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Resolução do CNJ estabelece diretrizes para reconhecimento pessoal

Entre os principais aspectos da resolução, destacam-se a delimitação, por natureza, do reconhecimento de pessoas como prova irrepetível e o estabelecimento de que o reconhecimento seja realizado preferencialmente pelo alinhamento presencial de quatro pessoas.

8/12/2022

Para evitar a condenação de pessoas inocentes e possibilitar a responsabilização dos culpados, o plenário do CNJ aprovou, por unanimidade, resolução que estabelece diretrizes para a realização do reconhecimento de pessoas em procedimentos e processos criminais e sua avaliação no âmbito do Poder Judiciário. 

O Ato Normativo 0007613-32.2022.2.00.0000 é resultado do grupo de trabalho instaurado pela Portaria CNJ 209/21, que reuniu especialistas no tema e desenvolveu estudos e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário. A equipe, organizada e coordenada pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativa (DMF), foi liderada pelo ministro do STJ Rogério Schietti Cruz.

Ao apresentar a proposta ao plenário, a presidente do CNJ e do STF, ministra Rosa Weber, afirmou que as reflexões e os debates desenvolvidos no âmbito do GT tiveram como tônica a pluralidade de olhares institucionais e a diversidade de perspectivas epistemológicas.

“Ao disponibilizar à sociedade brasileira todas as contribuições do GT, o CNJ dá um passo histórico na elevação do padrão de confiabilidade da prova de reconhecimento e na qualificação da prestação jurisdicional em nosso país, fatores que contribuem, a um só tempo, para evitar a prisão e condenação de inocentes, reduzir a impunidade e ampliar o respaldo do sistema de justiça perante a comunidade.”

O alcance da medida aprovada pelo CNJ foi destacado pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão. Ao elogiar o papel desempenhado pelo ministro Rogério Schietti no comando do GT, o ministro Salomão ressaltou também a contribuição de decisões tomadas no âmbito do STJ sobre o tema. “Como integrante do STJ, não poderia deixar de falar sobre a relevância do papel do nosso tribunal nessa matéria criminal e, especialmente, nos avanços obtidos no tema dos direitos humanos.”

O coordenador do GT, ministro Rogério Schietti, afirmou que a complexidade do tema e os desafios apresentados exigiram empenho e eficiência para o enfrentamento dos dilemas e das perplexidades provocados. “Assim, buscamos soluções pragmáticas, alcançáveis a partir de cuidados e protocolos de atuação até o momento não praticados sistematicamente no Brasil."

Já o supervisor do DMF, conselheiro Mauro Martins, enfatizou que a aprovação da resolução representa uma mudança do paradigma de tratamento do tema do reconhecimento de pessoas desde o advento do Código de Processo Penal, há quase um século. “Reafirmamos o compromisso do CNJ com a integridade da atividade judicial e com o melhor preparo de nossos juízes ao reforçar as garantias penais e processuais penais dos cidadãos.

CNJ aprova resolução que busca reduzir erros em reconhecimento pessoal.(Imagem: Arte Migalhas)

Parâmetros

Tornar o sistema de justiça criminal mais eficiente na apuração de delitos foi um dos princípios norteadores do trabalho que buscou a redução das chances de prisão e condenação injustas de inocentes e, assim, garantir a responsabilização dos verdadeiros culpados. Para tanto, foram adotados diretrizes e procedimentos cientificamente embasados para o reconhecimento de pessoas, visando fortalecer o respeito às liberdades e garantias dos cidadãos e conferir maior respaldo à atuação dos agentes públicos.

Entre os principais aspectos da resolução, destacam-se a delimitação, por natureza, do reconhecimento de pessoas como prova irrepetível e o estabelecimento de que o reconhecimento seja realizado preferencialmente pelo alinhamento presencial de quatro pessoas e, em caso de impossibilidade, pela apresentação de quatro fotografias, observadas, em qualquer caso, as diretrizes da resolução e do Código de Processo Penal. A norma também prevê que, na impossibilidade de realização do reconhecimento conforme esses parâmetros, outros meios de prova devem ser priorizados.

