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STJ absolve homem negro acusado em 62 ações só com base em fotos

Suas fotos foram retiradas de perfis nas redes sociais, incluídas no álbum de suspeitos da delegacia de polícia de Belford Roxo/RJ, e passaram a ser reconhecidas por vítimas de roubo na região.

10/5/2023

Nesta quarta-feira, 10, a 3ª seção do STJ absolveu um homem negro acusado em 62 ações penais com base apenas em seu reconhecimento fotográfico. Suas fotos foram retiradas de perfis nas redes sociais, incluídas no álbum de suspeitos da delegacia de polícia de Belford Roxo/RJ, e passaram a ser reconhecidas por vítimas de roubo na região.

O caso

Num enredo de novela, o porteiro de um prédio, que nunca havia sido preso ou acusado de qualquer crime, passou a ser reconhecido por vítimas de roubo e, hoje, já soma acusações em incríveis 62 ações penais. Na origem de todas as acusações está seu reconhecimento por meio de fotos, retiradas de redes sociais e incluídas no álbum e no mural de suspeitos da Delegacia de Belford Roxo/RJ, pois sua aparência física era compatível com a descrição apresentada por vítimas de crimes.

Em uma dessas ações penais, à qual se refere o HC 769.783, o juízo de primeiro grau condenou o réu a seis anos e oito meses de reclusão, em regime inicial fechado. O TJ/RJ negou provimento ao recurso da defesa e, atendendo a um pedido do Ministério Público, reconheceu o concurso de agentes e ainda aumentou a pena para oito anos.

Autora do habeas corpus, a Defensoria Pública do RJ argumenta que a identidade visual do suspeito foi sendo construída no curso da investigação, até resultar na identificação do porteiro, reconhecido apenas por fotografia apresentada às vítimas ao lado de outras que mostravam indivíduos com características físicas diferentes.

O IDDD - Instituto de Defesa do Direito de Defesa, que também atua em favor do réu, alega que todos os 62 casos seguiram o mesmo procedimento policial: o reconhecimento fotográfico e o pronto encerramento das investigações, sem diligência alguma. Afirma ainda que esse episódio expõe uma maneira inaceitável de "investigar", uma não-atuação policial que, diuturna e impunemente, produz injustiças.

Afetação

Devido à grande quantidade de acusações, a defesa do réu impetrou vários pedidos de habeas corpus, que foram distribuídos a diferentes relatores no STJ, componentes da 5ª e da 6ª turma.

Diante disso, a ministra Laurita Vaz, relatora do HC 769.783, apontou a necessidade de que todos os habeas corpus fossem analisados em conjunto pelos membros da 3ª seção, para que se tenha uma decisão uniforme sobre eles.

O homem negro foi acusado em 62 ações só com base em fotos.(Imagem: Arte Migalhas)

Sustentações orais

O julgamento colegiado de hoje na 3ª seção começou com as sustentações orais. Falando pelo IDDD, o advogado Guilherme Ziliani Carnelos disse que o paciente é vítima de uma violação sistemática de direitos e foi “consumido pela máquina de moer gente que se tornou o Poder Judiciário do RJ”.

“Ele é um recorte das vítimas feitas por essa postura investigativa de péssima qualidade.”

Ato contínuo sustentou Pedro Lourival Carriello, pela Defensoria Pública. Ele destacou que o réu é negro, pobre e periférico e citou o racismo processual existente. “Nós somos uma nação racista”, lamentou.

Absolvição

Em seu voto, ministra Laurita Vaz, relatora, constatou que a condenação se lastreou apenas em depoimento da vítima e reconhecimento fotográfico, sem que outras testemunhas de acusação fossem ouvidas e sem que a res furtiva fosse apreendida em poder do acusado.

Ponderou, ainda, que houve descrição genérica de poucas características do sujeito e destacou que a vítima mudou como o descreveu no primeiro e segundo depoimento.

“Alguns aspectos foram adicionados, outros retirados e outros modificados. No primeiro relato o descreveu como pardo e no segundo, 15 dias depois, como negro.”

Segundo Laurita, o decorrer do tempo tem ação negativa na confiabilidade da memória, já que o processo natural de esquecimento exclui alguns dados.

“O inverso, para adicionar mais características físicas, é que não é usual.”

Por fim, a relatora também salientou que a vítima não afirmou ter reconhecido o paciente em sede policial.

“Essa é a prova que se tem nos autos. A acusação não se preocupou em trazer mais nada para esclarecer os fatos. Há dúvida razoável a respeito da autoria delitiva.”

Próximo a falar, ministro Sebastião Reis Jr. lamentou o caso e disse que isso demonstra a falência do sistema processual penal.

“Trata-se de uma ilegalidade gritante. O racismo existe e não há como se contestar essa realidade.”

Salientou ainda que pretos e pobres são os principais alvos da atuação policial: “não se trata de um caso isolado e mostra que alguma coisa não está funcionando”.

Ministro Rogerio Schietti Cruz endossou a fala e classificou a situação como “vergonhosa”.

“Estamos diante de um caso que me envergonha por ser integrante desse sistema de Justiça capaz de moer gente. É uma roda viva de crueldades.”

Em decisão unânime, a turma concedeu a ordem para absolver o paciente, ordenou a soltura e determinou que os juízes e TJ/RJ analisem os processos.

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