados.

Não é possível retornar à época do processo de tipo inquisitório, no qual o acusador era o mesmo que efetuava o julgamento. O mundo civilizado não mais coabita com este tipo de arbitrariedade. O processo há de ser visto como instrumento de proteção do cidadão frente ao arbítrio estatal e não como meio de perseguição deste Estado contra os direitos e garantias fundamentais.

IV – O SIGILO DA CONVERSA ENTRE ADVOGADO E CLIENTE

No mesmo toar, o Membro Honorário Vitalício Reginaldo de Castro, em artigo publicado no Correio Braziliense, em 28.04, integra o diálogo participativo ao dissertar sobre o sigilo entre cliente e advogado. Ressalta que “o combate ao crime só é legítimo quando observados os limites da Constituição e das leis. Se as afrontar, equipara-se ao que quer combater - e estabelece algo absolutamente incompatível com o Estado democrático de Direito: o estado policial”.

Reclama contra as negativas ao contato direto e pessoal dos advogados com seus clientes, ao acesso dos autos do inquérito policial e aos motivos da prisão determinada.

Pontua que o único sigilo inviolável é o teor do diálogo travado entre o advogado e o cliente. Para mais da prerrogativa da advocacia, tal inviolabilidade decorre do próprio direito constitucional de defesa e protege o cidadão contra o arbítrio do Estado. Não é privilegio da advocacia, mas garantia cidadã contra a tirania do policianismo estatal.

O sigilo entre advogado e seu cliente é principio universalmente aceito.

A matéria mencionada revela que na França o dever de confidência do advogado para com o cliente remonta ao século XV (bem antes, portanto, do descobrimento do Brasil), embutido nas Ordenações do Reino.

Informa que na Inglaterra, foram os tribunais que, no mesmo período, o consagraram. E, mais, no Canadá, a Corte Suprema estabeleceu que esse direito compreende dois aspectos: de um lado, a obrigação do advogado de não revelar, sob nenhuma hipótese, a terceiros as confidências que recebeu do cliente; e, de outro, de não instá-lo a revelá-las perante o tribunal, ainda que considere que possam em tese beneficiá-lo.

Os argumentos expostos nos dois artigos receberam palavras de apoio de diversos Conselheiros Federais e Membros Honorários Vitalícios. Mário Sérgio Duarte Garcia os cumprimenta “pela rigorosa manifestação, prenhes de justa indignação a que não podem faltar aplausos”. Técio Lins e Silva, com o seu espírito sempre cívico, enaltece os textos, afirmando que está orgulhoso pela manifestação, além de subscrevê-los integralmente. Ressalta que este momento é “decisivo para a vida independente da profissão”.

V – O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DA ADVOCACIA E AS ESCUTAS TELEFONICA E AMBIENTAL

A Constituição Federal, art. 133, considera o advogado "indispensável à administração da justiça", bem assim lhe assegura a inviolabilidade “por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".

A conversa do advogado e seu cliente é o momento solene e ímpar da relação profissional, albergado sobremaneira pelo postulado constitucional da inviolabilidade. O sigilo deste diálogo é instrumental do direito de defesa, constituindo na mais simbólica e presente expressão do exercício da advocacia. As estratégias de defesa e, até mesmo as confissões decorrentes desses diálogos, não podem ser utilizadas como prova. Tal decorre, por igual, dos princípios da não obrigação do réu à produção de provas contra si e da sua prerrogativa contra a auto-incriminação.

Sendo o silêncio um direito constitucional de qualquer investigado, inclusive do preso – art. 5º, LXIII, constitui-se numa aberração colher diálogos reservados deste com seu defensor. Trata-se de uma burla à regra mencionada, colhendo-se depoimento por intermédio de invasão à intimidade, quando, até mesmo em audiência formal, o investigado possui o direito de permanecer calado. É forma de obter a auto-incriminação, em atitude vedada ao Estado. Nemo tenetur se detegere é o brocardo que sinaliza que ninguém é obrigado a a acusar a si próprio e, o que equivale, as conversas havidas entre advogado e cliente não podem resultar em acusação do réu contra si.

