O STF decidiu nesta quinta-feira, 23, pela possibilidade de autoridades nacionais solicitarem dados diretamente a provedores de internet estrangeiros com sede ou representação no Brasil sem, necessariamente, seguir o procedimento do acordo celebrado entre o Brasil e os Estados Unidos. Em decisão unânime, o plenário entendeu que a hipótese está prevista no Marco Civil da Internet.
Na tarde de ontem, o plenário declarou a constitucionalidade das normas previstas no MLAT (Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre os dois países), promulgado pelo decreto Federal 3.810/01, e dos dispositivos dos Códigos Processuais Civil e Penal brasileiros que tratam da cooperação jurídica internacional e da emissão de cartas rogatórias. Porém, o Supremo foi além e entendeu que as autoridades brasileiras podem solicitar essas informações diretamente às empresas localizadas no exterior, como previsto no art. 11 do Marco Civil da Internet, que também foi julgado constitucional.
Possibilidade
O ministro Gilmar Mendes, relator, votou pela possibilidade de autoridades nacionais solicitarem dados diretamente a provedores de internet com sede no exterior.
Para o relator, o único instrumento cabível para a solicitação de dados eletrônicos é o da cooperação prevista pelo tratado bilateral e as cartas rogatórias.
Porém, o ministro também considerou possível que as autoridades brasileiras solicitem essas informações diretamente às empresas localizadas no exterior para as atividades de coleta e tratamento de dados que estejam sob a posse ou o controle de empresa com representação no Brasil e para os crimes cometidos por pessoas localizadas em território nacional.
Segundo o relator, essas hipóteses estão contidas no artigo 11 do Marco Civil da Internet, que encontra respaldo no artigo 18 da Convenção de Budapeste.
Art. 11. Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.
§ 1º O disposto no caput aplica-se aos dados coletados em território nacional e ao conteúdo das comunicações, desde que pelo menos um dos terminais esteja localizado no Brasil.
§ 2º O disposto no caput aplica-se mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil. (Revogado pela Medida Provisória nº 1.068, de 2021) (Rejeitada)
§ 2º O disposto no caput aplica-se mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil.
§ 3º Os provedores de conexão e de aplicações de internet deverão prestar, na forma da regulamentação, informações que permitam a verificação quanto ao cumprimento da legislação brasileira referente à coleta, à guarda, ao armazenamento ou ao tratamento de dados, bem como quanto ao respeito à privacidade e ao sigilo de comunicações.
§ 4º Decreto regulamentará o procedimento para apuração de infrações ao disposto neste artigo.
Ilegitimidade
O ministro André Mendonça considerou a ilegitimidade da Assespro para propor a ação ao Supremo e também entendeu que a ADC não apresenta controvérsia judicial relevante.
No entanto, se a maioria do plenário decidir pelo julgamento da ação, seu posicionamento quanto ao mérito será de acompanhar integralmente o voto do relator, salientando que o Marco Civil da Internet é expresso ao atribuir deveres de empresas estrangeiras perante a legislação brasileira.
Para o ministro Nunes Marques, a associação não tem legitimidade para propor a ADC, pois apresenta composição heterogênea de empresas. Ele também entendeu que a matéria não é constitucional e deveria ser resolvida por meio de recurso apropriado.
Contudo, caso a maioria do plenário decida pelo julgamento da ação, o ministro acompanha o relator, ministro Gilmar Mendes, pela constitucionalidade das normas envolvidas.
Indústria de desinformação
Em voto-vista proferido hoje, o ministro Alexandre de Moraes ressaltou que o MLAT deve ser aplicado quando for absolutamente impossível às autoridades judiciais brasileiras a obtenção direta dos dados. Assim, sendo possível a solicitação direta das informações com base no Marco Civil, esse deve ser o caminho a ser adotado, tendo o MLAT e as cartas rogatórias papel complementar.
O ministro iniciou seu voto falando sobre uma "indústria de desinformação e crimes", e que a produção de provas é extremamente difícil, pois se não bloquear e determinar a preservação da prova, a prova some.
Segundo Moraes, é preciso uma regulação pois as penalizações a provedores e plataformas que não atendem ordem judicial são multas muito brandas, ou medidas extremas, como a suspensão do funcionamento. "Não há meio termo", ressalta o ministro.
Para o ministro, não importa de onde vem a informação, mas onde está acontecendo. S. Exa. usou como exemplo as eleições brasileiras.
"O Telegram é de Dubai, mas a divulgação de discursos de ódio e fascistas estavam acontecendo no Brasil, utilizando as antenas brasileiras, tentando afetar as eleições do Brasil. Atos praticados no Brasil, responsabilidade no Brasil, jurisdição brasileira."
Assim sendo, o ministro seguiu integralmente o relator. Os demais ministros também seguiram o voto de Gilmar Mendes.
- Processo: ADC 51