Uma ação que corre no TJ/BA deve ser contemporânea de muitos leitores.
Com efeito, noticiamos há alguns dias que há 27 anos tramita um processo envolvendo o antigo Banco Econômico.
Depois da reportagem, recebemos uma gentil mensagem do advogado do caso, com alguns apontamentos, os quais podem ser encontrados logo abaixo.
Antes, vejamos como nasce um processo tão longevo assim. Acreditem, leitores, de uma prosaica ação revisional. E dessa ação - que por circunstâncias inesperadas aparentemente foi exitosa - nasceu uma rescisória.
A referida rescisória, essa sim, foi exitosa e extinguiu a execução da revisional, a qual já tinha se iniciado, e que hoje giraria em torno de módicos R$ 1,8 bi.
Até aí, tudo bem, coisa ordinária na Justiça. Seria assim, não fosse o fato de que a execução da sentença anulada continua tendo andamento, e o TJ/BA ainda não encerrou o caso.
E não o fez, porque, acreditem, mais de 60 magistrados já se declararam suspeitos ou impedidos ao longo dos intrincados trâmites processuais nestas quase três décadas de escaninhos.
A leitora, ouvindo essa história, pode imaginar que esse seria um caso de filme de far west americano. Engana-se: é no Brasil mesmo, e na Bahia.
Como diria o saudoso Octavio Mangabeira: "- Pense num absurdo! Na Bahia tem precedente."
Ação revisional
Tudo começou com o ajuizamento de ação revisional distribuída à 2ª vara de Relações de Consumo de Salvador/BA, em setembro de 1995. O processo, ajuizado por Prisma S.A., Concic Engenharia e outros, pretendia o reexame de quase 700 instrumentos de dívida e a restituição em dobro de valores supostamente pagos em excesso ao Banco Econômico.
Após a citação da instituição financeira, e tendo em vista o montante envolvido no caso, o banco requereu prazo adicional de 15 dias para a contestação, além dos 15 dias legais. Embora o pedido tenha sido atendido, o banco acabou por apresentar sua contestação dentro do prazo legal.
Surpreendentemente, foi proferida sentença que decretou a revelia do Banco Econômico, por considerar intempestiva a contestação apresentada antes (!) do término do prazo que lhe fora concedido. Com a revelia providencial, foram tidos como verdadeiros todos os argumentos apresentados pelos autores. Assim, o Banco Econômico foi condenado à devolução em dobro do valor pleiteado na inicial, bem como ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 15% sobre este valor.
O Banco Econômico chegou a interpor recurso de apelação contra a sentença, porém foi reconhecida a deserção do recurso em virtude da ausência de recolhimento tempestivo do preparo.
Não restou saída ao banco senão propor uma ação rescisória, o que o fez em março de 1998, visando a anulação da sentença proferida na revisional.
Anulação da sentença
Dez anos depois, em fevereiro de 2008, a demanda foi submetida a julgamento das câmaras Cíveis do TJ/BA. Por 16 a 1, a ação rescisória foi julgada procedente para reconhecer que não houve renúncia ao prazo de defesa, nem tampouco revelia, determinando a anulação da sentença e a remessa dos autos ao juízo de origem.
Por meio de questão de ordem, importante que a leitora se atente para este ponto, foi decidido, ainda, que os honorários estariam igualmente desconstituídos, e, que inexistiria litisconsórcio passivo necessário em relação aos causídicos que atuaram naquela falecida causa.
O acórdão foi impugnado por meio de embargos infringentes, os quais foram julgados prejudicados. Com isso, deu-se o trânsito em julgado da rescisória, e, assim, foi devidamente anulada a sentença da revisional.
Tumulto processual
Diante desse contexto, o esperado era que, em primeiro grau, fossem extintos os cumprimentos de sentença ou sobrestados os procedimentos. No entanto, desafiando o decidido pelo TJ/BA, o juiz de primeiro grau, em 2014, deu prosseguimento às execuções, mesmo diante da sentença anulada.
Os réus também continuaram sustentando que o trânsito em julgado ainda não se verificara, pugnando pelo julgamento de embargos infringentes que tinham sido considerados prejudicados.
Também os ex-advogados da Prisma/Concic, inconformados com a desconstituição da verba sucumbencial, passaram a interpor recursos múltiplos.
Em primeiro grau, magistrados chegaram a reprimir a atuação excessiva. Caindo nesse enredo jurídico, desembargadores foram, um a um, dando-se por impedidos ou suspeitos.