Sobre a proteção contra a auto-incriminação, histórico é o caso Miranda vs. Arizona, julgado em 1966 pela Suprema Corte Americana, da lavra do então presidente daquela Corte Earl Warren, senão, veja-se:

"Esta corte há notado recientemente que el privilegio en contra de la autoincriminación (...) se funda num em um complejo de valores y todos estos valores apuntan a uma reflexión dominante: el fundamiento constitucional que subyace al privilegio es el respeto que el gobierno debe observar a la dignidad e integridad de sus cidadanos. Para mantener um ‘ justo equilíbrio Estado-individuo’, para exigir del gobierno ‘suportar toda la carga’, para respetar ‘la inviolabiladad de la personalidad humana’ nuestro sistema acusatorio de justicia criminal exige que el Gobierno que pretende penar a um individuo produzca la prueba em sua contra por sus propios e independientes medios, em lugar de hacerlo a través del cruel y simple recurso de forzar dicha prueba desde la propia boca del imputado". (BAYTELMAN A. "Tiene derecho a guardar silencio..." <_st13a_personname productid="La Jurisprudência Norteamericana" w:st="on">La Jurisprudência Norteamericana Sobre la declaración policial. Disponível em: http//:www.justiciacriminal.cl/doctrina).

A dignidade da pessoa humana é o limite para a ação investigativa do Estado. Não pode exigir declaração que auto-incrimine o investigado. Também não pode colhê-la com a escuta de conversa reservada com o advogado, no exercício do constitucional direito de defesa. Em não sendo assim, a prerrogativa de defesa poderia ser utilizada como forma de condenar, como meio de prova para punir, subvertendo por completo o cânone constitucional. O ônus da prova é integralmente do Estado, não podendo tal ser colhida “da própria boca do acusado”.

Por outro diapasão, consta expressamente no Pacto San José da Costa Rica, de Direitos Humanos – art. 8º., letra "g", no capítulo destinado às garantias judiciais, que toda pessoa acusada de um delito tem "direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada". Tal pacto foi positivado e incorporado no direito brasileiro pelo decreto 678, de 06.11. 1992. Por se tratar de garantia individual contra ingerências do Estado na esfera de autonomia do cidadão, por força do parágrafo segundo do art. 5º da Magna Carta, incorporou-se às demais garantias processuais elencadas naquele artigo. Tem status constitucional inegável.

Assim, ao possibilitar a invasão noturna e colocar “grampos” - telefônicos e "ambientais" - em escritórios de advocacia, para ter acesso às conversas privadas entre cliente e advogado, as autoridades judiciais e policiais violam a Constituição, ferindo de morte o Estado democrático de Direito.

Foi-me encaminhado, dentro do diálogo participativo, trabalho científico elaborado pelo advogado Diogo Malan, doutorando <_st13a_personname productid="em Direito Processual Penal" w:st="on">em Direito Processual Penal pela USP, no qual tece relevante abordagem sobre a inviolabilidade do exercício da advocacia a partir do postulado constitucional da inviolabilidade da intimidade e do domicílio, consoante art. 5º., X e XII, da Carta Federal.

Segundo o art. 150, parágrafo 4º., III, do Código Penal, a expressão Casa compreende o compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. Ensina a doutrina que “esses locais de atividade podem conter uma parte aberta ao público, como a saleta de recepção, onde as pessoas podem entrar ou permanecer livremente. No entanto, há os compartimentos com destinação específica ao exercício da profissão ou atividade, que constituem casa, para efeitos penais. Diante disso, quem neles ingressar sem o consentimento do dono cometerá invasão de domicilio” (GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Inviolabilidade do domicilio na Constituição, p. 68. São Paulo: Malheiros, 1993).

O postulado constitucional da inviolabilidade do exercício profissional, deste modo, guarda sintonia com o princípio fundante da Carta da República, consistente na proteção da intimidade e do domicílio.

Tal constatação torna mais evidente a afronta ao Estado de Direito presente na prática de adentrar o escritório de advocacia, em período noturno, para, sob traição e clandestinamente, implantar escutas ambientais.

O art. 7º., II, da Lei 8.906/94 – Estatuto da Advocacia – garante ao advogado “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas e afins”. Tal garantia há de ser respeitada “em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional”, como expressamente dispõe o texto da lei. A única exceção legal, ainda assim de constitucionalidade duvidosa, ocorre para o caso de busca e apreensão, que o dispositivo permite seja efetuada desde que decorrente de ordem judicial e acompanhada por representantes da OAB.

