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STF julga lei do Ceará que proíbe pulverização aérea de agrotóxicos

Julgamento virtual começa amanhã e termina na próxima semana.

18/5/2023

STF retoma nesta sexta-feira, 19, o julgamento que analisa a validade de lei do Ceará que proíbe pulverização aérea de agrotóxicos no Estado. A ação é movida pela CNA - Confederação Nacional da Agricultura, que alega violação à livre iniciativa e aos objetivos da política agrícola.

O julgamento, que já conta com dois votos favoráveis à constitucionalidade da lei estadual 16.820/19, deve ser concluído no dia 26 de maio. 

Lei do Ceará proíbe pulverização aérea de agrotóxicos no Estado.(Imagem: Divulgação/Cenipa)

Memorial

Em memorial enviado ao STF, o advogado André Maimoni, que representa o Psol, defende a constitucionalida da lei estadual.

“Permitir que as empresas apliquem método que amplia a dispersão dos agrotóxicos, e com isso a contaminação, como é a pulverização aérea, é seguir autorizando a privatização dos lucros e uma socialização dos riscos, visto ser a própria sociedade quem arca com o tratamento das doenças ocasionadas pelos pesticidas.”

Também na mesma linha é o entendimento de diversas entidades, que também enviaram manifestação ao Supremo. As organizações defendem a competência estadual para legislar sobre restrição de uso de agrotóxicos mediante pulverização aérea.

Audiência pública

Devido à retomada do julgamento, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado realizou na última segunda-feira, 15, audiência pública para debater os efeitos da pulverização aérea de agrotóxicos. O requerimento para realizar o debate foi feito pelo presidente da comissão, senador Paulo Paim. O encontro contou com a participação de cientistas, pesquisadores, lideranças comunitárias e representantes do Ministério Público.

Não é um julgamento sobre uma lei do Ceará, é um julgamento sobre o Brasil”, afirmou o deputado estadual Renato Roseno, autor da lei cearense. Ele e outros participantes da audiência defenderam que os Estados têm competência para legislar sobre a matéria, tendo em vista a lei 7.802/89, conhecida como lei dos agrotóxicos. Também foi levantado o problema da deriva, que corresponde ao volume da substância pulverizada que não atinge o alvo pretendido.

Luiz Claudio Meirelles, da Fiocruz, defendeu a manutenção da lei estadual 16.820/19. De acordo com nota técnica emitida pela instituição, a pulverização aérea foi proibida na União Europeia justamente devido ao seu potencial de “prejudicar significativamente a saúde humana e o ambiente, nomeadamente devido ao arrastamento da pulverização”.

Meirelles lembrou ainda o posicionamento do Inca - Instituto Nacional do Câncer contra as práticas de uso de agrotóxicos no Brasil, ressaltando seus riscos à saúde.  

Impactos na saúde 

Além de câncer, problemas respiratórios, deformação fetal, puberdade precoce, doenças neurológicas e suicídio estão entre as consequências da intoxicação por agrotóxicos citadas durante a audiência. Maria Juliana Moura Corrêa, diretora do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, entregou à comissão uma nota técnica.

Nela, o ministério da Saúde recomenda que as políticas dos diversos setores estejam alinhadas à prevenção de riscos à saúde da população. “Estudos constataram que a deriva decorrente da aplicação aérea de agrotóxicos já alcançou uma distância de 32 km da área alvo. Dessa forma, ao atingir o meio ambiente, pode também contaminar mananciais de abastecimento de água para consumo humano, assim como lavouras e rebanhos vizinhos”, destaca o texto. 

Outra preocupação dos participantes foi o avanço na tramitação do projeto de lei 1.459/22, apelidado de Pacote do Veneno, que pode facilitar a liberação e a circulação de defensivos agrícolas.

Segundo Juliana Santorum, representante da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela vida, 720 mil toneladas de ingredientes ativos de agrotóxicos foram comercializadas no Brasil em 2021 e esse número pode aumentar.

“Não existe possibilidade de usar o agrotóxico de forma segura, isso é um mito”, afirmou Leomar Daroncho, procurador do Trabalho e membro do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos do ministério Público do Trabalho.

