A responsabilização penal de agentes públicos por condutas que façam as vítimas reviverem episódios traumáticos não atenta contra a independência do MP. Esse é o entendimento manifestado pelo PGR, Augusto Aras, em parecer encaminhado ao STF.
A manifestação foi em ação que questiona a validade de dispositivo da lei de abuso de autoridade (13.869/19) que tipifica o crime de violência institucional. Inserida pela lei 14.321/22, a caracterização do ilícito busca responsabilizar agentes públicos pela “revitimização” de indivíduos em apurações de infrações penais.
Proposta pela Conamp - Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, a ação busca invalidar o art. 15-A da lei de abuso de autoridade. O dispositivo caracteriza a violência institucional como o ato de submeter as vítimas de infração penal ou testemunhas de crimes violentos a procedimentos desnecessários, repetitivos, invasivos ou que as levem a reviver, sem necessidade, situações de sofrimento ou estigmatização.
Segundo a entidade, a lei traz insegurança jurídica na apuração dos ilícitos, retira do MP parte da competência conferida pela Constituição na escolha dos procedimentos necessários para a investigação penal e retira a liberdade institucional.
Contrário ao que foi sustentado pela associação, Aras defende que a medida adotada pelo dispositivo legal trata do reconhecimento de que a atenção às vítimas e testemunhas de crimes violentos deve considerar o estado psicológico delas durante toda a fase processual.
“O objetivo da criminalização da violência institucional no contexto da Lei de Abuso de Autoridade é proteger a higidez psíquica, a intimidade e a privacidade de pessoas que tenham sido vítimas de infrações ou testemunhas de crimes violentos, como limite à obtenção da ‘verdade real’.”
No parecer, o PGR lembra que a criminalização da figura da violência institucional não é uma novidade. Ele cita normas como o decreto 9.603/18, que regulamenta o sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente vítima de violência, a lei 13.505/17, que alterou o texto da lei Maria da Penha (11.340/06), e a lei Mariana Ferrer (14.245/21), todas editadas para coibir a revitimização de indivíduos pela ação dos agentes públicos.
Aras ainda esclarece que é preciso ter em mente que, para que o crime seja efetivado, é necessário que os agentes públicos tenham agido com a finalidade específica de prejudicar outra pessoa, em benefício próprio ou de terceiros, ou por mero capricho ou insatisfação pessoal. “O art. 15-A da lei 13.869/19 prevê crime próprio em contexto de evolução legislativa para tratamento adequado a eventuais desvirtuamentos no exercício das funções públicas”, afirma.
Independência institucional
Na manifestação, o procurador-geral defende que a lei não busca criminalizar condutas funcionais regulares de agentes públicos, mas coibir e reprimir atos abusivos que afetem direitos de qualquer pessoa. Na avaliação de Aras, a responsabilização penal de membros do MP “apenas ocorrerá se a atuação questionada desbordar, com dolo específico, os limites éticos e jurídicos da função pública, gerando injustos gravames a vítimas e testemunhas”.
Nesse sentido, o PGR salienta que o enquadramento no ilícito observará o devido processo legal, o contraditório, a proporcionalidade e razoabilidade, garantias constitucionais e a hermenêutica a fim de compatibilizar a legislação com a missão constitucional do Ministério Público.
Norma de conteúdo aberto
Aras também avalia que a atual política criminal entende que a técnica legislativa da criação de tipos penais abertos não afronta a Constituição. Segundo ele, a tipicidade penal foi respeitada pelo legislador na medida em que foi definido com clareza o objeto jurídico tutelado pelo art. 15-A da lei 13.869/19.
Os tipos penais abertos exigem a comprovação da ilicitude e, para situações em que a descrição da conduta é ampla, a interpretação e juízo de valor do julgador. Nesse contexto, Aras observa que sendo a lei intimamente relacionada com a atuação de agentes públicos estatais, é natural que os tipos descritos na norma penal dependam de integração pelo magistrado para delimitar o que está abrangido pelo regular exercício das funções ou o que extrapola os limites do lícito.
No entanto, pontuou que o tipo penal em análise “não é demasiadamente aberto, sendo possível precisar, ainda mediante integração pelo magistrado, os elementos estruturais mínimos individualizadores das condutas incriminadoras”.
- Processo: ADIn 7.201
Leia a íntegra da manifestação.
Informações: MPF.