De acordo com a resolução, todo o procedimento de reconhecimento deve ser gravado, com sua disponibilização às partes, havendo solicitação. Também é necessária a investigação prévia para colheita de indícios de participação da pessoa investigada no delito antes de submetê-la a procedimento de reconhecimento e, ainda, a coleta de autodeclaração racial dos reconhecedores e dos investigados ou processados, a fim de permitir à autoridade policial e ao juiz a adequada valoração da prova, considerando o efeito racial cruzado.

A resolução prevê que a autoridade deve zelar pela higidez do procedimento, evitando a apresentação isolada da pessoa, de sua fotografia ou imagem (show up), o emprego de álbuns de suspeitos e de fotografias extraídas de redes sociais ou de qualquer outro meio, além de cuidar para que a pessoa convidada a realizar o reconhecimento não seja induzida ou sugestionada, garantindo-se a ausência de informações prévias, insinuações ou reforço das respostas por ela apresentadas.

Levantamento

Estudo realizado pelo Innocence Project, de Nova Iorque, mostra que, em 70% dos 375 casos em que ficou comprovada a inocência de uma pessoa injustamente condenada por meio de exame de DNA, a principal causa do erro foi o reconhecimento equivocado. Já levantamento da DPE/RJ identificou, em âmbito nacional, que, em 60% dos casos de reconhecimento fotográfico equivocado em sede policial, houve a decretação da prisão preventiva.

De acordo com a defensoria fluminense, entre os casos que culminaram em detenção errônea, o tempo de prisão foi de 281 dias, o que equivale a, aproximadamente, nove meses. O estudo mostra ainda que, em 83% dos casos de reconhecimento equivocado, as pessoas apontadas eram negras, o que reforça as marcas da seletividade e do racismo estrutural do sistema de justiça criminal.

Produtos

Para realização do trabalho, o GT foi dividido em cinco grupos que, além da resolução, elaborou outros produtos avalizados pelo plenário do CNJ. Um dos comitês desenvolveu um diagnóstico dos elementos catalisadores da condenação de inocentes no sistema de justiça criminal brasileiro e avaliou o impacto específico do erro de reconhecimento, com especial atenção para os desafios da incorporação de inteligência artificial nessa área e para o racismo estrutural.

Outro comitê produziu um protocolo para o reconhecimento em sede policial que servirá como guia para controle judicial de possíveis nulidades. Também foi elaborado um anteprojeto de lei que propõe a modificação do Código de Processo Penal para estabelecer uma nova disciplina sobre o tema, alinhada aos estudos na área da Psicologia do Testemunho. Uma coletânea de artigos, uma proposta de capacitação continuada de magistrados e uma cartilha sobre o tema também são resultado do trabalho, cujo objetivo é disseminar a discussão na Academia, em todas as instâncias do Poder Judiciário e na sociedade civil.

No STJ

O STJ já proferiu mais de 90 decisões desde que a 6ª turma, reformulando a jurisprudência até então predominante, assentou o entendimento de que a inobservância do artigo 226 do CPP invalida o reconhecimento do acusado feito na polícia, não podendo servir de base para a sua condenação, nem mesmo se for confirmado na fase judicial.

Da data do julgamento (outubro de 2020) até dezembro de 2021, houve pelo menos 28 acórdãos das duas turmas de Direito Penal e 61 decisões monocráticas que absolveram o réu ou revogaram a prisão preventiva em razão de graves dúvidas sobre o reconhecimento feito em desacordo com as exigências do CPP, as quais – nas palavras do ministro Rogerio Schietti Cruz, relator do HC 598.886 – "constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime". Os números constam de um levantamento produzido pelo gabinete do ministro.

Quase um ano depois daquele julgamento, o CNJ instituiu, em setembro de 2021, o grupo de trabalho com o objetivo de propor nova regulamentação para o reconhecimento pessoal em processos penais. 

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