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Barroso defende regulamentação da internet em conferência da Unesco

O ministro afirmou que desinformação, discurso de ódio, assassinato de reputações e teorias da conspiração, viabilizados pela internet e mídia social, se tornaram sérias ameaças à democracia e aos direitos humanos.

26/2/2023

Na última quinta-feira, 23, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, participou da conferência mundial "Para uma Internet Confiável" (Internet for Trust - Towards Guidelines for Regulating Digital Platforms for Information as a Public Good), na sede da Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura em Paris, na França.

Em sua palestra, o ministro defendeu a regulamentação da internet e afirmou que desinformação, discurso de ódio, assassinato de reputações e teorias da conspiração, viabilizados pela internet e mídia social, se tornaram sérias ameaças à democracia e aos direitos humanos.

“As incorretamente chamadas ‘fake news’ têm servido como uma ferramenta decisiva para o extremismo, reforçando a polarização, promovendo a intolerância e, enfim, a violência.”

No entendimento de Barroso, a internet precisa ser regulamentada pelos seguintes motivos: (i) por razões econômicas, para permitir a tributação justa, pela lei antitruste e a proteção do direito autoral, por exemplo; (ii) para proteger a privacidade e evitar o uso inapropriado de dados que as plataformas digitais coletam de todos os seus usuários; e (iii) para combater comportamento inautêntico coordenado, bem como o conteúdo ilícito e a desinformação.

Segundo o ministro do STF, a regulamentação deve ser feita em três níveis diferentes: a) regulamentação governamental, com uma estrutura geral que contenha os princípios e as regras básicas; b) autorregulamentação, com termos claros de uso e padrões comunitários, para serem executados com transparência, devido processo, justeza e auditoria; c) autorregulamentação regulada, transferindo às plataformas uma boa parcela de responsabilidade pela execução da regulamentação aplicável, minimizando a interferência do governo.

“As grandes plataformas devem ter um organismo de controle interno (semelhante ao Conselho de Supervisão do Facebook). E deve haver um organismo independente para monitoramento e controle externo, composto por representantes do governo (sempre uma minoria), plataformas, sociedade civil e meio acadêmico.”

No fim de sua fala, Barroso destacou que estamos enfrentando uma guerra da verdade contra a mentira, da confiança contra o descrédito, do bem contra o mal.

“O maior problema é que o mal algumas vezes se disfarça de bem – pretendendo ser liberdade de expressão – e o bem irá correr o risco de ser pervertido, se ele se converter em arbitrariedade. O equilíbrio apropriado aqui é vital, de forma que a necessária proteção da liberdade de expressão contra os males da desinformação e do ódio não abra as portas para a censura.”

Assista a íntegra do discurso:

Leia a íntegra da palestra:

Visão do futuro

I. Introdução

1. Agradeço muito o convite. É um prazer e uma honra estar aqui.

II. Próximos passos

1. Penso que esta conferência consolidou algum consenso:

a) Desinformação, discurso de ódio, assassinato de reputações e teorias da conspiração, viabilizados pela Internet e mídia social, se tornaram sérias ameaças à democracia e aos direitos humanos.

b) As incorretamente chamadas “fake news” têm servido como uma ferramenta decisiva para o extremismo, reforçando a polarização, promovendo a intolerância e, enfim, a violência.

Por essa razão, precisamos renovar a reforçar a ideia da democracia militante, bem como as preocupações de não ser tolerante com os intolerantes.

c) Já se foi o tempo em que a crença dominante era a de que a internet deveria ser “aberta, gratuita e não-regulamentada”.

2. A internet precisa ser regulamentada: (i) por razões econômicas, para permitir a tributação justa, pela lei antitruste e a proteção do direito autoral, por exemplo; (ii) para proteger a privacidade e evitar o uso inapropriado de dados que as plataformas digitais coletam de todos os seus usuários; e (iii) para combater comportamento inautêntico coordenado, bem como o conteúdo ilícito e a desinformação.

Comportamento inautêntico coordenado significa o uso de meios automatizados – bots, perfis falsos e agentes provocadores – para espalhar desinformação.

3. Uma vez feito o diagnóstico, é preciso agir. O primeiro passo é conscientizar governos, plataformas e a sociedade civil sobre a urgência de tais medidas. E tentar ajudá-los no que têm de fazer.