E é assim, nessa barafunda jurídica, com suspeições a rodo, somada a um emaranhado de recursos, os quais engessaram a atuação do TJ/BA, que se mantém ainda viva uma execução de títulos judiciais outrora invalidados.
Acordo - Aquisição do Banco Econômico
Nesse ínterim, a instituição financeira é adquirida. Mas para que se efetivasse a aquisição, era preciso finalizar todas as pendências. Uma delas era a esdrúxula situação do imbróglio processual aqui narrado, o qual impedia o encerramento definitivo da rescisória e, com isso, não permitia a extinção de uma contingência bancária que poderia até impedir o projeto de recuperação das atividades da instituição financeira.
Nesse contexto, e por mero pragmatismo, foi ajustada uma transação entre o Banco Econômico e o FIDC Alternative Assets, que nessa hora já era o cessionário do crédito das autoras originais da falecida demanda revisional.
Nesse sentido, em setembro de 2022, por meio do mencionado acordo, o referido Fundo desistiu dos embargos infringentes interpostos ao acórdão que havia julgado procedente a demanda rescisória, a fim de acabar com qualquer dúvida relativa a seu caráter definitivo, requerendo, ambas as partes, a homologação do acordo entabulado, com a extinção da ação e certificação de seu trânsito em julgado.
A seguir, em outubro de 2022, diante do acordo, foi concluída a aquisição do Banco Econômico pelo Banco BTG.
Pensa, leitora, que acabou? Mas não, há sempre tempo para mais uma novidade. É que os antigos patronos de uma das requerentes, saudosos dos honorários que foram fulminados na rescisória (v. acima a questão de ordem no tópico "Anulação da sentença"), propuseram diversos incidentes e recursos de modo a impedir a homologação da transação, pedindo até penhora bilionária contra o Banco Econômico.
A instituição financeira, todavia, não consegue nem sequer ter seus pedidos apreciados, como uma urgente suspensão das execuções, pois não existia relator competente para apreciar o caso. Um modelo de manual, a propósito, acerca da negativa de jurisdição.
Com efeito, mesmo após a anulação da sentença da revisional e de acordo homologado pelas partes, que extinguiu a ação, tenta-se executar a pequena bagatela de R$ 1,8 bilhão.
A referida execução tem prevenção na 1ª câmara do tribunal baiano, e agora, dizem, tem desembargador competente e que pode, enfim, francamente solucionar a questão.
No ano em que se completa o centenário de morte de Rui Barbosa, cujos restos mortais descansam no fórum chantado no Largo do Campo da Pólvora, fará bem a Corte se, em homenagem à memória do ilustre baiano, der fim à causa.
Mesmo porque, como ensinou o Conselheiro, "Justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta."
Resposta
O advogado que atua contra o Banco Econômico encaminhou pedido de resposta à redação do Migalhas.
Inicialmente, frise-se que seu nome nem sequer foi mencionado na matéria, a qual é apenas descritiva dos fatos.
Nesse sentido, deliberou-se aqui também não mencionar seu nome, de modo a manter a coerência.
O causídico que pede direito de resposta conta, ipsis litteris: "a execução de sentença jamais obteve êxito em penhorar qualquer valor ou bem, mesmo diante da coisa julgada da fase de conhecimento e, depois, na fase de execução ocorreram coisa julgada em três recursos de Agravo de Instrumento uma reclamação. Permanece vigente acórdão de Agravo de Instrumento do TJBA que determina penhora do Banco, entretanto, a custa de recalcitrância amparada por impunidade do banco e desembargadora prima, somente o Banco foi multado pelo TJBA por ato atentatório em 10% (R$70 milhões- 2006), essa multa aplicada em favor do Estado da Bahia, esse que figura junto com os advogados em outras duas Ações Rescisórias conexas, aforadas desde 2009".
Reafirmando o dito na matéria, o advogado reforça que houve aquisição do Banco Econômico, mas diz que o acordo mencionado entre adquerente e o fundo detentor dos direitos creditórios se deu para "exterminar com os honorários advocatícios e seus credores".
Diz também que o pedido de desistência dos embargos - o qual adjetiva de "falácia" - foi impugnado e os recursos mantidos.
O causídico, sem poupar adjetivos, e num vernáculo inolvidável, conta ainda algumas vicissitudes que não foram objeto da reportagem, e que, a bem da verdade, nossa capacidade cognitiva não alcançou.
Como nosso espaço é diminuto (são meras migalhas), pedimos desculpas ao litigante e aos leitores.
Ademais, o foro competente para conhecer das razões do litígio é outro.
Mas fato é que tal circunstância também acaba por explicar a situação anômala desse peculiar caso.