Nesta sexta-feira, 13, o presidente Lula, através da MP 1.160/23, determinou o retorno do voto de qualidade no âmbito do Carf - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Desde 2020, havia uma regra que favorecia o contribuinte em eventuais empates em julgamentos no Conselho.
O imbróglio envolvendo o voto de qualidade, entretanto, é antigo, como mostraremos a seguir. Entenda.
O que é o Carf e o que ele faz?
Antes de tudo, é importante entender o que o Carf e o que ele faz. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais surgiu com a unificação dos três Conselhos e da Câmara Superior de Recursos Fiscais, pela lei 11.941/09.
O Carf é um órgão colegiado, formado por representantes do Estado e da sociedade, com atribuição de julgar em segunda instância administrativa os litígios em matéria tributária e aduaneira. Compete também ao Conselho a uniformização da jurisprudência do órgão, mediante recurso especial das partes, quando ocorrer divergência de entendimento entre os colegiados de julgamento.
É um colegiado paritário, formado por conselheiros, representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes. Os representantes dos contribuintes são indicados pelas Confederações Econômicas de nível nacional. A indicação dos candidatos a conselheiro é feita por meio de lista tríplice, com a exigência de formação, conhecimento e experiência em Direito Tributário e tributos federais e aduaneiros. A escolha dos candidatos é realizada pelo Comitê de Seleção de Conselheiros e a indicação referendada por designação do ministro da Fazenda para o mandato.
Voto de qualidade – Instituído
Em 1972, foi instituído o decreto 70.235/72, que rege o processo administrativo tributário no âmbito da União. Em 2009, com a criação da lei 11.941/09, foi acrescentada uma expressão ao art. 25, parágrafo 9º, do referido decreto. Na ocasião, estabeleceu-se que, no caso de empate nos julgamentos no Carf, nas turmas ou na Câmara Superior, prevalecerá o voto do presidente, que vota ordinariamente em todos os feitos – o chamado voto de qualidade.
§ 9o Os cargos de Presidente das Turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais, das câmaras, das suas turmas e das turmas especiais serão ocupados por conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que, em caso de empate, terão o voto de qualidade, e os cargos de Vice-Presidente, por representantes dos contribuintes.
Questionamento no Supremo
Mas por que o voto de qualidade é tão controverso? Porque geralmente as decisões acabam sendo contrárias ao contribuinte. Foi sob esta alegação que a OAB entrou com uma ação no Supremo em 2017 contra o voto de qualidade.
Na ADIn 5.731, a Ordem sustentou que o dispositivo confrontaria princípios constitucionais como o da isonomia, da razoabilidade e da proporcionalidade.
“Valendo-se desta prerrogativa, os presidentes de turma (necessariamente representantes da Fazenda Nacional) têm proferido voto e, em um segundo momento, revertido o resultado do julgamento com novo voto (outro), quase sempre em desfavor dos contribuintes”, afirmou à época.
O processo, todavia, acabou extinto em 2020 por perda de objeto, conforme explicaremos a seguir.
Voto de qualidade – Excluído
Já em 2019, passou-se de um extremo a outro. Com efeito, foi assinada a MP 899/19, conhecida como MP do contribuinte legal, que tratava dos requisitos e das condições para a realização de transação resolutiva de litígio entre a União e devedores de créditos fiscais.
Na tramitação da medida provisória, uma emenda parlamentar incluiu o artigo que extinguiu o voto de qualidade nos julgamentos do Carf, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte.
O texto, com o fim do voto de qualidade, foi sancionado em abril de 2020 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, originando a lei 13.988/20.
Eis o teor do dispositivo:
“Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte.”
Voto de qualidade no STF novamente
Com o fim do voto de qualidade, o tema foi novamente alvo de questionamento no STF, desta vez através de três ações: ADIns 6.399, 6.403 e 6.415.
Na ADIn 6.399, o PGR Augusto Aras assinala que houve vício no processo legislativo em razão da inserção de matéria de iniciativa reservada e sem pertinência temática com o texto originário por meio de emenda parlamentar. Aras alegou que a CF reservou ao presidente da República a disciplina da organização e do funcionamento dos órgãos da Administração Pública.
O PSB, na ADIn 6.403, afirma que a mudança implicará a alteração da própria natureza do Carf, que passará a ter caráter eminentemente privado, pois os representantes dos contribuintes, indicados por entidades privadas, passam a ter poder decisório soberano.
O partido argumenta que a alteração resultará numa perda de arrecadação aos cofres públicos de cerca de R$ 60 bilhões por ano e que, entre 2017 e 2020, mais de R$ 110 bilhões tornaram a integrar a carta de créditos tributários da União em decorrência da utilização do voto de qualidade.
Já a Anfip - Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, na ADIn 6.415, aponta violação ao princípio democrático e ao devido processo legislativo, pois a alteração resultou de emenda parlamentar apresentada após a emissão de parecer pela Comissão Mista e não tem qualquer relação com a medida provisória que lhe deu origem. A associação ressalta ainda violação ao princípio constitucional implícito da prevalência do interesse público sobre o privado.
Casos suspensos por pedido de vista
Os processos começaram a ser analisados pela Corte em 2021 e já estão no terceiro pedido de vista, desta vez do ministro Nunes Marques. Todavia, já há maioria formada (Marco Aurélio, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski) no sentido de manter extinto o voto de qualidade.
- Clique aqui para entender como votaram os ministros.
Ainda não há data para que os autos sejam devolvidos e julgados pelo plenário.
Voto de qualidade de volta
Enquanto o caso permanece indefinido no Supremo, Lula assinou, nesta sexta-feira, 13, medida provisória que vai em sentido contrário à maioria formada na Corte. A MP 1.160/23 determina a volta do voto de qualidade.
Com a medida, as chances de a Receita ganhar os processos aumentam, melhorando o caixa do governo.
Agora, ninguém duvide, novas discussões judiciais ainda vão surgir quanto ao voto de qualidade no Carf.