É dizer, a norma legal, ao aplicar o postulado constitucional, não prevê exceção para a proteção das comunicações e das correspondências do escritório ou local de trabalho do advogado.

Inconstitucionais e ilegais a interceptação de telefone e a escuta ambiental em escritórios de advocacia.

ALBERTO ZACHARIAS TORON e ALEXANDRA LEBELSON SZAFIR INTEGRA O DIÁLOGO PARTICIPATIVO COM A REMESSA DO LIVRO DE SUA AUTORIA “PRERROGATIVAS PROFISSIONAIS DO ADVOGADO”. Nele reclama: “conversas sigilosas e e-mails trocados entre advogados e clientes são interceptadas e, pior ainda, divulgadas em horário nobre pelos telejornais; advogados são obrigados a falar com clientes que se encontram presos sem qualquer privacidade, em “salas” coletivas, ou por meio de interfones cujo sigilo é, no mínimo, duvidoso; advogados são desrespeitados nas sessões das diferentes CPIs; a prisão em sala de Estado-Maior é ignorada; exame de autos de inquérito gravados pelo sigilo negado até mesmo ao advogado do investigado, ainda que este se encontre preso.”

E, acrescenta, “a despeito da origem histórica da expressão inviolabilidade, esta, no direito brasileiro, é sinônimo de imunidade material, isto é, tem caráter substantivo e o condão de afastar a própria tipicidade da conduta incriminada”. Citando o Ministro Celso de Mello (MS 23.576/DF)os autores aduzem que “o respeito aos valores e princípios sobre os quais se estrutura, constitucionalmente, a organização do Estado Democrático de Direito, longe de comprometer a eficácia das investigações penais, configura fator de irrecusável legitimação de todas as ações lícitas desenvolvidas pela Polícia Judiciária ou pelo Ministério Público”.

É também Celso de Mello que, em prefácio da referida obra, aduz que “a proteção de tais prerrogativas, quando injustamente atingidas pelo arbítrio estatal, representa um gesto de legítima resistência à opressão do poder e à prepotência de seus agentes e autoridades. Traduz, por tal razão, um exercício de defesa da própria ordem jurídica, pois as prerrogativas profissionais dos Advogados estão essencialmente vinculados à tutela das liberdades fundamentais a que se refere a declaração constitucional de direitos”.

Deste modo, não se trata de defender privilégios corporativos, menos ainda práticas criminosas. Cuida-se de defender a sociedade e a democracia contra o arbítrio estatal e o estado policial que, hoje, atinge a defesa, mas amanhã, poderá agredira liberdade de imprensa e cercear a inviolabilidade do parlamento e as garantias da magistratura, fazendo desmoronar o edifício do Estado de Direito que se pretende construir nesta Nação.

Importante lição é apresentada pela obra ao enunciar que “se a testemunha não pratica o crime de falso testemunho ao mentir ou calar para evitar que recaia sobre si uma incriminação, o advogado que a orientou a assim agir, além de estar cumprindo um dever ético-profissional, não pratica crime. Em outras palavras, se a testemunha não praticou o delito de falso testemunho ao mentir, o advogado não pode dele ser partícipe do fato atípico”. Em resumo, o comportamento do advogado que orienta a testemunha a não se auto-incriminar também é atípico. Foi o que, por unanimidade, com parecer favorável do Ministério Público Federal, decidiu a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (HC 47125/SP).

Não sendo criminosa a atuação do advogado, ainda quando orienta depoimentos e testemunhos, não há como incriminar a atividade advocatícia a merecer a previsão legal de escutas telefônica e ambiental no seu escritório ou local de trabalho.

VI – A LEI QUE AUTORIZA ESCUTA AMBIENTAL NÃO SE APLICA AOS ESCRITÓRIOS DE ADVOCACIA

A Lei n. 10.217, de 11 de abril de 2001 alterou a Lei n.9.034/95, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção de ações praticadas por organizações criminosas. Define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas.

Admite a Legislação, em qualquer fase de persecução criminal, a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial. Permite a infiltração de policia ou de inteligência, em tarefas de investigação, mediante circunstanciada autorização judicial, por igual.