Os participantes também disseram que o país não conta com uma rede de laboratórios capaz de monitorar a totalidade das substâncias autorizadas. Portanto, não seria possível medir a exposição das pessoas a essas moléculas. 

Impactos na economia

Pedro Luiz Gonçalves Serafim da Silva, subprocurador-geral do Trabalho, afirmou que a lei cearense que proíbe a pulverização aérea é um exemplo para o Brasil. Para ele, os agrotóxicos são um problema não apenas do campo e podem impactar a relação do país com parceiros internacionais. Silva destacou a assimetria entre o Hemisfério Sul e o Hemisfério Norte no que diz respeito ao tema, podendo levar o Brasil a sofrer futuros embargos.

Para exemplificar, ele citou a pesquisa de Larissa Mies Bombardi, da Universidade de São Paulo. O levantamento aponta que a legislação brasileira permite 5 mil vezes mais resíduo de glifosato na água potável que a União Europeia: enquanto aqui são tolerados 500 µg/litro, os países da UE limitam esse resíduo a 0,1µg/litro. O glifosato é o agrotóxico mais vendido no Brasil e testes de laboratório com essa substância levaram ratos ao desenvolvimento de tumores, à morte precoce, além de outros efeitos.

O diretor-executivo do Sintag - Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola, Gabriel Colle, defendeu o uso da tecnologia aérea na agricultura, mas disse que é preciso apurar responsabilidades.

“Nosso papel aqui não é defender agrotóxicos, mas defender uma ferramenta, sabendo os desafios que ela tem.”

Segundo ele, o setor é regulado, envolve cerca de 200 empresas e emprega aproximadamente 5 mil pessoas. Colle sustenta que a aviação é responsável por menos de 10% da aplicação de agrotóxicos e que os casos de deriva que atingem comunidades e outras áreas vulneráveis são exceções. 

Mais atingidos

Para Adelar Cupsinski, representante da Fian Brasil, trabalhadores rurais, assentados, quilombolas e indígenas seriam os grupos mais afetados pela pulverização aérea de agrotóxicos. “Onde há conflito pela posse da terra, muitas vezes se utilizam os agrotóxicos contra essas comunidades. O [povo] Guarani Kaiowá é um exemplo”, afirmou.

Já o procurador do MPF, Marco Antônio Delfino de Almeida, argumentou que o uso indiscriminado de agrotóxicos evidencia o racismo ambiental, isto é, o efeito desproporcional de impactos ambientais sobre populações mais frágeis.

O produtor agroecológico José Carlos, vítima de pulverização aérea em Nova Santa Rita/RS entre 2020 e 2021, participou remotamente da audiência. Ele relatou as dificuldades enfrentadas após a deriva do veneno que atingiu casas, aquíferos, pastagens, lavouras, pomares e vegetação nativa. De acordo com ele, os pequenos agricultores que tiveram suas terras contaminadas não puderam vender seus produtos durante dois meses, comprometendo a subsistência das famílias.

“O veneno destrói não só as plantas, destrói a dignidade das pessoas, destrói as perspectivas de futuro das pequenas comunidades”, disse.

Erileide Domingues, professora e líder da comunidade Guyraroká, no Mato Grosso do Sul, se referiu à aplicação aérea como “pulverização de ódio”. Domingues disse que a produção de mandioca, de arroz e de outros alimentos foi comprometida após a aldeia sofrer pulverização irregular de agrotóxicos em 2018, fazendo com que a comunidade se tornasse mais dependente de assistência governamental. “Não tem como dizer que veneno dá vida”, afirmou.

Enquanto aguardam conclusão do julgamento pelo STF, participantes celebraram o voto da ministra Cármen Lúcia, relatora da ação. Para ela, os Estados não contrariam a Constituição quando editam “normas mais protetivas à saúde e ao meio ambiente quanto à utilização de agrotóxicos”. O voto foi seguido pelo ministro Edson Facchin. O julgamento será retomado com voto-vista do ministro Gilmar Mendes.

Informações: Agência Brasil.

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