O juiz de Direito Adriano Mariano de Oliveira, da 23ª vara Cível de Recife/PE, condenou o padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, da Diocese de Anápolis/GO, a pagar R$ 10 mil por danos morais a um médico que chamou de assassino, além de outras ofensas. O profissional é obstetra e diretor de centro médico responsável por realizar o aborto legal de uma garota de dez anos que foi estuprada pelo tio.
O caso
Nos autos consta que o caso de uma menina vítima de estupro em São Mateus/ES ganhou grande repercussão nacional. Após autorização para interrupção da gravidez pelo juízo da vara da Infância e Juventude, Órfãos e Sucessões da Comarca de São Mateus, a vítima foi transferida para Recife/PE para a realização do procedimento.
O encaminhamento da criança para o CISAM - Universidade de Pernambuco - UPE foi amplamente documentado e divulgado, causando a presença de diferentes grupos religiosos e figuras políticas contrárias ao ato, os quais, segundo relato do médico, tumultuavam e obstruíam a entrada do hospital, bem como dirigiam ofensas à menor e aos profissionais médicos envolvidos.
Durante esses atos, o padre teria escrito no site da Associação Pró-Vida, presidida por ele, textos com acusações caluniosas ao obstetra, chamando-o de “assassino” não só com relação ao presente caso, mas também sobre a interrupção de gravidez realizada em uma criança de nove anos de idade e igualmente vítima de estupro em 2009.
Leia trechos abaixo:
“Tinha 22 semanas e quatro dias de vida (quase seis meses) e estava no útero da menina quando foi cruelmente assassinada [...]. O assassínio começou às 17 horas de domingo (16/08/2020) e só terminou às 10 horas de segunda-feira. Sem nome, sem registro civil, sem Batismo, a filhinha de [inicial da criança]. foi tratada como lixo hospitalar, material biológico descartado. O autor deste segundo crime, o médico [nome do médico], está em liberdade”.
“Não é esta a primeira vez que Dr. [nome do médico] mata criancinhas. O caso mais famoso foi o aborto de duas meninas gêmeas, por ele praticado no mesmo hospital em 2009, dentro do útero de uma menina de Alagoinha (PE), de nove anos de nascida.”
Julgamento
Na ação, o médico pedia o valor de R$ 40 mil pelos danos à honra causados a sua imagem e a retirada do conteúdo do site da associação Pró-Vida de Anápolis, incluindo arquivo para download, bem como a determinação de proibição do padre de divulgá-lo pela via impressa ou qualquer outra mídia social, sob pena de multa diária.
Já a defesa do sacerdote alegou que as expressões usadas no texto escrito no site foram somente a exposição de cognição jurídica que permite a interpretação do procedimento abortivo no Brasil. Ponderou, ainda, que a palavra utilizada no texto foi “Assassínio” e não “Assassino” e que o médico seria politicamente engajado e exposto ao trabalhar com temas sensíveis.
Ao analisar o caso, o juiz observou que as postagens, mesmo diante da alegação do réu de que teria havido adulteração e de que o conteúdo original não continha a palavra “assassino”, mas “assassínio”, remete ao termo com cunho calunioso dirigido ao médico, inclusive citando o nome do profissional, independentemente da crítica social ao procedimento.
O magistrado também ressaltou que, apesar da liberdade de expressão, não se pode imputar a uma outra pessoa comentários ofensivos que abalem sua imagem pessoal e profissional baseados em temas polêmicos que inclusive dividem opiniões.
“Portanto, a liberdade de expressão e de pensamento não é direito absoluto e deve ser exercida em respeito à dignidade alheia para que não resulte em prejuízo à honra, à imagem e ao direito de intimidade da pessoa."
O juiz decidiu que o padre deverá indenizar o médico em R$ 10 mil por danos morais, além de abster-se de divulgar o texto pela via impressa ou qualquer outra mídia social, sob pena de cominação de multa.
- Processo: 0043066-27.2022.8.17.2001
Veja a decisão.
Outra condenação
Este não é o primeiro caso em que o padre Luiz Carlos Lodi da Cruz é condenado por polêmica relacionada ao aborto. Em 2008, uma jovem entrou a Justiça após ter um aborto legal impedido por ele.
A mulher teria conseguido na Justiça o direito de abortar, após receber o diagnóstico de que seu bebê tinha uma condição chamada síndrome de Body Stalk, que o impedia de ter vida fora do útero. Já no processo para abortar por meio de medicamentos, o padre conseguiu outra decisão, que interrompeu o procedimento e a obrigou a deixar o hospital. Após oito dias, o bebê nasceu, mas morreu menos de duas horas depois.
Em 2016, a ministra Nancy Andrighi, do STJ, condenou o sacerdote, após esgotar seus pedidos de recurso. Somente em 2020 a mulher conseguiu encerrar o processo e receber quase R$ 400 mil por danos morais do padre.
Aborto no Brasil
O aborto é um tema polêmico e sensível em todo o mundo. A prática é proibida em quase 20 países, especialmente na África e na América Latina. No Brasil, a legislação permite o aborto em alguns casos específicos. Em junho do ano passado, Migalhas fez uma matéria especial sobre as situações nas quais o aborto é permitido no país.
Também aqui no portal foi divulgado, recentemente, o caso de uma menina de 10 anos que sofreu estupro e engravidou. Quando a mãe descobriu a gestação, já com 22 semanas, procurou ajuda médica. Mas o hospital se negou a realizar o procedimento porque, por normas internas, após a 20ª semana seria exigida autorização judicial.
Outro caso que ganhou grande repercussão no mundo jurídico foi o de uma criança de 11 anos que engravidou pela segunda vez após estupros. Ela, que já tem um bebê de um ano, foi mantida em um abrigo em Teresina por meses, e em determinado momento teria deixado claro que desejava abortar ao buscar ajuda médica, mas foi liberada sem a realização do procedimento. Depois, teria mudado de ideia sobre a interrupção da gravidez.