III. Como regulamentar

1. A regulamentação deve ser feita em três níveis diferentes: a) Regulamentação governamental, com uma estrutura geral que contenha os princípios e as regras básicas; b) autorregulamentação, com termos claros de uso e padrões comunitários, para serem executados com transparência, devido processo, justeza e auditoria; c) autorregulamentação regulada, transferindo às plataformas uma boa parcela de responsabilidade pela execução da regulamentação aplicável, minimizando a interferência do governo.

As grandes plataformas devem ter um organismo de controle interno (semelhante ao Conselho de Supervisão do Facebook). E deve haver um organismo independente para monitoramento e controle externo, composto por representantes do governo (sempre uma minoria), plataformas, sociedade civil e meio acadêmico.

2. Responsabilização da plataforma por conteúdo de terceiros deve ser razoável e proporcional. Penso que as seguintes regras devem ser consideradas:

a) Em caso de claro comportamento criminoso, tal como pornografia infantil, terrorismo e incitação a crimes, as plataformas devem ter o dever de diligência, para usar todos os meios possíveis para identificar e remover tal conteúdo, independentemente de provocação;

b) Em casos de clara violação de direitos de terceiros, tais como compartilhamento de fotos íntimas sem autorização e violação de direitos autorais, entre outros, as plataformas devem remover o conteúdo após serem notificadas pela parte interessada;

c) Entretanto, em casos de dúvida, em áreas de penumbra em que pode haver dúvida razoável, a remoção deve ocorrer após a primeira ordem judicial.

IV. Educação da mídia

1. Além da regulamentação, autorregulamentação e controles internos e externos, manter um ambiente saudável na esfera pública representada pelas plataformas digitais depende da educação da mídia e da conscientização das pessoas. A circulação de notícias falsas é frequentemente ocasionada de maneira não intencional por usuários das plataformas que reproduzem mensagens recebidas inadvertidamente.

2. Algumas pessoas subestimam a educação da mídia, mas penso que, junto com a necessária regulamentação, ela é indispensável. Na minha juventude, nos anos 70, víamos placas nas ruas e estradas que diziam “Proibido jogar lixo”. Naquela época, as pessoas eram educadas para não jogar lixo nas ruas e estradas. Hoje em dia, não vemos mais essas placas e muitas pessoas não jogam lixo. Jogar lixo é um comportamento residual.

Conclusão

Em sua apresentação ontem, Maria Ressa disse corretamente que as três palavras-chave nesse debate são fatos, verdade e confiança. É sobre isso que falamos. No fundo, estamos enfrentando uma guerra da verdade contra a mentira, da confiança contra o descrédito, do bem contra o mal. O maior problema é que o mal algumas vezes se disfarça de bem – pretendendo ser liberdade de expressão – e o bem irá correr o risco de ser pervertido, se ele se converter em arbitrariedade. O equilíbrio apropriado aqui é vital, de forma que a necessária proteção da liberdade de expressão contra os males da desinformação e do ódio não abra as portas para a censura.

Em resposta a pergunta da plateia, sobre os riscos para a liberdade de expressão, acrescentou-se:

1. Existem dois problemas no modelo de negócio das mídias digitais:

a) o acesso às plataformas e aos aplicativos geralmente é grátis, mas o usuário paga com os seus dados pessoais, com a sua privacidade; e

b) o negócio das plataformas é o engajamento, não a notícia e menos ainda a verdade. O interesse é manter o usuário na rede, o que frequentemente leva à amplificação dos conteúdos provocativos, radicais e agressivos.

2. É nesse cenário que se coloca o nosso debate. A liberdade de expressão é um direito fundamental precioso e mesmo uma liberdade preferencial em muitos países, por várias razões, entre as quais a de ser essencial: 

 a) para a democracia, permitindo a livre circulação de ideias, fatos e opiniões; 

b) para a busca da verdade possível e plural, numa sociedade aberta; 

c) para a dignidade humana, permitindo às pessoas o direito de manifestar sua personalidade e sua visão de mundo.

3. Porém, desinformação, mentiras, discursos de ódio, ataques à democracia, prática ou incitação à prática de crimes violam todos esses três fundamentos. Por essa razão, a mesma lógica que legitimou a proteção especial da liberdade de expressão agora justifica a luta contra a desinformação nas suas diferentes versões.

4. A dificuldade, assim, não reside na decisão de que tais comportamentos devem ser banidos, mas sim em como identificá-los adequadamente, evitando excessos indesejáveis.

5. Em conclusão: o conhecimento e a verdade – nunca absolutos, mas sinceramente buscados – são elementos essenciais para o funcionamento de uma democracia constitucional.

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