Nos últimos dias, uma possível mudança na estrutura do STF voltou à pauta dos noticiários. Com efeito, o presidente Jair Bolsonaro e o recém-eleito senador Hamilton Mourão defenderam o aumento do número de ministros da Corte. A fala foi rechaçada por ex-integrantes do Tribunal e pelos veículos de imprensa. Entenda a seguir.
Mudanças à vista?
Na sexta-feira, Mourão, em entrevista à GloboNews, defendeu a necessidade de uma “ampla” reforma no STF, citando um possível aumento no número de cadeiras, a redução da idade de aposentadoria dos magistrados e a imposição de mandatos com período limitado.
No mesmo dia, um pouco mais cedo, Bolsonaro também falou sobre o assunto e contou que recebeu sugestões para passar “para mais cinco" o total de ministros na Corte, que atualmente conta com 11 integrantes. Essa não é a primeira vez que o presidente levanta essa bandeira.
Quem também defendeu que a estrutura do Supremo seja alterada foi o deputado Federal Ricardo Barros, líder do governo na Câmara. Para ele, o número de ministros deveria ser elevado a 16.
“Se o Judiciário permanecer nesse nível de ativismo político, as decisões tomadas por gostar, ou não, de um determinado governo, ou por querer ou não ter mais poder, ou pensar numa ditadura do Judiciário, que acham que pode ser alcançada, isso vai ter reação do Poder Legislativo de forma muito severa”, disse, em tom de ameaça, à GloboNews.
“Nunca pedi favor”
Lula, que enquanto presidente nomeou oito ministros à Corte, afirmou em reunião com empresários, políticos e intelectuais, nesta segunda-feira, 10, que, apesar do número alto de indicações, “nunca pediu favor” a ninguém.
"Nunca pedi um favor porque eles não foram indicados para me ajudar, mas foram indicados para cumprir o papel da Suprema Corte, que está escrito na Constituição."
Reação de ex-ministros
A fala de Bolsonaro e Mourão gerou reações de ministros aposentados do STF. Celso de Mello, por exemplo, disse que a tentativa do presidente de aumentar o número de cadeiras consiste, na realidade, em uma tentativa de controlar o Judiciário e comprometer a independência do Tribunal.
“Vê-se, pelo noticiário que tem sido divulgado, que Bolsonaro pretende servilmente replicar o que fez a ditadura militar que governou o Brasil e que, pelo fato de achar-se investida de poderes excepcionais, ampliou a composição do STF, elevando-a, como anteriormente assinalado, com apoio no Ato Institucional n. 2/65, de 11 para 16 Ministros (mais cinco, portanto!).”
Marco Aurélio, por sua vez, que já declarou voto em Bolsonaro, descreveu a proposta como “saudosismo puro”.
"Saudosismo puro. No regime de exceção houve o aumento para 16 (AI-2). Logo a seguir a razão imperou. Arroubo de retórica que não merece o endosso dos homens de bem. O meio justifica o fim e não o inverso."
O também aposentado ministro Carlos Velloso considerou o caso gravíssimo e uma afronta à democracia.
“É uma afronta, ademais, à cláusula pétrea da separação dos Poderes e, portanto, uma violência à Constituição.”
Imprensa também se posicionou
Os veículos de comunicação também não deixaram a fala do presidente passar batida. Em editorial, a Folha de S. Paulo disse que é difícil imaginar uma tese golpista que Bolsonaro não esteja disposto a abraçar ou, no mínimo, a permitir que prospere.
“A sociedade brasileira tem dado mostras consistentes de defesa dos valores democráticos, ainda que com críticas compreensíveis ao desempenho dos Poderes. As instituições, do mesmo modo, resistem a investidas do populismo. O que não se tem, infelizmente, é um presidente que rechace de pronto qualquer proposta capaz de aviltar o regime que garante as liberdades e o respeito à lei.”
O Estadão, em editorial intitulado “carcomendo a democracia”, afirmou que é indisfarçável a tentativa de estabelecer no STF uma maioria capaz de tornar “constitucional” toda e qualquer iniciativa do governo.
“O que Bolsonaro pretende não é reforma, e sim a desidratação de um dos freios constitucionais ao Poder Executivo – e talvez se torne o único, dado que o sucesso bolsonarista nas urnas deu ao presidente, caso se reeleja, uma confortável base no Congresso. Quando Bolsonaro diz que, se ganhar um novo mandato, ‘vamos trazer essa minoria que pensa que pode muito para dentro das quatro linhas da Constituição’, fica clara sua disposição de intimidar os ministros do Supremo que ousarem contrariá-lo.”
Nas palavras do Estadão, “os políticos precisam entender que, no Estado Democrático de Direito, vigora o princípio da separação de Poderes. O Judiciário é independente. Nem o Executivo nem o Legislativo mandam na Justiça”.
“A discordância de uma orientação do Supremo não é resolvida com a ameaça de aumentar o número de ministros do Supremo e, assim, obter um novo posicionamento do tribunal. Quem age assim afronta a Constituição de 1988 que, ao dispor sobre as cláusulas pétreas, estabelece que ‘não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a separação dos Poderes’.”
Recordar é viver
Em 2019, diretamente da sede da PF em Curitiba, Lula conversou com a equipe do Migalhas e disse não se arrepender de nenhuma indicação ao STF. Ao contar como fazia para escolher o próximo ministro, explicou que "sempre conversava" com o ministério da Justiça, a AGU, a Casa Civil, e sempre consultava personalidades do mundo jurídico. Reveja a entrevista:
"Eu nunca levei em conta o critério religioso. Eu nunca perguntei pra alguém: você é católico? Você é evangélico? Você é da religião judaica? Nunca perguntei, nunca."