A autorização judicial deve ser específica e concretamente fundamentada, não sendo cabível, sob pena de nulidade, a decisão que aduz expressões genéricas e vagas. Exige-se fundadas razoes – art. 240, parágrafo primeiro, CPP, em aplicação analógica -, é dizer fatos concretos comprobatórios da sua necessidade.

Decidiu o STF, em julgamento da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, de forma pedagógica, que “da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade - à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira - para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação”. III. Gravação clandestina de "conversa informal" do indiciado com policiais. 3. Ilicitude decorrente - quando não da evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova idônea do seu assentimento à gravação ambiental - de constituir, dita "conversa informal", modalidade de "interrogatório" sub- reptício, o qual - além de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (C.Pr.Pen., art. 6º, V) , se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio. 4. O privilégio contra a auto-incriminação - nemo tenetur se detegere -, erigido em garantia fundamental pela Constituição - além da inconstitucionalidade superveniente da parte final do art. <_u13a_metricconverter productid="186 C" u2:st="on">186 C.Pr.Pen. - importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da advertência - e da sua documentação formal - faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em "conversa informal" gravada, clandestinamente ou não. (STF, HC 80949 / RJ. Julgamento: 30/10/2001. Órgão Julgador: Primeira Turma)

A escuta ambiental realizada fora dos contornos constitucionais e legais equivale-se à escuta clandestina mencionada pela Corte Suprema no julgado supra.

Não há autorização legal para ingressar no domicilio ou local de trabalho não aberto ao publico, como escritório de advocacia, no período noturno. Nem poderia fazê-lo, pois a Carta Constitucional veda a violação domicilio, por ordem judicial, à noite.

Também não há normatização específica sobre a situação dos advogados, donde concluir que se trata de norma genérica, devendo ser afastada para a aplicação da norma específica que cuida da atividade advocatícia, qual seja o Estatuto da Advocacia, assegurador da inviolabilidade do escritório do advogado.

É caso de aplicação da conhecida regra de superação de conflito de normas pelo critério da especialidade.

Ressalte-se, outrossim, que a legislação não definiu o que se deve compreender por "organizações criminosas". Cuida-se, portanto, “de um conceito vago, totalmente aberto, absolutamente poroso. Considerando-se que (diferentemente do que ocorria antes) o legislador não ofereceu nem sequer a descrição típica mínima do fenômeno, só nos resta concluir que, nesse ponto, a lei (9.034/95) passou a ser letra morta. Organização criminosa, portanto, hoje, no ordenamento jurídico brasileiro, é uma alma (uma enunciação abstrata) em busca de um corpo (de um conteúdo normativo, que atenda o princípio da legalidade)”, como aduz Luiz Flavio Gomes. É caso de perda de eficácia (por não sabermos o que se entende por organização criminosa), não de revogação (perda de vigência). No dia em que o legislador revelar o conteúdo desse conceito vago, tais dispositivos legais voltarão a ter eficácia. Por ora continuam vigentes, mas não podem ser aplicados.

Assim, a lei do denominado crime organizado engloba, nos termos da lei, a quadrilha ou bando, prevista no art. 288 do Código Penal, que não pode ser confundido com o concurso de pessoas; nesse há a eventualidade, naquele os pressupostos da estabilidade e permanência; e as associações criminosas, tipificadas na Lei de Tóxicos, art. 14; bem assim no art. 18, III, da Lei 2.889/56, art. 2º, que cuida da associação para prática de genocídio. Abarca, também, os ilícitos decorrentes destes crimes.

Não há que falar em escuta ambienta, deste modo, em escritório de advocacia, ainda que se entenda aplicável a mencionada Lei, tendo em vista que a conversa do advogado com o seu cliente não se enquadrariam jamais nos tipos penais previstos na norma de regência.

A Lei N. 9.034, de 3 de maio de 1995, preceitua, no seu art. 3º., a preservação do sigilo assegurado pela Constituição e pela Lei, sendo tal de responsabilidade do Juiz que, inclusive, deve adotar o mais rigoroso segredo de justiça. Não deve haver sigilo interno, pois as partes e os investigados devem ter acesso às informações para exercer o direito de defesa. Cida-se do sigilo externo, a preservar a presunção da inocência e a evitar a antecipação da condenação.

