Ao reconhecer "autêntico caso de fishing expedition", o ministro Saldanha Palheiro, da 6ª turma do STJ, votou por conceder HC para trancar procedimento investigatório criminal contra uma juíza do Rio de Janeiro.
O relator citou absurdos do caso, destacando a investigação já dura mais de três anos e não se verifica qualquer imputação específica contra a magistrada, em situação de constrangimento permanente.
Julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Sebastião Reis Jr.
O caso
A investigada é juíza de Direito de uma vara empresarial do RJ, capital. A situação teve início a partir de um procedimento de rotina do CNJ, o qual tinha o propósito de aprimorar a eficiência e transparência das varas.
O então corregedor do Estado, desembargador do TJ/RJ Bernardo Garcez, teria elaborado um relatório, mirando juízes e procuradores, com fatos que a defesa da juíza chamou de banais, sem qualquer indício de atividade ilícita. Esse procedimento se tornaria uma sindicância, enviada à Procuradoria Geral de Justiça, onde foi transformado em PIC – Procedimento Investigatório Criminal.
Segundo o advogado André Filgueira do Nascimento, que realizou sustentação oral em defesa da juíza, o PIC se tornou uma pescaria: sem fato determinado, qualquer coisa poderia ser objeto de investigação. "Estou falando de estado policial in natura, onde a pessoa não é investigada pelo que fez, mas pelo que é, e neste caso pela circunstância de ser magistrada, juíza."
O advogado destacou que, após insistir com o MP sobre qual era o objeto investigado, o estado de coisas foi questionado no CNJ, onde, por decisão do conselheiro Bandeira de Mello, a sindicância que deu origem ao PIC foi anulada.
Mesmo assim, o PIC não foi encerrado.
Voto do relator
Ao analisar o caso, ministro Saldanha Palheiro destacou que, apesar de estar exercendo cargo administrativo, o corregedor adotou procedimentos de cunho jurisdicional. "Mandou ouvir pessoas, busca e apreensão, fez determinadas devassas."
O ministro destacou relatório do CNJ, segundo o qual "é clara a prévia seleção dos investigados e a transformação da natureza do procedimento de pedido de providencias rotineiro para uma investigação severa de cunho disciplinar, antes de se descobrir o objeto a ser perquirido".
Ainda segundo o CNJ, é "evidente que o investigador lançou mão do artificio de colher de forma especulativa toda sorte de informações possíveis". A investigação envolveu redes sociais, matrículas de imóveis, informações do Detran, entrada e saída do Brasil etc.
"O que se verifica é que, até esse momento, tem mais de três anos a investigação, não existe imputação específica, apuração específica contra ato ilícito, qualquer que seja ele. Tanto é assim que a denúncia não é oferecida."
O relator destacou um fato determinante: no pedido de reconhecimento da impropriedade da investigação pelo órgão do MP, o parquet se recusou a proceder o arquivamento sob justificativa da independência de Poderes, de instância. Mas o promotor que estava lotado na vara da juíza teve sua investigação arquivada.
"O promotor foi beneficiado pelo arquivamento, mas o membro do MP não considerou que a comunicação entre processos decisórios e autoridades igualmente competentes, se prestariam aos juízes."
Saldanha Palheiro ainda citou movimentos envolvendo a investigação que “causam perplexidade”.
Primeiro: o MP envia a integralidade das peças do procedimento investigativo ao Coaf para investigar o que se tinha ali, e não o contrário – o Coaf enviar ao MP.
Segundo: foi solicitada oitiva da faxineira do escritório de advocacia do pai da juíza – um desembargador aposentado de 87 anos de idade. "O MP solicitou e foi deferida a oitiva. Perguntando a hora que chegava, saia, se recebia pessoas, se dava telefonemas. Uma coisa ‘pouco técnica.'"
Ao reforçar que não há qualquer imputação específica, e que a magistrada continua no exercício da judicatura, em constrangimento permanente, o ministro votou por conceder o HC e trancar o PIC, destacando que nada impede a reabertura se houve algum fato novo a ser investigado.
O julgamento na 6ª turma foi suspenso por pedido de vista do ministro Sebastião Reis.
- Processo: HC 799.174