Contudo, verifica-se que as autoridades estão subvertendo a lógica do sigilo. Mantém sigilo para as partes e investigados, bem assim para a sua defesa, é dizer seus advogados. E, em relação ao sigilo externo, efetua cobertura em tempo real das operações ditas sigilosas. Tal prática constitui crime, devendo ser apuradas responsabilidades. Comete o ilícito não apenas a autoridade que vazou o sigilo, como também o órgão de comunicação que dele fez uso.

José Roberto Bathochio, ex-Presidente Nacional da Ordem, participa do diálogo apresentando sérias e graves preocupações sobre escutas ambientais e telefônicas, tais como:

“a) na sua maior parte, são elas prospectivas e oficiosas, uma espécie de rede lançada em águas turvas, para ver o que se consegue apanhar. Se positiva a busca, esquenta-se a diligencia com pedido de autorização judicial e apresenta-se oficialmente o que interessa a acusação, tudo com o beneplácito de alguns autores da persecutio criminis in judicio;

“b) a pretexto de se interceptarem diálogos do investigado, seu advogado é invariavelmente submetido a escuta (o que é inadmissível e intolerável em face da Lei) e o Judiciário (como o MP) nada repara sobre o fato, quando deveriam ser apagadas e descartadas as conversas entre profissional e cliente, objeto de confidencialidade legal absoluta;

“c) as transcrições da colheita audiofônica são objeto de “interpretação” de beleguins, escrivães e agentes, sem a competência e o preparo para tal;

“d) a digitação dos diálogos é seletiva, vale dizer, os trechos transcritos são somente os que interessam aos policiais, ficando descontextualizados e subvertendo, não raro, o sentido da conversa captada”.

Gilmar Stelo, Conselheiro Federal suplente do Rio Grande do Sul, aduz que “como advogado militante, senti-me volentado com a ação policial noticiada em rede nacional, relatando o ingresso policial em escritório de advocacia, “na calada da noite”(...)”. E, conclui:”não podemos viver um Estado policialesco e o Conselho Federal possui um papel fundamental neste momento histórico.”

A Conselheira Federal pelo Espírito Santo, licenciada para o exercício das funções inerentes ao cargo de Procuradora Geral do Estado, Gladys Bitran, hipoteca integral apoio e registra seu respeito e admiração “pelas expressões de indignação e pela tomada de posição daqueles que, com a coragem e a ousadia que se espera daqueles qu escolheram a profissão da liberdade, reagem contra os abusos que ameaçam as nossas prerrogativas e os direitos fundamentais dos cidadãos”.

VII – À GUISA DE CONCLUSAO

A prova obtida por meio ilícito, – é dizer, com violação de direitos e garantias fundamentais, como a gravação de conversa entre advogado e cliente – é inconstitucional e deve ser rejeitada pelo Judiciário, ante o postulado da inviolabilidade do exercício profissional.

O sigilo é norma constitucional, somente dele pode dispor o próprio cliente, destinatário da garantia. A proteção judicial a tal tipo de afronta à Carta Federal e ao Estado de Direito fortalece o estado policial e a mentalidade autoritária.

A legislação que autoriza a escuta ambiental não possui incidência na atividade advocatícia, por ser aplicável a legislação específica da profissão.

O advogado não só tem o dever de não depor sobre fatos dos quais tenha conhecimento, como também não deve dispor de documentos sigilosos que tenha conhecimento no exercício da profissão.

“O contato sigiloso entre o advogado e seu cliente é tão sagrado para a produção de justiça quanto o do padre com o fiel no segredo inviolável do confessionário, ou do paciente com seu psicanalista no âmbito do consultório”, consoante afirmação formulada (26/04/07) pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, em discurso na abertura do Congresso Nacional de Jovens Advogados, realizado <_st13a_personname productid="em Belo Horizonte" w:st="on">em Belo Horizonte, Minas Gerais.

Acrescente-se a inviolabilidade do parlamentar, o sigilo de fonte do jornalista e a imunidade diplomática como paradigmas para a inviolabilidade da advocacia e o sigilo que devem pautar a sua atuação. Tal sigilo compreendido não apenas enquanto obrigação do advogado, mas principalmente limite de atuação estatal.

A Portaria do Ministério da Justiça, de número 1.288, de 30 de junho de 2005, buscou regulamentar a busca e apreensão em escritórios de advocacia, na qual se exige os requisitos da participação do advogado em atividade criminosa e da presença no escritório de corpo do delito. Tal Portaria, entretanto, torna possível tal busca para a obtenção de documentos ou dados para a investigação, no que extrapola os marcos da legalidade e constitucionalidade. Ademais, não vem sendo obedecida pelos órgãos de segurança subordinados. Além de possuir duvidoso efeito prático, a Portaria é absolutamente desnecessária e dispensável para o cumprimento dos postulados constitucionais e legais.

A Portaria não é pressuposto para a consideração de que o abuso de poder é evidente nas ações policiais que desrespeitam o Estado de Direito, consoante assinalado presentemente.

O desrespeito aos parâmetros constitucionais e legais resulta na ilicitude da prova produzida, nos termos do art. 5º., LVI, da Carta da República; a sujeição da autoridade às sanções cominadas ao crime de abuso de autoridade (Lei 4.898/65, art. 3º., b); e ao crime de violação do sigilo funcional (Código Penal artigo 325); a sujeição aos órgãos de controle externo, como o Conselho Nacional do Judiciário e o Conselho Nacional do Ministério Público, bem assim ao controle de responsabilidade pelo Senado Federal.

Evidente a configuração de dano moral ao investigado, a merecer responsabilidade tanto do ente público quanto de seus agentes. Resulta, neste prisma, o impacto negativo às finanças públicas que pode advir das espetaculares atividades dos órgãos de segurança, com violação das normas do Estado de Direito.

Fora da Constituição não há salvação. Inadmissível qualquer justificativa a implicar o cerceamento das garantias fundamentais e a agressão aos marcos da legalidade. A entidade da advocacia e da cidadania deve se posicionar de forma enérgica, histórica e contudente, ainda que momentaneamente não agrade setores da opinião publicada. No longo prazo, a sociedade brasileira irá compreender a importância e a essencialidade de se preservar os direitos e garantias individuais e, no ponto, a inviolabilidade do exercício da defesa, como corolário de um Estado que se batize autenticamente de Direito e Democrático.

Por fim, ressalte-se que a inviolabilidade do sigilo profissional, previsto no Estatuto da Advocacia, foi considerado constitucional pelo STF no julgamento do ADI 1127, ocorrido em 17.05.2006.

a) DO EXPOSTO, conclui-se com a definição da inconstitucionalidade e ilegalidade de escutas telefônicas e ambientais em escritórios de advocacia, resguardando o sigilo profissional da atividade do advogado que, em se tratando de conversa com o constituinte é protegido pela inviolabilidade, sendo o patamar mínimo de proteção do direito, cumprindo à Diretoria da OAB Nacional a adoção de todas as medidas criminais, cíveis e administrativas contra autoridades do Judiciário, do Ministério Público e dos órgãos de segurança que tenham autorizado ou que venham a autorizar escutas telefônicas, em aparelho fixo ou celular, bem como escutas ambientais em escritórios de advocacia, contrariamente ao balizamento constitucional e legal apresentado no presente voto.

Submeto o voto a alta apreciação dos dignos pares do Conselho Federal da OAB.

Brasília, 8 de maio de 2007.

Marcus Vinicius Furtado Coelho
Conselheiro Federal

Cezar Britto
Presidente

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

CONSELHO FEDERAL CONSELHO PLENO

Processo n. 2007.19.02235-01

Origem: Presidente do Conselho Federal da OAB

Assunto: Grampos telefônicos em escritório de advocacia. Violação às prerrogativas dos advogados.

Relator: Marcus Vinicius Furtado Coelho

“Escutas telefônica e ambiental em escritórios de advocacia. Inconstitucionalidade e ilegalidade. Afronta ao principio da inviolabilidade da atividade advocatícia. Garantia do direito ao sigilo das conversas entre advogados e seus clientes. Decorrência das garantias constitucionais do direito de defesa e do direito do réu ao silêncio. Adoção de medidas penais, civis e administrativas contra autoridades que usurparem tal prerrogativa.”

Brasília, 8 de maio de 2007.

Marcus Vinicius Furtado Coelho

Conselheiro Federal

Cezar Britto

Presidente

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